sábado, 22 de janeiro de 2022

Pablo Ortellado: Suspensão do Telegram é inevitável

O Globo

O principal desafio para a regulação da campanha eleitoral é o que fazer com o Telegram. A empresa que opera o aplicativo — instalado em metade dos smartphones no Brasil — não tem representantes no país e não atende a determinações judiciais. Por isso, as obrigações e normas para as campanhas não seriam impostas a ele. O problema não é apenas brasileiro. A empresa também não responde a solicitações de governos europeus.

Com a migração de atores políticos para o Telegram e a aproximação da campanha no Brasil, é questão de tempo até que se evidencie a necessidade de suspendê-lo por descumprimento de suas obrigações legais. Haverá determinação política para suspender um aplicativo usado por milhões de brasileiros e meio de comunicação predileto do presidente da República?

O Telegram tem ampliado sua base de usuários desde 2021. Em janeiro daquele ano, seu principal concorrente, o WhatsApp, mudou a política de privacidade, e difundiu-se então o boato (infundado) de que passaria a compartilhar dados privados com o Facebook. No mesmo mês, após a invasão do Congresso americano, Trump foi banido do Twitter e do Facebook, e o Parler derrubado dos servidores da Amazon, gerando a busca por um aplicativo que não banisse o ativismo radical de direita.

Entre uma coisa e outra, o Telegram ganhou mais de 25 milhões de usuários em todo o mundo. No Brasil, sua base saltou de 19% da população com smartphone em agosto de 2019 para 53% em agosto de 2021. Há motivo para acreditar que esse número hoje seja maior, já que houve outra explosão de novos usuários depois do apagão no WhatsApp em outubro de 2021 (foram 70 milhões de novos usuários do Telegram em todo o mundo).

O principal atrativo do aplicativo é a imagem de guardião da liberdade de expressão e da privacidade (ainda que, tecnicamente, sua criptografia ponta a ponta seja menos robusta que as do WhatsApp ou do Signal e não venha ativada por padrão como nos concorrentes).

STF, Ministério Público e TSE vêm tentando sem sucesso que o Telegram colabore com a Justiça brasileira. O TSE enviou dois e-mails à empresa pedindo uma reunião para definir estratégias de combate à desinformação nas eleições de outubro e não obteve resposta. Um ofício físico enviado à sede da companhia em Dubai nem sequer foi recebido. STF e Ministério Público também não conseguem contato.

O Telegram diz que cumpre ordens judiciais relativas a suas funcionalidades públicas, como canais e bots. Esse cumprimento se dá em temas como terrorismo ou violações de direitos autorais, mas, segundo o blog da empresa, não se aplica “a restrições locais sobre liberdade de expressão”, nem a funcionalidades privadas, o que seria contrário às convicções libertárias do fundador da empresa, Pavel Durov. Em outras palavras, o Telegram escolhe as determinações judiciais que cumprirá: “Enquanto bloqueamos bots e canais terroristas, não bloquearemos ninguém que expresse pacificamente opiniões alternativas”.

Nos anos 2010, o Telegram chegou a colaborar com a Europol derrubando canais que promoviam o terrorismo islâmico. Mas a empresa vem deixando claro que a postura excepcional que adotou nos casos de terrorismo não se estende a outros temas. Em agosto de 2021, um grupo de ativistas contra as medidas sanitárias  tentou invadir o Parlamento alemão após boatos difundidos no Telegram, que não colaborou com as investigações. Em janeiro deste ano, a primeira-ministra do estado de Meclemburgo-Pomerânia Ocidental, na Alemanha, recebeu uma ameaça de morte no Telegram, semanas depois de uma multidão se dirigir à sua casa para protestar. O Telegram também não colaborou com as investigações. A ministra do Interior da Alemanha, Nancy Faeser, disse que, se o Telegram continuar não cooperando com a Justiça alemã, como um último recurso, será banido.

No Brasil, o Telegram tem uma base de usuários muito maior que a alemã, e o chefe do Executivo tem incentivado o uso do aplicativo para escapar das políticas de moderação das plataformas de mídia social. Como o Telegram usa todo tipo de artifício para fugir da alçada da Justiça, e seu uso nas próximas eleições é potencialmente explosivo, a suspensão do aplicativo no Brasil parece inevitável.

A medida é drástica e será impopular. Banir o aplicativo no meio da disputa seria insensato. Então, é preciso amadurecer a ideia desde já e, se for o caso, suspendê-lo antes de a campanha começar.

 

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