EDITORIAIS
O escarcéu como método
O Estado de S. Paulo
Ausência de bolsonaristas nos testes da
urna eletrônica prova que a bagunça provocada pelo presidente a respeito da
confiabilidade do voto era só para distrair o País
A conclusão dos testes de integridade da
urna eletrônica pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no fim de novembro
comprovou a confiabilidade de um sistema moderno e do qual o Brasil pode se
orgulhar. Por seis dias, as urnas ficaram à disposição de ataques de “hackers
do bem”, um trabalho que teve como objetivo aprimorar a tecnologia para a
disputa de 2022. Vinculados a universidades, empresas privadas e órgãos
públicos, 26 investigadores se inscreveram para o desafio de procurar
vulnerabilidades físicas e tecnológicas para invadir o sistema. Das 29
iniciativas, 24 falharam completamente e 5 apontaram apenas oportunidades de
aperfeiçoamento. Nenhuma foi capaz de alterar o voto dos eleitores, explicou o
presidente do TSE, Luís Roberto Barroso.
Chamou a atenção, no entanto, o desinteresse dos partidos políticos em participar do processo de fiscalização da urna eletrônica, principalmente dos apoiadores do presidente da República. Nem parece que há quatro meses o Brasil foi palco de um show de horrores liderado por Jair Bolsonaro, que contestava o sistema que o elegeu deputado federal por cinco vezes e que lhe conferiu o mais alto cargo do País em 2018. Sem apresentar nenhuma prova sequer sobre a vulnerabilidade das urnas, o presidente mobilizou as atenções dos cidadãos e das instituições, alimentando a hipótese – de resto não inteiramente afastada – de que não reconhecerá o resultado das eleições do ano que vem se ele não for o vencedor.
Os deputados rejeitaram o retorno da
obrigatoriedade do voto impresso, mas apenas a apreciação do tema na Câmara já
mostrou o ridículo da situação. É simbólico que ele tenha sido pauta depois de
mais de 615 mil mortes em razão da pandemia de covid-19, crescimento da evasão
escolar, desemprego elevado, inflação descontrolada e economia em recessão
técnica. É bom lembrar que imprimir o voto, segundo estimativa do TSE, custaria
ao Orçamento ao menos R$ 2,5 bilhões.
Em um simulacro do que Donald Trump
promoveu ao incentivar a invasão do Capitólio nos Estados Unidos na véspera da
posse de Joe Biden, Bolsonaro, durante meses, insuflou milhares de pessoas a ir
às ruas para defender um evidente retrocesso. No dia da votação, em um sinal da
captura das instituições pelo bolsonarismo, as Forças Armadas se prestaram ao
papel de tentar intimidar o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) com um
desfile de blindados na Esplanada dos Ministérios, ao custo de R$ 3,7 milhões
dos cofres públicos. Antes, o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, mandou
avisar o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que não haveria eleições no
ano que vem caso não houvesse impressão dos votos e contagem pública dos
resultados. A ameaça, revelada pelo Estado, é investigada pela
Procuradoria-geral da República (PGR).
Felizmente, a Câmara derrubou o voto
impresso, mas ainda assim boa parte dos parlamentares deu apoio ao texto – que
somente não passou por não ter conquistado os 308 votos necessários para uma
Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Defendida nas manifestações antidemocráticas
de 7 de Setembro, a principal bandeira bolsonarista, subitamente, deixou de ser
prioridade. “Passamos a acreditar no voto eletrônico”, disse o presidente, no
início de novembro. “Capítulo encerrado”, acrescentou.
Não é por acaso que nenhum partido do
Centrão e nem mesmo um único político da base tenham ido testemunhar o sucesso
da inspeção da urna eletrônica depois de meses de embates na Câmara. As Forças
Armadas enviaram observadores e integraram uma comissão do TSE, mas não
participaram dos testes. A ausência diz muito sobre todos aqueles que se mantêm
no grupo de apoio do governo: o problema nunca foi a segurança da urna.
Erra quem avalia que a derrota teria afinal
convencido Bolsonaro sobre a confiabilidade do sistema eleitoral. Não era o
voto impresso em si que motivava o presidente, mas sim inventar argumentos para
trazer instabilidade para o País e, assim, mobilizar a horda de fanáticos que o
seguem. É no caos que o autoritarismo bolsonarista prospera.
Uma decisão esquisita
O Estado de S. Paulo
Liminar do Supremo Tribunal Federal permite
a contratação de servidores por Estados que, em troca de socorro, se
comprometeram a economizar
“Responsabilidade fiscal não tem ideologia”
e é “apenas um pressuposto das economias saudáveis”, afirmou o ministro do
Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso em seu relatório na ação
direta de inconstitucionalidade (Adin) que questiona a legislação que instituiu
e regulamentou o Regime de Recuperação Fiscal (RRF), ao qual podem aderir
Estados e municípios em dificuldades financeiras. Foi além. “O descontrole
fiscal a que chegamos sempre traz recessão, desemprego, inflação,
desinvestimento e juros altos”, completou. “Os mais penalizados, por óbvio, são
os mais pobres.” Está inteiramente certo.
