EDITORIAIS
Comportamento do Telegram é um deboche das
leis
O Globo
O aplicativo de mensagens Telegram traz um
desafio para as autoridades eleitorais no combate à desinformação. Criado por
russos, gerido por uma empresa com sede em Dubai, ele não impõe limite ao envio
de mensagens, não tem políticas de moderação dignas do nome, nem representação
jurídica ou endereço no Brasil. Pior: não se dá ao trabalho nem de responder às
tentativas de notificação feitas pela Justiça Eleitoral brasileira desde 2018.
Presente em 53% dos celulares brasileiros, o Telegram se comporta como se
estivesse acima das leis. É um deboche.
Está, portanto, certo o ministro Luís
Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal
Superior Eleitoral (TSE), quando levanta a possibilidade de suspensão ou
proibição do uso do aplicativo no país. Se é verdade que isso representa uma
restrição à liberdade dos usuários, vários outros aplicativos podem cumprir a
mesma função, sobretudo o popular WhatsApp. E qualquer outro caminho poderia se
revelar irresponsável. Corresponderia a dar sinal verde para que a
desinformação influencie sem limite a campanha presidencial deste ano. Seria
inaceitável.
Após o desastre das eleições de 2018, quando fake news foram compartilhadas sem controle e influenciaram milhões de eleitores, o TSE passou a dar mais atenção aos aplicativos de mensagens. O WhatsApp, o mais popular, mantém contato com as autoridades eleitorais e, nem sempre de forma satisfatória, tem ao menos procurado seguir as diretrizes cujo objetivo é limitar o uso dos aplicativos para a disseminação de conteúdos em massa e a desinformação.
Em virtude de uma visão libertária da
comunicação levada às últimas consequências, o Telegram se tornou uma ameaça
não apenas à democracia. Foi o principal meio usado pelos terroristas do Estado
Islâmico para aliciar novos recrutas. Uma investigação feita no ano passado
pelo grupo Cyberint e pelo jornal britânico The Financial Times mostrou que o
aplicativo “explodiu como um polo para criminosos venderem, comprarem e
compartilharem dados roubados e ferramentas de invasão”. China e Índia estão
entre os pelo menos 11 países que já o bloquearam. Na Alemanha, onde o Telegram
tem se negado a colaborar em investigações sobre ameaças de morte a uma
política, está sob o risco de ser banido.
Interessado em abrir o capital, o Telegram
captou mais de US$ 1 bilhão junto a investidores no ano passado. Entre eles, a
Mubadala Investment Company, fundo soberano dos Emirados. É possível que esses
investidores comecem a refazer as contas sobre as estimativas de retorno
futuro, levando em consideração a eventual suspensão ou banimento de vários
mercados, em especial o brasileiro.
O tempo para Pavel Durov, fundador do
Telegram, começar a cooperar com o TSE está se esgotando. Se as diretrizes das
autoridades não forem adotadas com rapidez e presteza, se ele não responder às
intimações e continuar a desdenhar suas responsabilidades, o melhor seria a
Justiça proibir o Telegram antes do início da campanha eleitoral, até pelo
menos os resultados estarem consolidados. Fará falta a poucos, e ela será
sobejamente compensada pelo ganho na qualidade de informação recebida pelo
eleitor.
Aprovação da CoronaVac tem tudo para
acelerar vacinação das crianças
O Globo
Foi providencial a aprovação ontem, pela
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), da vacina CoronaVac para
crianças e adolescentes. Embora o pedido feito há cerca de um mês pelo
Instituto Butantan fosse para maiores de 3 anos, a agência autorizou o uso dos
6 aos 17 anos, sob o argumento de que faltavam informações sobre a efetividade
da vacinação nos mais novos. A CoronaVac para crianças já é usada com êxito em
países como China, Chile, Equador e Indonésia.
Espanta que, diante da necessidade premente
de imunizar as crianças, não tenha havido maior pressão pela aprovação da
CoronaVac. Pelo menos, desta vez também não houve a campanha descabida do
movimento antivacina que tentou barrar a vacina infantil da Pfizer. Espera-se
que continue assim. Naquela ocasião, o presidente Jair Bolsonaro ameaçou
divulgar o nome dos técnicos da Anvisa que haviam autorizado a vacinação
infantil. Diretores da agência receberam ofensas e ameaças anônimas pela
decisão. Um absurdo.
