O Estado de S. Paulo.
Mentalidade do ‘giving back’ não era comum no Brasil, mas censo mostra mudança positiva
Uma anedota recorrente nas alamedas da
Universidade Stanford, na Califórnia, conta que Bill Gates pagou caro para ter
um concorrente de peso. No início dos anos 1990, o bilionário da Microsoft doou
US$ 6 milhões para a construção do Gates Building, que hoje abriga a escola de
Ciência da Computação do câmpus. Estudaram lá, entre outros, Sergey Brin e
Larry Page – os dois bolsistas que, mais tarde, criariam o Google.
O episódio é ilustrativo de uma prática cultural americana: o “giving back”. Não se trata apenas de doar. Parte-se do pressuposto de que o sucesso de uma pessoa, ou empresa, não é um feito individual. Ele se deve a todo um ambiente social: a escola onde o empreendedor estudou – muitas vezes pública –, a comunidade onde ele prosperou, os investidores que confiaram nele. Daí o nome “giving back”. Mais que uma doação, trata-se de uma retribuição.
Tal mentalidade não era comum no Brasil,
mas o recém-divulgado censo do Grupo de Instituições e Fundações de Empresas
mostra uma mudança positiva. O Gife, como é conhecido, congrega os braços de
responsabilidade social de várias companhias. Há 20 anos, contabiliza o total
investido por seus associados. Nos últimos levantamentos esse montante ficou na
casa dos R$ 3 bilhões. No censo atual, com dados de 2020, chegou-se ao número
de R$ 5,3 bilhões, um aumento de 71% em relação ao levantamento anterior.
Parte desse crescimento se deu por causa da
pandemia. “Houve um esforço tremendo para atender às demandas sociais geradas
pelo coronavírus, e, ao que tudo indica, o novo patamar de investimento deverá
se manter daqui para frente”, diz Gustavo Bernardino, gerente de programas do
Gife. Ele é o entrevistado do minipodcast da semana.
O detalhamento da pesquisa mostra uma
mudança no perfil do investimento. Educação sempre foi a prioridade, ao lado de
cultura e inclusão produtiva. O novo censo mostra que os institutos e fundações
despertaram, nos últimos anos, para as imensas carências sociais do País, que
ficaram evidentes na pandemia. Educação segue sendo uma prioridade – mas,
agora, ao lado de programas de combate à fome e à pobreza.
O investimento das empresas não diminui,
obviamente, o papel do governo. Em 1988, os brasileiros optaram por um modelo
de bem-estar social – e escreveram na Constituição que o Estado é responsável
por ele. A experiência internacional mostra, no entanto, que uma cultura de
“giving back” é essencial, entre outras coisas, para eleger líderes
comprometidos com programas sociais de qualidade. Nessa área, o que é bom para
Stanford é bom para o Brasil.
*Escritor, professor da Faap e doutorando
em ciência política na Universidade de Lisboa
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