Folha de S. Paulo
Ideia de zerar imposto é demagogia
descarada ou tentativa de se fazer de vítima
Vamos supor que o Congresso aprove o mais
recente capricho demagógico de Jair Bolsonaro e acabe
com os impostos federais sobre a venda de combustíveis. Na melhor das
hipóteses e "tudo mais constante", o preço
da gasolina poderia cair uns 40 centavos. Dificilmente "tudo
mais" vai ficar constante.
O preço pode ficar até mais salgado. Pode
ser até que Bolsonaro ganhe uns pontinhos políticos sendo derrotado. Para
alguns, talvez ficasse a imagem da vítima do sistema: "Não deixam o homem
trabalhar".
Se o preço
do barril do petróleo chegar à casa dos US$ 100 (está a US$ 88), os
combustíveis ficarão ainda mais caros do que agora, mesmo sem imposto federal.
Não se sabe para o onde vai o dólar, que também define o preço de gasolina, diesel etc. Não se sabe quanto da redução de tributos vai desaparecer porque pode ser apropriada por empresas, sendo absorvida pelas margens das firmas envolvidas na cadeia de combustíveis.
Restaria então apenas um buraco de dezenas
de bilhões de reais nas contas do governo, que seria tapado com aumento de
impostos em outra parte, aumentando a zorra do sistema tributário, de resto
dando uma mãozinha para pessoas que não são exatamente as mais pobres do país.
Como vai ser compensado o buraco? Quem vai
pagar? O crédito vai ficar mais caro, por exemplo? Nem é possível imaginar,
claro, que o governo vá cortar gastos para arrumar a nova bagunça que pretende
fazer.
Além do mais, é outro indício de que
Bolsonaro e seu comando político estão dispostos a fazer qualquer negócio a fim
de evitar uma derrota ou eliminação ainda no primeiro turno da eleição.
Não se trata de dizer que medidas alopradas
como essa possam com certeza render pontos nas pesquisas ou nas urnas. Podem
ser até contraproducentes em termos eleitorais, no limite. No entanto, como
deveríamos estar já bem acostumados a esta altura, no caso de Bolsonaro ou:
1) falta pragmatismo, solapado pela
ignorância mais tosca, atroz ou jeca —essa gente dá tiros no próprio pé por
burrice ou incompetência ou;
2) a ideia é mesmo causar apenas confusão,
jogar para a galera das falanges bolsonaristas e manter uma tropa unida, imune
à razão ou desapercebida, grupo que equivale hoje a um quarto do eleitorado,
dizem as pesquisas. É o bastante para evitar um impeachment, chegar a um
segundo turno e tentar tumultuar o ambiente o quanto possível.
Vai passar no Congresso? Difícil saber.
Senadores e deputados estão de férias, literal ou metaforicamente viajando. Ao
ouvir a pergunta do jornalista, alguns perguntam "de onde saiu isso?".
No entorno da cúpula do centrão, porém, se diz que a ideia é essa mesma,
aprovar uma emenda constitucional lá pelo fim de março, a fim de baixar preços
de combustíveis e energia elétrica; que os parlamentares "não teriam
coragem" de negar esse "benefício para o povo em tempos de
inflação".
Faria algum sentido acabar com impostos
sobre energia? Talvez. Não é possível saber sem perguntar "a troco de
quê?". Depende. Quais impostos ficariam mais salgados? Qual o efeito sobre
rendas e eficiência econômica? Quem pagaria o pato, no final das contas?
Nunca é uma resposta simples, em se
tratando de impostos: quem recolhe o imposto não é quem fica com a conta. O
efeito de um aumento de tributos aqui pode aparecer noutra parte da economia (a
conta pode ser transferida, alguns negócios ou rendimentos que nada têm a ver
com o imposto podem ser afetados, pode haver aumento de ineficiências e perdas
gerais etc.).
Em resumo, não é assim que se faz. O que se
passa agora é populismo descarado, direto e atroz, talvez apenas tentativa de
criar tumulto e cortina de fumaça. É "Bolsonaro, zorra!".
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