A aprovação de uma segunda vacina para as
crianças tem tudo para tirar o atraso na imunização dessa faixa etária. Para
fazer coro com Bolsonaro, crítico da vacinação infantil, o ministro da Saúde,
Marcelo Queiroga, criou uma série de obstáculos que postergaram o início da
aplicação das doses. Inventou uma absurda consulta pública para discutir a
vacinação, algo que nunca houve no SUS. Depois, também mimetizando Bolsonaro,
passou a defender receita médica para vacinar as crianças — bobagem que acabou
derrubada pela própria consulta pública. Na maior parte dos estados, a
vacinação infantil começou na última segunda-feira, um mês depois da
autorização dada pela Anvisa.
A CoronaVac traz uma vantagem óbvia sobre a
vacina da Pfizer: é fabricada aqui e já está pronta — a vacina é idêntica à
aplicada nos adultos. Na quarta-feira, o diretor do Butantan, Dimas Covas,
disse que o instituto reservou 15 milhões de doses para a vacinação infantil.
No caso da Pfizer, a quantidade comprada pelo Ministério da Saúde ainda é
insuficiente para todas as crianças de 5 a 11 anos. Neste mês o país deverá
receber apenas 4,3 milhões de doses. Até o fim de março, serão 20 milhões, que
cobrem apenas metade da demanda, já que a vacina é aplicada em duas doses.
Espera-se que o Ministério da Saúde não
demore mais um mês para levar a CoronaVac às crianças. E que os ataques de
Bolsonaro à vacina chinesa tenham ficado para trás. Na segunda-feira, Queiroga
disse que compraria a CoronaVac caso fosse aprovada pela Anvisa. É hora de
cumprir a promessa e incorporá-la logo ao Programa Nacional de Imunizações
(PNI).
Pesquisas de opinião têm demonstrado alta
adesão da população à vacinação infantil, apesar da campanha negacionista do
governo. Pesquisa Datafolha divulgada no dia 17 mostra que 79% dos brasileiros
apoiam a imunização de crianças. Com doses de vacina disponíveis e a disposição
dos pais para levar os filhos aos postos, não há por que a campanha não
deslanchar. É só o Ministério da Saúde não atrapalhar.
O Brasil ficou menos atraente para o
capital
O Estado de S. Paulo.
O investimento direto ainda cobre as
necessidades das contas externas, mas o fluxo diminuiu no período de Jair
Bolsonaro
Importantes para o crescimento econômico e
para o avanço tecnológico, investimentos diretos diminuíram no começo da
pandemia e voltaram a crescer em todo o mundo, no ano passado, segundo
relatório da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento
(Unctad). No Brasil, o fluxo mais que dobrou entre 2020 e 2021, passando de US$
28 bilhões para US$ 58 bilhões, de acordo com esse levantamento, mas sem
retomar o padrão de 2019, quando o valor atingiu US$ 65 bilhões. O fluxo
mundial passou de US$ 929 bilhões para US$ 1,65 trilhão, superando o total
anterior à crise sanitária. O investimento direto, destinado à compra de ativos
empresariais ou à ampliação da capacidade produtiva, é menos especulativo e
menos volátil que aquele voltado para o mercado de títulos e, portanto,
especialmente benéfico para a economia.
Os números oficiais brasileiros, publicados
pelo Banco Central (BC), são diferentes daqueles citados pela Unctad, mas
também mostram uma recuperação incompleta, em aparente harmonia com um quadro
de economia vacilante, inflação crescente e muito ruído político. Chegaram a
US$ 51,48 bilhões, nos 12 meses até novembro de 2021, os investimentos diretos
absorvidos pelo Brasil, em termos líquidos, segundo o último informe do BC. No
ano-calendário de 2020 o fluxo havia atingido US$ 39,51 bilhões. Entre janeiro e
dezembro de 2019, US$ 69,17 bilhões. No resto desse ano, os valores acumulados
em 12 meses foram sempre superiores a US$ 70 bilhões.
