Folha de S. Paulo
Danos no Executivo e no Legislativo podem
ser corrigidos a cada quatro anos
A aprovação do reverendo André
Mendonça para o STF viola a laicidade do Estado e a corte
constitucional. O simples fato de Bolsonaro ter usado a religião como critério
de escolha deveria ter ensejado a rejeição do nome de seu ex-ministro. A
separação entre igreja e Estado é esteio civilizatório. O Senado da República
não poderia ter sido coautor da violação de tal princípio. Um perigoso limiar
foi ultrapassado.
No Executivo, Mendonça ajudou o chefe a degradar a democracia, perseguindo críticos do governo, atacando esforços de governadores e prefeitos no combate à pandemia. Como AGU, fez inflamada defesa da abertura de templos e igrejas enquanto o vírus matava 4.000 brasileiros por dia.
Quando delinquentes atacaram o STF com
fogos de artifício, um compassivo Mendonça pediu compreensão para a "manifestação".
Para ele, Bolsonaro é um "profeta no combate à criminalidade". Não dá
nem para ironizar, porque tudo é muito sério e grave.
Nos últimos anos, foi o Supremo, mais do
que o Congresso, que fez avançar a agenda da cidadania. A liberação de
pesquisas científicas com células-tronco embrionárias, a permissão para o
aborto de fetos anencéfalos e a constitucionalidade das cotas sociais e raciais
nas universidades são alguns exemplos.
A pauta que o Supremo tem pela frente será decisiva para nos moldar como
sociedade. Direito ao aborto, posse de armas, marco temporal para as terras
indígenas, drogas para uso pessoal são temas à espera do discernimento e da
decisão de suas excelências.
Perdas e danos no Executivo e no
Legislativo podem ser corrigidos de quatro em quatro anos. No Judiciário,
erosões democráticas têm efeito bem mais longevo. André Mendonça e Kassio Nunes
Marques dão ao bolsonarismo o poder de desequilibrar o jogo a favor da agenda
obscurantista. As consequências poderão alcançar gerações. O STF se apequena. O
país retrocede. Perdemos todos.
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