Mas, ao permitir, em caráter liminar, que
Estados e municípios em recuperação fiscal realizem concursos públicos para
preenchimento de cargos vagos, o ministro do STF abriu uma brecha no arcabouço
legal que, ao mesmo tempo, estabelece condições mais favoráveis para o
pagamento de dívidas de entes federados com a União e impõe aos devedores
compromissos que conduzam ao reequilíbrio fiscal. No mesmo relatório, Barroso
excluiu do teto de gastos os investimentos realizados com recursos de fundos
públicos especiais. A decisão ainda terá de ser apreciada pelo plenário virtual
da Corte.
A liminar de Barroso suspende trechos da
legislação que trata do RRF, criado pela Lei Complementar (LC) n.º 159, de 19
de maio de 2017, e modificado pela LC n.º 178, de 13 de janeiro de 2021. A Adin
foi ajuizada em julho pela Associação dos Magistrados Brasileiros e pela
Associação Nacional dos Membros do Ministério Público.
Ao RRF podem aderir Estados com
dificuldades financeiras e que se comprometam a adotar um conjunto de medidas
de austeridade. Ou, como resume a Secretaria do Tesouro Nacional – órgão
federal incumbido de verificar as condições para a adesão ao programa –, o RRF
“permite a concessão de benefícios, tais como a flexibilização de regras
fiscais, concessão de operações de crédito e suspensão de pagamento de dívida,
desde que o Estado pleiteante adote reformas institucionais para garantir que o
equilibro fiscal seja restaurado”. Na prática, as vantagens incluem suspensão
do pagamento da dívida, obtenção de garantia da União para contratação de
empréstimos novos e flexibilização de regras fiscais.
Trata-se, como se vê, de uma opção
oferecida a Estados em séria crise financeira, avaliada com base em indicadores
como comprometimento da receita com a folha de pessoal e a dívida. Uma de suas
características é a adesão voluntária. Só entra no regime o ente federado que
assim decidir livremente, não por pressão da União.
Em contrapartida, os beneficiados
comprometem-se a cumprir exigências que constam da Lei de Responsabilidade
Fiscal (LRF), de 2000, e da legislação específica do Regime de Recuperação
Fiscal. Entre as normas legais está a proibição, durante a vigência do regime
fiscal especial, da realização de concursos públicos, exceto para a reposição
de cargos de chefia e direção e assessoramento “que não acarretem aumento de
despesa”.
A Advocacia-geral da União (AGU) não viu
violação de preceitos constitucionais nos dispositivos do RRF e ainda destacou
que a adesão a esse regime especial “é decisão política discricionária, a qual
deve ser tomada no âmbito da autonomia de cada unidade federada”.
O ministro Luís Roberto Barroso, de sua
parte, argumentou que “a grande questão é saber em que medida a União pode
impor limitações dessa natureza”. E concluiu que “restaria muito pouco da
autonomia de Estados, do Distrito Federal e Municípios se não pudessem sequer
admitir pessoal para manter seus quadros estáveis quando aderissem ao Regime de
Recuperação Fiscal”.
Não é apenas o caráter voluntário de adesão a esse regime que a decisão de Barroso ignora. Ela passa ao largo também de problemas que o afrouxamento da austeridade fiscal acarreta, como o comprometimento da capacidade de investimentos causado pelo crescimento descontrolado de despesas correntes, sobretudo com o funcionalismo. Serviços públicos são prejudicados pelas vantagens alcançadas por poucos – os funcionários públicos.
Reação à ômicron
Folha de S. Paulo
Estados e municípios reveem medidas, mas
Bolsonaro renega passaporte da vacina
O advento de uma nova variante do
coronavírus, potencialmente mais transmissível, e a detecção de seus primeiros
casos no Brasil têm feito com que estados e municípios reconsiderem tanto seus
planos para o fim do ano como estratégias de enfrentamento do patógeno.
Em São Paulo, o governador João Doria
(PSDB) foi prudente ao rever o fim
da obrigatoriedade do uso de máscaras de proteção facial em
espaços abertos, que entraria em vigor no próximo dia 11.
Embora os riscos de contágio sejam
reduzidos nesses locais, a adoção da medida no novo contexto poderia constituir
um incentivo inadequado ao relaxamento num momento do ano que favorece
aglomerações e, sobretudo, quando ainda não estão claros os perigos da nova
cepa.