O último ano de firme expansão dos
investimentos diretos foi 2018, quando entraram US$ 78,16 bilhões, 4,08% do
Produto Interno Bruto (PIB). A partir de 2019, os valores acumulados foram
geralmente inferiores a 4% do PIB. Com oscilações, as somas em dólares
declinaram nos últimos três anos. Mas, apesar da pandemia, os totais acumulados
em 12 meses foram sempre maiores, entre janeiro e outubro de 2020, do que
aqueles contabilizados até outubro de 2021.
O Brasil obviamente se tornou menos
atrativo para o investidor estrangeiro durante o mandato do presidente Jair
Bolsonaro. A recuperação parcial do fluxo, depois da primeira onda de pandemia,
de nenhum modo contraria essa percepção, mesmo tendo o País passado da oitava
para a sétima posição entre os destinos do investimento direto, segundo a
Unctad.
Pelo tamanho de sua economia, pela presença
já muito grande do capital estrangeiro e por suas possibilidades, o Brasil
continua sendo um polo de interesse para o investidor de fora. Mas sua atração
é bem menor do que foi em outros tempos, como indicou a pesquisa anual CEO
Survey da empresa de consultoria e auditoria PwC.
Nessa pesquisa, realizada com cerca de
4.500 executivos de todo o mundo, o Brasil ficou na pior posição em muitos
anos. Segundo o relatório, o dirigente de um fundo com aplicações superiores a
US$ 100 bilhões na América Latina teria declarado a intenção de evitar qualquer
aplicação no Brasil enquanto estiver no poder o presidente Jair Bolsonaro. Não
seria esse um caso isolado. Em 2013 o Brasil esteve em terceiro lugar na agenda
das grandes empresas internacionais. Sua posição piorou na crise do segundo
mandato da presidente Dilma Rousseff. Houve uma recuperação parcial depois da
eleição de 2018, mas essa melhora já se perdeu.
Apesar do recuo do capital estrangeiro, o Brasil tem recebido investimento direto muito mais que suficiente para cobrir seu déficit em transações correntes, estimado em US$ 30,84 bilhões nos 12 meses até novembro. O superávit no comércio de mercadorias, garantido pelo agronegócio e pelo setor mineral, tem permitido manter em nível seguro o déficit das transações correntes. O País tinha em novembro US$ 367,77 bilhões de reservas, um volume confortável. Como explicar, então, a instabilidade cambial e o dólar supervalorizado? A resposta, bem conhecida, está na insegurança dos aplicadores financeiros, diante dos desmandos e das omissões do presidente Bolsonaro. Dólar caro e retração do investidor direto formam parte do custo do desgoverno instalado em Brasília.
Negligência ante a mudança climática
O Estado de S. Paulo.
Enquanto as três esferas de governo não
derem importância às mudanças no clima, populações inteiras seguirão sofrendo
É a lei natural: o verão é uma estação
chuvosa em países tropicais como o Brasil. Antinaturais são as ações humanas
que têm tornado as chuvas cada vez mais “atípicas”, para usar uma designação
dos especialistas em clima, com consequências dramáticas para a população.
Entra ano, sai ano, os únicos elementos que
mudam no mosaico de nossas tragédias anunciadas são as localidades afetadas
pelo volume das chuvas e a intensidade dos danos. Às vezes, nem isso. Perene é
a incapacidade de administradores públicos, nas três esferas de governo, de
compreender a ameaça das mudanças climáticas e agir para freá-las e mitigar
seus efeitos.
Ainda falta um mês e meio para o fim da
estação chuvosa, mas o Rio Tocantins
já registra uma cheia histórica, que
desalojou 3,4 mil famílias em Marabá (PA). As chuvas atípicas também deixaram
submersos os bairros de 175 municípios da Bahia, causando a morte de mais de 20
pessoas. Cerca de 350 prefeituras de Minas Gerais decretaram estado de emergência.
Estradas ficaram intransitáveis por dias em decorrência das enxurradas no
Estado, isolando comunidades e dificultando a prestação de socorro.
Deslizamentos de terra destruíram parte do patrimônio histórico em Ouro Preto.
Já nas Regiões Sul e Centro-Oeste, a seca e uma onda de calor arrasaram
lavouras e causaram prejuízos da ordem de R$ 45 bilhões para o agronegócio.
Soja e milho, principais grãos da pauta de exportações do País, foram as
culturas mais afetadas.
