Revista Veja
Nem
o céu será o limite enquanto a destinação de dinheiro para eleição for tarefa
dos políticos
Quem
parte e reparte fica sempre com a melhor parte, diz o velho ditado cuja
carapuça serve à perfeição na cabeça dos políticos, detentores que são da
prerrogativa de definir o montante de dinheiro público destinado a financiar as
respectivas sobrevivências eleitorais.
Em breve falaremos da quantidade desses recursos, mas antes vamos abordar a qualidade do conceito segundo o qual cabe à população sustentar de modo integral entidades de direito privado (os partidos) que em tese não teriam a prerrogativa de receber pedaços do Orçamento da União. Nacos nem gordos nem magros, embora gordíssimos, no caso.
Além do ato com aroma de grossa inconstitucionalidade, a vergonhosa cena é acrescida pelo fato de a tarefa sobre a destinação das verbas estar nas mãos dos principais beneficiários do resultado. Se isso não configura grave conflito de interesses, difícil encontrar outra situação em que tal atrito entre vantagens e desvantagens poderia ser aplicado com tanta clareza.
Enquanto
suas altezas continuarem sendo as responsáveis por determinar quanto dos
recursos oriundos dos impostos de todos deve ser carreado para engordar os
cofres dos partidos, nem o céu será o limite ante a sanha da apropriação
indevida de verbas do Tesouro.
Vejamos,
para demonstrar, a evolução da farra desde 2015, quando o Supremo Tribunal
Federal proibiu o financiamento empresarial para campanhas, decisão desde então
usada como pretexto para esse assalto aos recursos públicos.
No
ano anterior, 2014, as empresas haviam dado 3 bilhões de reais aos partidos,
que com isso cobriram 70% de suas despesas.
Em
2018, primeiro pleito sob a nova regra, o então recentemente criado Fundo Eleitoral
deu 1,7 bilhão de reais aos partidos. Na eleição seguinte, municipal, dois anos
depois, a verba subiu para 2,035 bilhões de reais. Uma enormidade,
considerando-se que partido algum está obrigado a participar de eleições e quem
quiser fazê-lo deveria procurar as próprias formas de viabilizar o propósito,
obviamente dentro da obediência aos parâmetros legais.
Pois
chegamos a 2022 na seguinte situação: 4,9 bilhões de reais já aprovados no
Fundo Eleitoral com o governo já pensando em ceder à reivindicação dos partidos
de 5,7 bilhões de reais. O Congresso certamente abraçará de bom grado a
proposta, que nos levaria às seguintes cifras: a esses 5,7 bilhões de reais
seriam acrescentados 972 milhões de reais do Fundo Partidário, mais 840 milhões
de reais (dado de 2014) decorrentes da renúncia fiscal às emissoras.
Numa
perspectiva conservadora, teríamos aí algo em torno de 7,5 bilhões de reais do
suado dinheirinho do brasileiro assolado pela carestia, pelo desemprego e pela
inflação destinados a financiar campanhas eleitorais. Isso num ambiente de
fraquíssima fiscalização e de constantes denúncias sobre o uso indevido de
verbas por parte dos partidos e de seus caciques.
Isso
é normal, aceitável? Não, não é. Atende de maneira republicana à necessidade de
financiar a democracia? Não, não atende. É malandragem, para não dizer
ilegalidade, pura. Afinal, o que houve entre a eleição presidencial de 2018 e a
de 2022 que justifique a multiplicação de verbas à velocidade praticamente
quíntupla levando em conta só o Fundo Eleitoral?
Nada
ocorreu, a não ser a leniência da sociedade diante do intimidador argumento de
que democracias precisam ser financiadas a fim de não sucumbirem a investidas
autoritárias. Uma bobagem, porque não é com dinheiro que se combatem tais
ofensivas, e sim com respostas institucionais fortes e consistentes.
Uma
delas poderia ser um movimento popular para tirar exclusivamente das mãos do
Congresso a tarefa de decidir quem parte e reparte, a fim de que os potenciais
beneficiários não fiquem sempre com a melhor parte.
Daria
certo, seria possível? Talvez. Difícil, porém, pois teria de ser algo que
transcendesse ao Parlamento, feito sem ferir os preceitos da legalidade. A
despeito das possibilidades, probabilidades e dificuldades, seria algo a ser
pensado tendo como alvo principal os direitos da sociedade, entre os quais não
se inclui pagar as contas dos partidos.
Notadamente
na ausência de contrapartidas aos contribuintes, que, ao pagamento das faturas
de campanha, mereceriam no mínimo receber do universo político um tratamento
melhor que os atuais (péssimos) serviços prestados.
Publicado em VEJA de 26 de janeiro de 2022, edição nº 2773
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