O governo paulista, ademais, reduziu de 5
para 4 meses o intervalo entre a segunda dose da vacina e a de reforço. A
medida, válida para todos acima de 18 anos, deve permitir que 10 milhões de
pessoas antecipem a nova imunização.
Pautam-se também pela cautela as decisões,
já anunciadas por cerca de duas dezenas de capitais, de cancelar os eventos
oficiais programados para o Réveillon.
No Rio, que ainda avalia suspender o
festejo de fim de ano, o prefeito Eduardo Paes (PSD) reforçou as medidas de
segurança em locais que costumam receber turistas.
O certificado de vacinação, já exigido em
grandes eventos, passará a ser obrigatório em hotéis, salões de beleza, casas
noturnas e bares e restaurantes fechados.
A reação de prefeitos e governadores diante
do avanço da ômicron contrasta, mais uma vez, com a inação do governo federal.
Mesmo após as recomendações de Anvisa e
Tribunal de Contas da União, a administração Jair Bolsonaro vem se recusando a
adotar o passaporte de vacinação para aqueles que chegam no país.
Não bastasse a questão da reciprocidade, já
que somente brasileiros imunizados são admitidos na Europa e nos EUA, a medida
ao menos impediria que pessoas não vacinadas escolhessem como destino o
território brasileiro.
Para Bolsonaro, contudo, uma providência
sensata como essa extrapola
limites e estimula uma "batalha política", conforme
afirmou na quinta (2). Ao tratar do assunto, o mandatário voltou a exibir seu
negacionismo, promovendo mais um ataque torpe aos imunizantes.
A recente pesquisa revelando que o Brasil é
o país latino-americano com menor rejeição às vacinas contra o vírus,
felizmente, atesta que a população faz ouvidos moucos às patranhas
presidenciais.
Acordo nas alturas
Folha de S. Paulo
Fim de imbróglio no Campo de Marte pode
reforçar caixa da prefeitura paulistana
A notória morosidade do Judiciário
brasileiro por vezes alcança níveis inimagináveis. É auspiciosa, portanto, a
notícia de que a Prefeitura de São Paulo e o governo federal devem enfim
dar solução à
posse do Campo de Marte, um imbróglio que se arrasta há mais de seis
décadas nos tribunais.
Trata-se de área valorizada, de 2,1 km²
(maior que a do parque Ibirapuera) e próxima ao centro da cidade. Reúne, entre
outras instalações, aeroporto para pequenos aviões e helicópteros, sob o
comando da Infraero, e divisões da Aeronáutica.
A contenda remonta à Revolução
Constitucionalista de 1932, quando a ditadura do Estado Novo, após a derrota
paulista no conflito, anexou a gleba à União. O terreno é disputado na Justiça
desde 1958 —e a gestão municipal defende direito à indenização pelos quase 90
anos de usufruto federal supostamente indevido.
Após tramitar em todas as instâncias
judiciais, decisão do ex-ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal,
reconheceu o direito da municipalidade sobre a área —um recurso, contudo, ainda
segue sob análise de Kassio Nunes Marques.
Nas tratativas entre as partes,
estabeleceu-se que o cálculo da indenização é de cerca de R$ 49 bilhões. Como
revelou a Folha, em julho deste ano o prefeito Ricardo Nunes (MDB) propôs
ao presidente Jair Bolsonaro (PL) que a capital paulista abrisse mão de parte
desse montante em troca do abatimento total da dívida da prefeitura com a
União, hoje de cerca de R$ 25 bilhões.
Segundo o prefeito, uma minuta que avaliza
o pacto encerra a cizânia de vez. O Campo de Marte ficaria em definitivo com a
União, enquanto a cidade estaria livre da dívida federal, que hoje consome
cerca de R$ 3 bilhões por ano dos cofres municipais. Uma fração do terreno
também seria doada à cidade, que se comprometeria a erguer um Museu da
Aeronáutica no local.
A saída consensual, em que pese a falta de
um escrutínio das bases do concerto, pode ser vantajosa para São Paulo. A
fabulosa diferença de R$ 24 bilhões entre as cifras decerto não pode ser
ignorada, mas há risco considerável de que a questão permaneça judicializada
por anos, o que inviabilizaria qualquer proveito.
Críticos ao arranjo Nunes-Bolsonaro
ponderam que renunciar à soma bilionária e à área exigiria debate público e
estudo financeiro mais aprofundados. A Câmara Municipal, aprovou a proposta do
Executivo em 1º turno sem nenhum voto contrário ou maiores discussões.
Caso sacramentado o acordo histórico,
espera-se que o acréscimo ao Orçamento municipal resulte em políticas públicas
que realmente atendam à maioria dos paulistanos.
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