Folha de S. Paulo
Um dia, ela disse: Agora eu posso morrer.
Tinha 43 anos. Mas não morreu. Chegaria, invicta, aos 91
Na noite de 19 de dezembro de 1973, Elza Soares chegou
ao último andar do Maracanã e viu lá de cima o anel do estádio tomado. Eram
131.555 pessoas. Suspirou e disse para um amigo: "Agora eu posso
morrer". Ali se realizava seu sonho: um jogo de despedida para Garrincha,
o homem que ela amava e a quem o Brasil devia duas Copas do Mundo e um milhão
de alegrias —o Jogo da Gratidão, entre a seleção de 1970 (com o já simbólico
Garrincha no ataque) e um combinado de craques estrangeiros. Nunca um jogador
recebera tal homenagem no Brasil.
Fora dela a ideia e, graças à sua luta, reunindo ex-jogadores, jornalistas, cartolas e políticos, ele iria acontecer. Fora dela também a exigência de que parte da renda se destinasse a comprar um apartamento e abrir uma poupança para cada uma das oito filhas de Garrincha —até para que cessasse a perseguição a eles. Foi sua primeira vitória sobre a intolerância, o moralismo e a hipocrisia. Daí ela achar que já "podia morrer".
Mas Elza não morreu. Tinha então 43 anos e viveria outros 48, suficientes para
mais uma ou duas vidas. Nenhuma outra artista brasileira teria tantas
sobrevidas. Basta somar os dramas, tragédias, declínios, voltas por cima e
novos apogeus que ela experimentaria até quinta-feira (20), quando finalmente
partiu.
A trajetória de Elza foi ainda mais dura do que se tem dito nos obituários e programas a seu respeito. Ela passou décadas escondendo a idade. Dava a entender que a menina que fora ao programa de rádio de Ary Barroso dizendo ter vindo do "Planeta Fome", em 1953, era uma adolescente. Não era. Já tinha 23 anos, porque nascera em 1930. E ainda levaria outros seis até ser descoberta por Sylvia Telles na boate Texas, no Leme, em 1959, e levada à consagração na gravadora Odeon.
Sua vida, portanto, começou aos 29 anos. Foi o tempo que lhe custou para se tornar a Elza Soares que chegaria, invicta, aos 91.
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