sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

Rogério Furquim Werneck: Lula, o PT e a economia

O Globo / O Estado de S. Paulo

Falta à candidatura do partido uma narrativa crível e aceitável do que se passou durante o governo Dilma Rousseff

A oito meses da disputa presidencial, pouco se sabe sobre as plataformas dos candidatos. Nas últimas semanas, a cúpula do PT tem dado sinais de inquietação com a necessidade de definir a política econômica que Lula afinal adotará, caso venha a ser eleito presidente. Mas o delineamento do programa econômico de Lula não promete ser fácil.

Para que possam articular um programa claro, crível e coerente, Lula e o PT terão de desenvolver, primeiro, uma narrativa minimamente realista sobre o que de fato ocorreu, ao longo dos mais de 13 anos em que o partido ocupou o Palácio do Planalto. As narrativas sem nenhuma aderência à realidade que têm vindo a público, tanto sobre economia como sobre corrupção, mais parecem castelos de cartas que, no calor da campanha presidencial, não resistiriam a um sopro.

Para Lula, seria bem mais confortável se, no que tange à economia, que sua campanha pudesse se basear somente nos dois mandatos em que ocupou a Presidência. E não faltou, nos últimos meses, quem tentasse insistir em narrativas fantasiosas nessa linha, cantando em prosa e verso o Brasil, de 2003 a 2010, como uma terra em que corriam rios de leite e mel.

Aos poucos, contudo, a cúpula do partido parece ter percebido que não havia como encerrar a narrativa sobre os governos petistas em 2010, deixando de fora o desastroso mandato e meio de Dilma Rousseff. É mais do que sabido que a ideia de alçar Dilma à Presidência foi um projeto exclusivo e pessoal de Lula que, face à tenaz oposição do PT, teve de ser enfiado pela goela abaixo do partido.

Em longa entrevista publicada em livro de 2013, o próprio Lula relatou, com muita franqueza, as resistências que teve de enfrentar, dentro do PT, à escolha de Dilma como candidata a presidente. “Eu sei o que eu aguentei de amigos meus, amigos mesmo, não eram adversários, dizendo: Lula, mas não dá. Ela não tem experiência, ela não é do ramo. Lula, pelo amor de Deus.”

O PT já constatou também que ninguém levará a sério esforços de reescrever a história com o argumento de que a política econômica dos governos Lula teria sido súbita e radicalmente desvirtuada por sua sucessora. Na verdade, não houve descontinuidade alguma. A política econômica do governo Lula, a partir de 2008, quando, afinal, a bandeira da “nova matriz econômica” pôde ser ostensivamente desfraldada, foi, em boa medida, a política de Dilma Rousseff.

E é bom lembrar que, uma vez eleita, Dilma preservou em grande medida a equipe econômica de Lula, mantendo Guido Mantega no Ministério da Fazenda e todas as condições para que o Planalto pudesse exacerbar erros de condução da política econômica que já vinham sendo cometidos no governo anterior.

Constatado que, de uma forma ou de outra, Lula e o PT seriam obrigados a “falar sobre Dilma”, houve, de início, uma tentativa um tanto patética de restringir a fala ao primeiro mandato da ex-presidente. Foi o que fez o ex-ministro Guido Mantega em artigo recente na Folha de S.Paulo (5/1), em que se permitiu limitar sua análise ao desempenho dos governos petistas ao período de 2003 a 2014, com completa omissão do que ocorreu no segundo mandato de Dilma, em 2015 e 2016.

Trata-se de contorcionismo equivalente a dar por concluído o relato de uma viagem que culminou em catastrófico acidente ferroviário, pouco antes de a locomotiva saltar dos trilhos arrastando consigo várias dezenas de vagões.

É fácil perceber a enorme dificuldade que Lula e o PT vêm enfrentando para conceber uma narrativa crível, que lhes pareça aceitável, do colossal descarrilamento da economia perpetrado pelo governo Dilma Rousseff.

Inclusive porque quase todos os envolvidos na inépcia que levou ao desastre parecem ter hoje assento assegurado, pelo PT, na longa mesa dos que terão voz e voto na concepção da narrativa sobre o passado que dará base à visão de futuro que Lula oferecerá ao país. Fácil não será.

 

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