O Globo / O Estado de S. Paulo
Falta à candidatura do partido uma
narrativa crível e aceitável do que se passou durante o governo Dilma Rousseff
A oito meses da disputa presidencial, pouco
se sabe sobre as plataformas dos candidatos. Nas últimas semanas, a cúpula do
PT tem dado sinais de inquietação com a necessidade de definir a política
econômica que Lula afinal adotará, caso venha a ser eleito presidente. Mas o
delineamento do programa econômico de Lula não promete ser fácil.
Para que possam articular um programa
claro, crível e coerente, Lula e o PT terão de desenvolver, primeiro, uma
narrativa minimamente realista sobre o que de fato ocorreu, ao longo dos mais
de 13 anos em que o partido ocupou o Palácio do Planalto. As narrativas sem
nenhuma aderência à realidade que têm vindo a público, tanto sobre economia
como sobre corrupção, mais parecem castelos de cartas que, no calor da campanha
presidencial, não resistiriam a um sopro.
Para Lula, seria bem mais confortável se,
no que tange à economia, que sua campanha pudesse se basear somente nos dois
mandatos em que ocupou a Presidência. E não faltou, nos últimos meses, quem
tentasse insistir em narrativas fantasiosas nessa linha, cantando em prosa e
verso o Brasil, de 2003 a 2010, como uma terra em que corriam rios de leite e
mel.
Aos poucos, contudo, a cúpula do partido parece ter percebido que não havia como encerrar a narrativa sobre os governos petistas em 2010, deixando de fora o desastroso mandato e meio de Dilma Rousseff. É mais do que sabido que a ideia de alçar Dilma à Presidência foi um projeto exclusivo e pessoal de Lula que, face à tenaz oposição do PT, teve de ser enfiado pela goela abaixo do partido.
Em longa entrevista publicada em livro de
2013, o próprio Lula relatou, com muita franqueza, as resistências que teve de
enfrentar, dentro do PT, à escolha de Dilma como candidata a presidente. “Eu
sei o que eu aguentei de amigos meus, amigos mesmo, não eram adversários,
dizendo: Lula, mas não dá. Ela não tem experiência, ela não é do ramo. Lula,
pelo amor de Deus.”
O PT já constatou também que ninguém levará
a sério esforços de reescrever a história com o argumento de que a política
econômica dos governos Lula teria sido súbita e radicalmente desvirtuada por
sua sucessora. Na verdade, não houve descontinuidade alguma. A política
econômica do governo Lula, a partir de 2008, quando, afinal, a bandeira da
“nova matriz econômica” pôde ser ostensivamente desfraldada, foi, em boa
medida, a política de Dilma Rousseff.
E é bom lembrar que, uma vez eleita, Dilma
preservou em grande medida a equipe econômica de Lula, mantendo Guido Mantega
no Ministério da Fazenda e todas as condições para que o Planalto pudesse
exacerbar erros de condução da política econômica que já vinham sendo cometidos
no governo anterior.
Constatado que, de uma forma ou de outra,
Lula e o PT seriam obrigados a “falar sobre Dilma”, houve, de início, uma
tentativa um tanto patética de restringir a fala ao primeiro mandato da
ex-presidente. Foi o que fez o ex-ministro Guido Mantega em artigo recente na
Folha de S.Paulo (5/1), em que se permitiu limitar sua análise ao desempenho
dos governos petistas ao período de 2003 a 2014, com completa omissão do que
ocorreu no segundo mandato de Dilma, em 2015 e 2016.
Trata-se de contorcionismo equivalente a
dar por concluído o relato de uma viagem que culminou em catastrófico acidente
ferroviário, pouco antes de a locomotiva saltar dos trilhos arrastando consigo
várias dezenas de vagões.
É fácil perceber a enorme dificuldade que
Lula e o PT vêm enfrentando para conceber uma narrativa crível, que lhes pareça
aceitável, do colossal descarrilamento da economia perpetrado pelo governo
Dilma Rousseff.
Inclusive porque quase todos os envolvidos
na inépcia que levou ao desastre parecem ter hoje assento assegurado, pelo PT,
na longa mesa dos que terão voz e voto na concepção da narrativa sobre o
passado que dará base à visão de futuro que Lula oferecerá ao país. Fácil não
será.
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