O Estado de S. Paulo
A armadilha do baixo crescimento e a da polarização política se engalfinham, no Brasil, cada uma querendo se sobrepor à outra
O Brasil deve ser o único país onde duas
armadilhas se engalfinham, cada uma querendo se sobrepor à outra. O leitor está
cansado de saber quais são as duas armadilhas a que me refiro; sou forçado a
falar delas, embora minha preferência fosse escrever sobre alguma opereta. Falo,
evidentemente, da “armadilha do baixo crescimento” e da polarização política
que se configurou a partir da eleição presidencial de 2018.
Suponhamos que nossa renda anual por habitante ande pela casa dos US$ 10 mil anuais. O fato de estarmos aprisionados na “armadilha do baixo crescimento” significa que, mesmo crescendo 3% ao ano (hipótese remota), levaremos algo como 23,3 anos para duplicarmos essa renda ridícula e atingir o nível ainda ridículo de US$ 20 mil anuais. Com o sistema institucional, a máquina de Estado e a classe política que nos subjugam, é assaz duvidoso que tal milagre possa acontecer. Mas essa primeira parte da história já lhes contei uma dúzia de vezes. Passo à segunda, para evitar a monotonia.
Nosso sistema econômico permanece anêmico,
incapaz de dar um passo substancial à frente. Robustez, no Brasil, existe é na
miséria. Essa, sim, caminha a passos largos, só que, infelizmente, para trás.
Pobre e brutalmente desigual nosso país sempre foi, mas, salvo se eu for um
desmemoriado, certas coisas não me lembro de ter presenciado. Semanas atrás, em
Araçatuba, grande e próspera cidade do oeste paulista, várias quadrilhas até
então independentes associaram-se para assaltar a cidade, mantendo-a aterrorizada
durante várias horas. Não me lembro de ter visto miseráveis comprando ossos que
lhes sirvam como alimento na sopa da noite. No dia 29 de novembro, o canal UOL
trouxe uma informação provavelmente mais corriqueira, mas que não posso deixar
de mencionar no presente contexto: pessoas famintas desmaiando na fila enquanto
esperam atendimento em postos de saúde.
São muitos os fatores que nos mantêm
aprisionados na “armadilha do baixo crescimento”, mas não há dúvida de que
outra armadilha entrou em cena, ao que tudo indica fazendo questão de nos
garrotear com a mesma força da primeira. Refiro-me, aqui, à estrábica
polarização política que se instalou entre nós desde a eleição presidencial de
2018, contrapondo, de um lado, um populista para quem esperteza é tudo o de que
se necessita para governar um país e, do outro, um estulto que vive numa
condição de permanente desnorteio. Volto a pedir desculpas por trafegar sobre o
óbvio: falo, naturalmente, de um país que até o momento não descortinou uma
saída para um desastre de muitos anos, na hipótese de o ringue de 2022 ser
novamente ocupado por Bolsonaro e pelo PT (agora personificado por seu chefe, o
sr. Luiz Inácio Lula da Silva). Se Bolsonaro for derrotado no primeiro turno e
o restante da classe política se unir para afastar Lula no segundo, pode ser
que nos qualifiquemos para grandes investimentos a partir de 2023. Pode ser.
Bruxas talvez não existam, mas retrocessos
eu lhes asseguro que são uma ocorrência frequente nos cantos do mundo. As
causas variam de um país a outro, mas os resultados são sempre muito parecidos:
queda quase sempre abrupta no nível de vida da população, anarquia política,
conflitos se multiplicando, violência e ditaduras. Essa história será, aliás,
abundantemente relatada nas próximas semanas. O cenário será a Venezuela,
outrora um dos países mais ricos da América Latina. O enredo, a revolução
“bolivariana” deflagrada por Hugo Chávez e ainda hoje personificada por Nicolás
Maduro. Pois bem, a história que vamos ouvir é a de que a outrora pujante Venezuela
fechará o ano com a renda per capita mais baixa do hemisfério, atrás até do
Haiti, que todos julgávamos imbatível nesse quesito.
As causas do desastre venezuelano são bem
conhecidas. A perda de rumo dos dois principais partidos abriu o caminho para a
eleição (em 1998) de um militar destrambelhado. Daí em diante, presenciamos o
habitual cortejo de anarquia e liquidação das instituições políticas, o
suficiente para a ascensão de Nicolás Maduro e seus fidelíssimos generais.
A destruição dos partidos políticos é uma parte invariável em tais tragédias, mas em nossa história ela sempre se apresentou com traços singulares. É que, em nosso caso, cada golpe levou de roldão todo o sistema partidário existente, não um ou dois partidos, mas todos eles. Assim foi na passagem do Império para a República e da República democrática para o ciclo militar iniciado em 1964, para ficarmos só nesses dois casos. A singularidade do presente quatriênio é que agora, sob a ação combinada da polarização política com a desfaçatez da maior parte da classe política, atingimos um patamar de ridículo que não julgávamos possível. Estamos com mais de 30 partidos registrados, número que certamente continuará subindo, e o impulso para tal vem dos próprios parlamentares: daqueles que elegemos para conferir coerência às ações do Estado e para exercer por nós o direito de representação, que só a nós pertence.
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