Revista Veja
A reação moderada de Doria na vitória pode
indicar que ele tem noção exata dos desafios à frente
A vitória de João Doria nas prévias do PSDB
não resolve os problemas do governador de São Paulo nem aplaca atritos ou
ameniza as agruras do partido. Muito menos indica uma direção segura para o
campo político, que busca espaço eleitoral viável entre Jair Bolsonaro e Luiz
Inácio da Silva.
Esse pessoal hoje está mais ocupado em se
posicionar com o lançamento de pré-candidatos e em entender o impacto da entrada
de Sergio Moro em cena do que preocupado com a possibilidade de Doria vir a
consolidar a candidatura como inamovível.
Em outros tempos, a definição de um nome do
PSDB para disputar a Presidência causaria agitação na atmosfera. Para o bem e
para o mal. Os adversários voltariam suas artilharias contra e os
correligionários celebrariam a escolha como marco inicial de trajetória rumo ao
êxito.
No entanto, o que a realidade tem nos mostrado nesses dias pós-definição dos tucanos é um misto de indiferença, descrença e desconfiança. Da parte das forças que buscam um lugar de destaque ao centro não se viu nem se ouviu nenhuma manifestação pública vigorosa de júbilo nem de pesar.
Seria um descaso proposital, a fim de não
fornecer azeitonas à empada do governador? É uma hipótese, mas não combina com
a excitação do mundo político com a filiação de Moro ao Podemos, que logo
suscitou interesses fora do partido e alimentou versões sobre possibilidade de
alianças.
Mas digamos que o fato de não movimentar o
ambiente eleitoral seja no momento o menor dos problemas de João Doria. Ganhar
as prévias é pré-requisito, mas está longe de ser solução. São Paulo é forte,
mas não é o Brasil. Ademais, a depender da quantidade e da profundidade de
feridas abertas no processo, o troféu do vencedor pode ser uma batata
incandescente.
Há quem, com experiência comprovada no
ramo, olhe a cena e se lembre da vitória de Paulo Maluf sobre Mário Andreazza
na convenção do PDS em 1984. Maluf ganhou a indicação em agosto e em janeiro de
1985 perdeu para Tancredo Neves por 300 votos num colégio (o Congresso) de 480
eleitores.
A consequência imediata foi a abertura de
uma poderosa dissidência. O mundo é outro, o Brasil, completamente diferente,
mas o episódio serve de ilustração sobre a distância entre o poderio da
conquista de votos em espaços de regras controláveis e o poder de sustentar
êxitos obtidos sem o engajamento expressivo e inequívoco de seus pares.
Chegamos, então, ao clima reinante no PSDB,
com a ressalva de que cessam aqui as comparações. Não há, ao menos por ora,
movimentação para dissensões em grupo. Entre o tucanato tradicional,
descontente com a ruptura que o modelo de Doria representa em relação às
origens do PSDB, aventam-se variadas hipóteses: deixar o partido, tentar uma
rebelião na convenção no ano que vem ou mesmo largar o candidato à própria
sorte na campanha.
O estado de espírito no “ninho” é de apatia
e não de adesão entusiasmada a essa ou àquela proposta. A hora agora é de calar
em público até o início de 2022, “para não dizer bobagem”, nas palavras de um
tucano de altíssima patente.
Acrescente-se que a “ressaca” não se
restringe a um grupo pequeno. Com todos os ativos políticos e econômicos de que
dispõe João Doria, o resultado da prévia disputada com Eduardo Leite, um cristão-novo
no jogo nacional, foi praticamente de meio a meio (53,9% a 44,6%). Sinal
amarelo para quem esperava vitória de lavada.
A reação também algo discreta do governador
(foi moderado no cântico da vitória) pode indicar que ele tem noção exata dos
desafios à frente. Engajar o partido na sua candidatura não é o único, mas é
imprescindível até mesmo como premissa para a construção de pontes para fora do
PSDB. Embora neste momento impere a má vontade, há margem para o conserto, mas
depende de certas condições.
A primeira é o desempenho na sociedade. Em
português claro: crescimento das intenções de voto nas pesquisas. Hoje em 5%, o
índice tido como capaz de mobilizar boa parte do tucanato seria algo em torno
de 15% por volta de março/abril. Se isso acontecer, vem a segunda condição: que
Doria contenha a produção de atritos a fim de não atrapalhar acordos regionais
dos correligionários.
Seria bem recebida também uma mudança no
modo de ser, mais político, menos empresarial e muito, muito menos
autossuficiente. Algo difícil em alguém que atribui o sucesso em prévias e
eleições à fidelidade ao próprio estilo.
Publicado em VEJA de 8 de dezembro de 2021, edição nº 2767
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