Neste início de 2022, o País registra o maior
número de desabrigados e de decretos de emergência por chuvas dos últimos cinco
anos. Até o momento, são mais de 60 mil pessoas desabrigadas e cerca de 1,3 mil
decretos de emergência, segundo um levantamento feito pela Confederação
Nacional de Municípios (CNM), ao qual o Estado teve acesso, com base nos dados
reportados pelas prefeituras ao Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil
entre os dias 1.º de outubro do ano passado e 17 de janeiro deste ano. Além dos
desabrigados, ou seja, dos que perderam o teto, há os que estão desalojados,
que buscam abrigo na casa de parentes e amigos. Estes, segundo a CNM, somam
226.786 pessoas.
Esses tristes recordes tendem a ser batidos
ano após ano caso as cidades brasileiras continuem despreparadas para lidar com
fenômenos climáticos cada vez mais intensos. Alertas não faltam. Ninguém de
boa-fé pode alegar surpresa. “Há dez anos, falávamos em possibilidades. Hoje
falamos da realidade das mudanças climáticas”, disse ao Estado o professor
Pedro Luiz Côrtes, do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São
Paulo (USP). De fato, a ciência tem feito a sua parte há décadas. Universidades
e órgãos como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e o Instituto
Nacional de Meteorologia (Inmet) produzem dados aos borbotões para ajudar
governos a se anteciparem aos acidentes.
Mas essas informações, na maioria dos
casos, são negligenciadas pelos gestores públicos. “As áreas de risco chamam a
atenção agora. Mas e quando parar de chover?”, questiona Côrtes. Uma longa história
de descaso corrobora a dúvida do professor.
Há três deficiências fundamentais que
tornam o Brasil tão vulnerável aos desastres causados não pelo clima, mas pelo
despreparo das autoridades para lidar com as mudanças climáticas. O primeiro é
a negação do problema. Há quem pense que a natureza “é assim mesmo” e nada há a
fazer, a não ser remediar. Outro problema, em boa medida decorrente do
primeiro, é o desprezo pelos dados ou, em uma interpretação mais benevolente, a
subutilização das informações produzidas pela ciência. Mas nenhum deles é tão
danoso quanto a falta de coordenação federal na formulação e implementação de
medidas para deter o avanço das mudanças climáticas.
Jair Bolsonaro é um inimigo das boas causas
do País. É o presidente que cortou recursos para a Defesa Civil no Orçamento de
2022 para financiar suas prioridades antirrepublicanas. É o presidente que
afirma que “a Floresta Amazônica não pega fogo porque é úmida”. O que esperar
de alguém que pensa assim? Resta torcer para que o País volte a ter um
presidente que dê à proteção do meio ambiente a atenção que o tema requer.
Biden impopular
Folha de S. Paulo
Democrata completa um ano de mandato em
meio a crises e fortalecimento de Trump
Não é comum um presidente eleito por maciça
votação popular terminar o primeiro ano do mandato desaprovado pela maioria dos
cidadãos. Na estável democracia dos Estados Unidos, tanto menos.
Desde a administração de Harry Truman
(1945-53), até a qual chegam as pesquisas de popularidade mais comparáveis
naquele país, o fenômeno só ocorreu duas vezes: com Donald Trump (2017-2021)
e agora
com seu sucessor, Joe Biden.
A manifestação precoce da impopularidade
apenas nos dois mandatários mais recentes talvez não seja uma coincidência.
Pode representar a contraface de haver agora um território bem mais pedregoso
que os anteriores para o exercício da Presidência norte-americana.
A despeito dessas hipóteses mais
estruturais, o fato é que a gestão do democrata Joe Biden aniversaria em meio a
crises simultâneas.
O controle da pandemia, uma de suas
promessas mais salientes na campanha de 2020, acabou sabotado pela fatia
relevante de cidadãos que se recusa a tomar vacina.
Mesmo tendo saído muito na frente da
maioria dos países e dispondo de doses em abundância, os EUA mal conseguiram
ultrapassar a marca de 60% da população protegida. O Brasil, que começou tarde
e com carência de imunizantes, está se aproximando de 70%.
O plano do democrata para estimular
vacinação nas maiores empresas foi derrubado na Suprema Corte. Com quase dois
anos de pandemia, o país registra pouco menos de 2.000 mortes por dia.
