O Globo
O principal desafio para a regulação da
campanha eleitoral é o que fazer com o Telegram. A empresa que opera o
aplicativo — instalado em metade dos smartphones no Brasil — não tem
representantes no país e não atende a determinações judiciais. Por isso, as
obrigações e normas para as campanhas não seriam impostas a ele. O problema não
é apenas brasileiro. A empresa também não responde a solicitações de governos
europeus.
Com a migração de atores políticos para o
Telegram e a aproximação da campanha no Brasil, é questão de tempo até que se
evidencie a necessidade de suspendê-lo por descumprimento de suas obrigações
legais. Haverá determinação política para suspender um aplicativo usado por
milhões de brasileiros e meio de comunicação predileto do presidente da
República?
O Telegram tem ampliado sua base de usuários desde 2021. Em janeiro daquele ano, seu principal concorrente, o WhatsApp, mudou a política de privacidade, e difundiu-se então o boato (infundado) de que passaria a compartilhar dados privados com o Facebook. No mesmo mês, após a invasão do Congresso americano, Trump foi banido do Twitter e do Facebook, e o Parler derrubado dos servidores da Amazon, gerando a busca por um aplicativo que não banisse o ativismo radical de direita.
Entre uma coisa e outra, o Telegram ganhou
mais de 25 milhões de usuários em todo o mundo. No Brasil, sua base saltou de 19% da
população com smartphone em agosto de 2019 para 53% em agosto de 2021. Há motivo para acreditar que esse
número hoje seja maior, já que houve outra explosão de novos usuários depois do
apagão no WhatsApp em outubro de 2021 (foram 70 milhões de novos usuários do
Telegram em todo o mundo).
O principal atrativo do aplicativo é a
imagem de guardião da liberdade de expressão e da privacidade (ainda que, tecnicamente,
sua criptografia ponta a ponta seja menos robusta que as do WhatsApp ou do
Signal e não venha ativada por padrão como nos concorrentes).
STF, Ministério Público e TSE vêm tentando
sem sucesso que o Telegram colabore com a Justiça brasileira. O TSE enviou dois e-mails à empresa pedindo uma reunião para
definir estratégias de combate à desinformação nas eleições de outubro e não
obteve resposta. Um ofício físico enviado à sede da companhia em Dubai nem
sequer foi recebido. STF e Ministério Público também não conseguem contato.
O Telegram diz que cumpre ordens judiciais
relativas a suas funcionalidades públicas, como canais e bots. Esse cumprimento
se dá em temas como terrorismo ou violações de direitos autorais, mas, segundo
o blog da empresa,
não se aplica “a restrições locais sobre liberdade de expressão”, nem a
funcionalidades privadas, o que seria contrário às convicções libertárias do
fundador da empresa, Pavel Durov. Em outras palavras, o Telegram escolhe as
determinações judiciais que cumprirá: “Enquanto bloqueamos bots e canais
terroristas, não bloquearemos ninguém que expresse pacificamente opiniões
alternativas”.
Nos anos 2010, o Telegram chegou a
colaborar com a Europol derrubando canais que promoviam o terrorismo islâmico.
Mas a empresa vem deixando claro que a postura excepcional que adotou nos casos
de terrorismo não se estende a outros temas. Em agosto de 2021, um grupo
de ativistas contra as medidas sanitárias tentou
invadir o Parlamento alemão após boatos difundidos no Telegram, que não
colaborou com as investigações. Em janeiro deste ano, a primeira-ministra do
estado de Meclemburgo-Pomerânia Ocidental, na Alemanha, recebeu uma ameaça de
morte no Telegram, semanas depois de uma multidão se dirigir à sua casa para
protestar. O Telegram também não colaborou com as investigações. A ministra do Interior
da Alemanha, Nancy Faeser, disse que, se o Telegram continuar não cooperando
com a Justiça alemã, como um último recurso, será banido.
No Brasil, o Telegram tem uma base de
usuários muito maior que a alemã, e o chefe do Executivo tem incentivado o uso
do aplicativo para escapar das políticas de moderação das plataformas de mídia
social. Como o Telegram usa todo tipo de artifício para fugir da alçada da
Justiça, e seu uso nas próximas eleições é potencialmente explosivo, a
suspensão do aplicativo no Brasil parece inevitável.
A medida é drástica e será impopular. Banir
o aplicativo no meio da disputa seria insensato. Então, é preciso amadurecer a
ideia desde já e, se for o caso, suspendê-lo antes de a campanha começar.
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