O Globo
Existiu, até os anos 60, o Index Librorum Prohibitorum,
lista das publicações que iam contra os preceitos da Igreja Católica — motivo
por que eram “canceladas” pela Inquisição e seus sucessores no departamento de
censura religiosa. Heresia, concupiscência ou o que quer que desafinasse o coro
canônico estava condenado à fogueira ou, no melhor dos casos, a ser banido das
estantes. Eventualmente, o autor era queimado com a obra, como no caso do
Giordano Bruno.
Censura e intolerância nunca foram monopólio de uma religião ou de Estados totalitários. Mesmo nas democracias, arrumam um jeito de dar as caras. E onde menos se esperaria: nas universidades (centros de produção e difusão do conhecimento) e na imprensa (que vive não só da notícia, mas também da informação crítica, da manifestação do pensamento).
Pluralismo e liberdade de expressão devem
ser os princípios de qualquer publicação que pretenda ter alguma relevância.
Não se espera de um folheto de sindicato que abra espaço à opinião do patrão,
ou que o porta-voz oficial de um partido (principalmente se for do tipo partido
único) permita o contraditório. Mas de que adianta uma imprensa livre se ela
mesma se impuser tabus, lançar anátemas?
A tese de que discutir o racismo seja
relativizá-lo é a desculpa de quem deseja que o tema seja interditado ao
debate. Saem de cena os mandamentos do sagrado e entram os da ideologia.
Divergência vira blasfêmia. O assunto passa a ser tão somente uma relação entre
opressores e oprimidos — a velha luta de classes reloaded.
Usar a noção de raça para discriminar
alguém — mesmo que de forma positiva — tem como efeito reforçá-la, e não o
contrário. Acreditar que raças existem é a base de todo o racismo. E não é
outra coisa o que fazem os devotos do identitarismo. Demétrio Magnoli já
discorreu brilhantemente sobre o tema, em “Uma gota de sangue: história do
pensamento racial”, e Antonio Risério, em suas obras mais recentes.
Porém, de algum tempo para cá, tudo o que
diga respeito a essa questão (“racismo estrutural”, “racismo reverso”, “lugar
de fala”) tomou ares de virgindade perpétua de Maria, estendendo a
infalibilidade papal aos militantes da causa identitária. Discutir, debater,
investigar ganharam, na novilíngua dos progressistas, o sentido de normalizar.
Quem discorda ou questiona é automaticamente rebaixado a racista, supremacista
— assim como os críticos da linguagem neutra são homofóbicos, transfóbicos, de
masculinidade frágil, os que não se alinham à esquerda são isentões ou
fascistas etc.
Ideias devem ser refutadas, não caladas. Ou
o que se terá é autoritarismo sob a pele de justo combate às injustiças.
Imprensa livre é a que estimula o exercício
da liberdade de expressão e abre espaço à pluralidade de pensamento. Quando um
jornalista se transforma na D. Solange de si mesmo e dos colegas, e propõe um
novo Index, ficamos
todos mais burros.
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