Na economia, Joe Biden prossegue com a sua
maior tacada, um plano de US$ 2 trilhões em investimentos em infraestrutura,
equidade social e sustentabilidade ambiental, travado no Congresso por
desavenças em seu próprio partido.
Enquanto isso, a inflação ao consumidor
atingiu 7% em 2021, uma alta do custo de vida que não ocorria na pátria do
dólar havia quatro décadas. Não está certo o arrefecimento da carestia, apesar
da promessa de um ciclo de restrição de crédito pelo Fed, o banco central.
Como se não bastassem os temas domésticos,
Biden enfrenta ainda uma dificílima costura geopolítica com seus parceiros
europeus diante de uma cada vez mais provável agressão militar russa à Ucrânia.
O prospecto para os democratas, que
enfrentam eleições legislativas em novembro, não é bom. Não será surpresa se
uma onda republicana, sob o comando de Trump, tirar da agremiação de Biden os
comandos da Câmara e do Senado.
O populismo autoritário do ex-presidente,
derrotado há pouco mais de um ano, recuperou-se e está à espreita. O exemplo
dos EUA mostra que, tão importante quanto derrotá-lo nas urnas é governar bem,
para não dar oportunidade a seu fortalecimento e seu retorno.
Vexame encoberto
Folha de S. Paulo
Sigilo de cem anos agrega infâmia a
processo do Exército que absolveu Pazuello
A decisão de manter
por cem anos o sigilo do processo interno do Exército que absolveu o
general Eduardo Pazuello de participação em atos político-partidários,
rejeitando a demanda desta Folha por
acesso ao documento, agrega infâmia a um episódio degradante.
Como é público e notório, em 23 de maio de
2021, ao fim de um desfile de motociclistas capitaneado por Jair Bolsonaro no
Rio, o ex-ministro da Saúde subiu num palanque ao lado do presidente para
saudar os militantes ali aglomerados.
Pazuello justificou a insubordinação com
uma desculpa esfarrapada. A manifestação não teria caráter partidário, dada a
circunstância de que o mandatário, à época, não estava filiado a nenhuma sigla.
Os fatos dispensam interpretações. O
oficial inequivocamente violou o Regulamento Disciplinar do Exército decretado
em 2002, o qual estabelece expressamente entre as transgressões o ato de
"manifestar-se, publicamente, o militar da ativa, sem que esteja
autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária".
Contrariando todas as evidências, porém, o
comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, decidiu não
aplicar nenhuma punição a Pazuello.
Fez-se mais, contudo, com a imposição de
sigilo de cem anos sobre o processo, sob a alegação de se tratar de informações
pessoais. Ora, o que haveria de pessoal num processo disciplinar concernente a
um servidor do Estado acerca de suas ações na esfera pública?
Invocando a Lei de Acesso à Informação,
este jornal tentou ter acesso ao documento por duas vezes —ambas negadas pelo
Exército.
Recorreu-se então à Controladoria-Geral da
União, que atendeu parcialmente o pedido, e depois à Comissão Mista de
Reavaliações de Informações, a derradeira instância administrativa para pedidos
dessa natureza, que nesta semana rejeitou a solicitação.
Em sua resposta, o órgão afirmou que a
divulgação dos documentos representaria risco aos princípios da hierarquia e da
disciplina no Exército. Trata-se de pretexto que inverte os fatos.
Tais princípios já foram maculados, e um
grave precedente, aberto com a decisão da Força de não punir um oficial que
abertamente afrontou o seu regulamento.
Com a absolvição agora encoberta pelo manto
do sigilo, os atores que protagonizaram o vexame seguem livres para persistir
em suas fanfarronices antidemocráticas.
China quer estabilizar a economia e limitar
retração
Valor Econômico
China volta ao ponto de partida e encara um
revés provisório nas mudanças de paradigma de sua economia
A China começou a usar seu conhecido
arsenal de medidas para estancar a desaceleração e estabilizar a economia - que
parece ser agora a divisa da burocracia e dos líderes do Partido Comunista
chinês. As ondas de choque no setor imobiliário, com a quebra da Evergrande,
segunda maior imobiliária do país, aliadas à queda do consumo, derrubaram o PIB
para 4% ao ano no último trimestre de 2021. O crédito começou a ser relaxado e
as taxas de juros tiveram uma pequena redução, mais como sinal de que novas
virão de acordo com a necessidade. A reação chinesa escorou as moedas
emergentes de países exportadores de commodities, como o Brasil, nos últimos
dias, em contraponto à pressão altista do dólar diante da iminência do ciclo de
alta de juros nos Estados Unidos.
