Folha de Paulo
Papel das agências reguladoras deve ser
consolidado e até ampliado
Durante muito tempo, a esquerda bateu ponto
contra as agências regulatórias e outras instituições cujas decisões têm uma
dimensão política, mas são tomadas por um corpo técnico não eleito. O alvo
principal era o Banco Central, mas o mau-humor se estendia a vários outros
órgãos. Algumas das críticas eram e permanecem válidas. Um problema, a meu ver,
é a promiscuidade entre reguladores e regulados. Não é incomum que o
especialista que vai para a agência venha do mercado que ela tem a missão de
supervisionar e a ele retorne passado seu período como controlador.
Espero que a passagem de Jair Bolsonaro pela Presidência faça a esquerda repensar sua avaliação. Um dos elementos que evitou que submergíssemos ainda mais fundo na lama da ignorância militante do presidente foi a ação de especialistas, em agências e também fora delas.
O caso mais notório é o da Anvisa, que, ao
contrário da cúpula do Ministério da Saúde, não foi cooptada pelo negacionismo.
Mas Bolsonaro é um ponto fora da curva, dirá o antiagencista ferrenho. Em
períodos mais normais, segue o raciocínio, esses órgãos usurpam poderes que
deveriam ser de autoridades eleitas.
Não há dúvida de que a Presidência e, em
grau ainda maior, o Parlamento têm muito mais legitimidade política para tomar
decisões. Mas vivemos num mundo que fica cada vez mais complexo, e agentes
políticos nem sempre são os mais capacitados para dar as melhores respostas.
Basta lembrar que, da última vez que o Parlamento se meteu na seara dos
medicamentos, liberou a fosfoetanolamina,
a pílula do câncer, que não trata nenhum câncer. Aliás, era um projeto de Jair
Bolsonaro, um dos dois únicos que ele conseguiu aprovar em seus 28 anos de
Câmara.
Sou um fã de agências. Acho que seu papel
deve ser consolidado e até ampliado, sem esquecer as críticas pertinentes.
Basicamente, alguns assuntos são complexos demais para ficar nas mãos de
políticos.
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