O Estado de S. Paulo
Com erosão salarial, desemprego e juros altos, o consumo familiar dificilmente contribuirá para a animação da economia
Enquanto os Poderes brigam, negociam
tréguas e se unem na gastança e no gozo de mordomias pagas pelo contribuinte, a
inflação cresce, a economia emperra e um poder muito importante para o dia a
dia das famílias, o poder de compra, se contrai a cada semana. Principal motor
da produção industrial e dos serviços, o consumo dificilmente puxará a economia
em 2022, porque o dinheiro do trabalhador, tudo indica, vai continuar curto,
com grande aumento de preços, pouco emprego e juros muito elevados. No ano
passado, os ajustes de salários ficaram abaixo da inflação em quase metade,
47,7%, dos acordos no setor privado, segundo o Dieese, o Departamento
Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos. A alta de preços foi
compensada em 36,6% das negociações e superada em 15,8%. O setor mais
prejudicado foi o de serviços, com 60,4% de acertos inferiores à alta do Índice
Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), o mais utilizado como referência.
Lamentada pela maior parte das famílias, a inflação prejudica mais cruelmente as mais pobres, as mais afetadas, também, pelas péssimas condições do mercado de trabalho. Os efeitos desiguais da alta de preços são bem claros nas seis faixas de renda consideradas na análise do Ipea, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Nos últimos dois anos, os preços pagos pelos consumidores mais desprovidos acumularam alta de 16,93% (taxa composta). Para o grupo imediatamente superior o aumento em 2020-2021 chegou a 16,07%. Para a faixa mais alta a variação ficou em 12,54%. Para a segunda mais alta, em 13,35%.
Convém levar em conta, para maior realismo,
os efeitos acumulados em pelo menos dois anos, porque os aumentos de preços se
amontoam – um detalhe aparentemente esquecido por muitos analistas. A inflação
pode até recuar de um ano para outro, como pode ocorrer, por exemplo, na
sequência de 2021 para 2022. A taxa oficial deverá ficar próxima de 5%, talvez
pouco acima, segundo as últimas projeções. Será uma evolução mais favorável que
a de 2021, quando a variação chegou a 10,06%. Mas ainda haverá uma elevação
geral, decorrente de muitos aumentos em dezenas de bens e serviços. Então, se
os preços do gás ou do feijão subirem apenas 1%, essa alta ocorrerá sobre o
patamar atingido no período anterior. Haverá, portanto, um novo aperto no
orçamento familiar.
O sacrifício será maior, naturalmente, para
as famílias afetadas direta ou indiretamente pelo desemprego. Muitos
trabalhadores contornam as dificuldades com o trabalho por conta própria, em
geral precário, informal e com baixa remuneração. Uns poucos têm sucesso como
empreendedores, mas só haveria espaço para muitos novos empreendimentos
lucrativos, se as condições gerais do mercado fossem muito melhores. Trabalho
por conta própria, na atual situação, é basicamente um quebra-galho para evitar
a desocupação total.
Não há como apostar num quadro econômico
muito melhor do que aquele esboçado nas últimas projeções, com o Produto
Interno Bruto (PIB) crescendo no máximo 0,5%, inflação recuando para cerca de
5% e juros básicos subindo até 11,75%. Em fevereiro, na próxima reunião do
Copom, o Comitê de Política Monetária do BC, a taxa básica deverá passar de 9,25%
para 10,75%, segundo as indicações conhecidas até agora.
O ritmo inflacionário diminuiu em dezembro,
mas nada permite, ainda, prever uma evolução de preços melhor que aquela
estimada, até agora, para 2022. Se o Copom insistir em conduzir a inflação à
meta em 2023, o crédito caro continuará travando a atividade econômica e a
criação de empregos. Os últimos dados oficiais mostraram 12,9 milhões de
desocupados, 12,1% da força de trabalho, no trimestre móvel de agosto a
outubro. Foram números mais favoráveis que os de maio a julho, mas nada sugere
um grande avanço a partir daí, descontada a melhora temporária de fim de ano.
O ministro da Economia, Paulo Guedes,
continua tentando explicar a inflação brasileira como parte do surto
inflacionário global. Mas a alta de preços no Brasil, no ano passado, foi quase
o dobro da média observada (5,8%), nos 12 meses até novembro, nos países da
OCDE, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. A
desaceleração da economia global, apontada por vários indicadores, também
poderá ser usada como desculpa, pela administração federal, para o desempenho
brasileiro, provavelmente pior em 2022 do que em 2019.
Não há por que esperar do presidente Jair Bolsonaro, neste ano, um comportamento diferente, com maior atenção às funções presidenciais e maior preocupação com o bem-estar dos brasileiros, agora confrontados com uma variante nova da covid-19 e com nova onda de gripe. Desde o mês passado ele atrapalhou tanto quanto pôde a vacinação infantil, ajudado pelo médico Marcelo Queiroga, um mais que perfeito sucessor de Eduardo Pazuello. Mas Bolsonaro oferece pelo menos um tipo de segurança: com ele no Palácio do Planalto, é fácil prever economia estagnada, inflação alta, câmbio instável e muito desprezo à saúde e à vida dos brasileiros.
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