Dirigentes do governo em conferência
econômica em dezembro resumiram o que está por vir: uma “política monetária
prudente”, mas “flexível e com liquidez adequada” e uma “política fiscal
proativa”, mas “dirigida e sustentável”. Orientação semelhante foi tomada
diante de crises anteriores que tinham, como a falência da Evergrande mostrou,
a mesma origem: bolhas de crédito, em boa parte concentradas no mercado
imobiliário. O governo chinês, ao se defrontar com os custos de estourá-las,
recuou depois que os danos à economia começaram a aparecer e recorreram ao
crédito, juros menores e liquidez ampla para retomar um equilíbrio que sabe ser
instável.
Estima-se que o setor imobiliário componha
de 25% a 30% do PIB chinês (US$ 17,3 trilhões) e teve um peso importante no
rápido crescimento do país por anos a fio. Seu enfraquecimento está derrubando
a economia. As novas construções, por exemplo, caíram 29,8% em 2021 e os
investimentos imobiliários, 13,9% no ano passado, enquanto que as vendas de
imóveis encolheram 19,9%. Como consequência, os investimentos em ativo fixo
caíram 1% no terceiro trimestre e 1,1% no quarto, ao contrário da expansão
exuberante da década passada.
A desaceleração rápida do setor imobiliário
não é o único problema a preocupar o PCC. A ômicron desafiou o governo a
utilizar sua tática de aniquilar com todas as possibilidades de transmissão do
vírus, com lockdowns massivos em grandes cidades, com fechamento de fábricas,
paralisação de portos e mobilidade zero. O vírus entrou em Pequim e aproxima-se
o ano novo lunar, em 1 de fevereiro (começa o Ano do Tigre), e os chineses se
deslocam em massa pelo país. Centenas de milhares foram impedidos de voltar
para casa quando o coronavírus estreou na China em 2020. Os esforços atuais
estão reduzindo as atividades econômicas.
Ontem, pela primeira vez em dois anos, a
taxa de financiamento de imóveis foi reduzida, e a prime rate de 5 anos foi de
4,65% para 4,6% e a taxa de 1 ano, de 3,8% para 3,7%, sinalizando para onde o
BC chinês se moverá, após reduzir os compulsórios várias vezes em 2021. A queda
da inflação (o núcleo foi de 1,2% no ano passado) não só permite como incentiva
a redução, caso contrário a taxa real subiria, contra os objetivos do BC. O
financiamento social total, medida mais ampla do crédito, fechou o ano com
expansão de 10,3%. Os investimentos em infraestrutura serão acelerados para
sustentar a economia e, nessa tarefa, conta com a ajuda dos investimentos
industriais, que cresceram 11% no quarto trimestre.
A produção industrial mantém-se forte pelo
avanço decisivo das exportações que, com o decréscimo das importações, fizeram
a China bater novo saldo comercial recorde, de US$ 676 bilhões. Ainda que as
exportações sejam 20% do PIB, sua expansão nessa circunstância impede demissões
na indústria, que ocorreriam diante de uma retração na demanda doméstica. O
consumo das famílias recuou para 7% no quarto trimestre e a renda real
disponível, para 3,9%.
Assim, ao privilegiar investimentos e exportações a China volta ao ponto de partida e encara um revés provisório nas mudanças de paradigma de sua economia. O crescimento dos salários são menores que o PIB (Michael Pettis, FT, 17 de janeiro). O consumo e o mercado doméstico, elementos vitais da “circulação dual” e da “prosperidade comum” são preteridos novamente porque a China ainda não conseguiu por ordem no excessivo endividamento (a relação dívida-PIB do país subiu a 330%). Equilibrar a economia chinesa é uma tarefa de anos que, se conseguida, reduzirá as taxas de crescimento para perto de onde elas estão hoje.
Nenhum comentário:
Postar um comentário