Folha de S. Paulo
Reaças não sabem nada sobre mal menor, mas
têm tradição firmada no mal maior
Correntes do PT avessas a uma
chapa Lula-Alckmin e
potenciais aliados à esquerda cumprem o seu papel: criticam a eventual aliança,
apontam as contradições tidas por inelutáveis, ressuscitam momentos em que os
dois políticos estiveram em trincheiras opostas —inclusive na eleição de 2006—
e pintam a composição com as tintas de uma conciliação inaceitável. A coisa
chega a ter um lado pitoresco.
Ao longo da história, os setores mais à
esquerda do partido sempre prestaram um serviço ao líder: cobraram dele a
radicalização, de modo a lhe dar a oportunidade de fazer a escolha pela
moderação. Não chega a ser um jogo combinado. Trata-se de acordos —ou
desacordos— tácitos. Assim, a resistência
ao ex-tucano não é um problema, mas um dado do jogo.
Alckmin será o vice de Lula? Não sei. Mas ou haverá esse sinal de que o ex-presidente pretende, se vitorioso, um governo além das fronteiras da esquerda, ou outro se fará necessário. O compromisso —que, parece-me, é público— já está anunciado. E, é evidente, pensando o que penso, avalio que um governo o mais amplo possível é uma solução, não um problema.
A exemplo de todo político que conta
realmente com uma militância —sim, Bolsonaro também
tem a sua...—, o líder petista tem de ser haver com seus puristas, seus
exclusivistas, seus sectários, seus extremistas. A questão é saber se vai
liderá-los, escolhendo o caminho, ou será caudatário de visionários do próprio
delírio. Em seu processo de construção, o PT fez muitas escolhas que seriam
insanas caso fosse ele o protagonista da história.
Recusou-se, por exemplo, a participar do
Colégio Eleitoral que elegeu Tancredo Neves. Sempre considerei a decisão
lamentável, mas nunca temerária. Não tinha o protagonismo. A solução se daria
com ou sem a concordância da legenda, que apostava na definição da própria
identidade. Oportunista, sim, mas com risco zero à democracia. Em 2022, sendo a
legenda mais bem-sucedida em eleições realmente democráticas, há o peso da
responsabilidade de um eventual quinto mandato.
"Alckmin é um aceno do PT para os
mercados, Reinaldo?" Ah, caras e caros, não me dedico a jogos dessa
natureza. Esses "mercáduz" de que falam são os mesmos que viam
virtudes naquele tal que achava o estupro
uma distinção, coisa de merecimento? Para quem quilombolas se pesavam em
arrobas? Que tinha um torturador como herói? Que prometia extinguir o
Ministério do Meio Ambiente?
Curioso! Nunca se cobrou do biltre uma
"Carta ao Povo Brasileiro" assegurando compromissos com a ordem
democrática, não é mesmo? Ao contrário até! Dava-se de barato que o ogro era
apenas um ser meio apalhaçado, que serviria para conjurar as forças que não
queriam a volta do PT, mas que ele acabaria, no fim das contas, se submetendo
aos limites institucionais.
Mentira! Fiel a si mesmo, à sua pregação e a
seus extremistas, tentou romper os limites da legalidade e, como resta
sabido, testou as possibilidades de um golpe de estado. Não venham com a
conversa de que Lula está obrigado a oferecer credenciais de confiabilidade a
esses "mercáduz" —Alckmin ou outras quaisquer.
Os que jamais cobraram de um postulante com
evidente discurso fascistóide o compromisso com a civilidade gostariam agora de
arrancar de um candidato de oposição a promessa solene de que nada mudará, por
exemplo, no teto de gastos —que acabou faz tempo— ou na reforma trabalhista? E
o fazem em nome do que chamam "previsibilidade"? Ora...
Se o PT realmente levar adiante a aliança
com Alckmin, o ex-governador, parece-me, representa a garantia adicional de um
modo de fazer as coisas, buscando, reitere-se, o diálogo amplo. Até porque, no
semipresidencialismo informal que temos, ninguém governa sem o Congresso.
Mas é evidente que o ex-tucano não seria a
garantia de que Lula, se eleito, deixaria tudo como está. A continuidade tem
várias nuances, não é mesmo? E todas elas se juntarão contra o PT, de novo, num
eventual segundo turno. Afinal, os conservadores e reaças brasileiros não sabem
nada sobre mal menor. Mas têm tradição firmada no mal maior.
Bolsonaro é a prova.
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