Folha de S. Paulo
A boa notícia é que a vida não está
ameaçada
Epidemias virais como a de Covid-19 dependem
um pouco do acaso para começar. É preciso que a mutação certa apareça na hora e
local certos. As de bactérias são mais previsíveis. Graças ao fenômeno da resistência,
há, neste exato momento, bactérias trocando plasmídeos no corpo de algum
paciente e assim forjando uma linhagem de patógenos capazes de debelar nossas
defesas farmacológicas. Plasmídeos são moléculas "soltas" de DNA, que
podem codificar resistência a agentes antimicrobianos e se transmitem mesmo
entre bactérias não aparentadas.
Se uma linhagem de E. coli desenvolveu resistência à ciprofloxacina, por
exemplo, pode passar essa característica a uma cepa de, digamos, S. aureus.
Médicos já precisam lidar todos os dias com essas variantes resistentes. Um
estudo do governo britânico estima que, em escala global, elas já causem 700
mil mortes por ano e, se nada for feito, em 2050, responderão por 10 milhões de
óbitos anuais.
Há alguma incerteza em relação a esses
números, mas não em relação ao movimento e suas implicações. É que o fenômeno
do surgimento de resistência pode ser descrito como uma das leis da biologia.
Elas não têm a mesma precisão das equações da física quântica, mas seu valor
preditivo está bem estabelecido. E a resistência não vale só para antibióticos
mas também para herbicidas, pesticidas e até quimioterápicos contra o câncer.
Rob Dunn, em "A Natural History of The Future", apresenta essa e
outras leis da biologia e antecipa o que devemos esperar se mantivermos os
padrões que caracterizam o Antropoceno.
A boa notícia é que a vida não está ameaçada. Mesmo que o planeta esquente 4° C
e espalhemos venenos por todos os lados, algumas espécies prosperarão. O problema
é que serão espécies que não nos interessam, como bactérias resistentes e
mosquitos transmissores de arboviroses, cujo nicho ecológico aumenta com
o aquecimento
global.
Nenhum comentário:
Postar um comentário