O Estado de S. Paulo.
Programas são importantes porque as ideias sobrevivem como um farol a distância, no meio de uma batalha naval
Começou pela economia, ainda que de forma
tímida, um debate sobre o programa de governo para o Brasil. É apenas um
momento iluminado, uma vez que as campanhas tendem a adotar um idioma
emocional, no qual prevalece um jogo de torcidas.
Alguns analistas acham o programa algo
muito secundário, uma vez que pouquíssimas pessoas se decidem confrontando,
sistematicamente, ideias dos candidatos. Outros vão mais longe: de que adiantam
programas, se os vencedores os esquecem e, às vezes, nem são cobrados por eles?
No entanto, antes que os ânimos se exaltem,
é importante discutir os rumos do País. Nem que seja para nos situarmos ou
mesmo para deixar em banho-maria algumas saídas que podem ser úteis, em caso de
crise futura.
Começar pela economia é mais do que evidente. As ruas mostram gente sofrida e faminta, dados da Organização das Nações Unidas (ONU) indicam que não estamos bem diante de outros países, nosso crescimento é ridículo. Retomar a economia, reduzir o desemprego, combater a fome parecem ser ideias fortes nesta eleição de 2022. Elas dependem para seu êxito de outras variáveis.
Quando se examina a eleição americana, com
características diferentes, observa-se que parte da resposta foi buscada no
meio ambiente: empregos verdes. Falar em empregos verdes no Brasil seria uma
transposição mecânica do debate americano? Não creio. Grandes investimentos
buscam projetos ambientais, sobretudo em países ecologicamente estratégicos,
como o Brasil. O governo Bolsonaro percebeu isso e chegou a anunciar um esforço
nesse sentido, mas sua política destruidora não lhe dá a mínima chance de
avançar nesse terreno.
O processo de saneamento básico no Brasil é
um espaço para empregos verdes, da mesma forma, as obras de infraestrutura que
possam adaptar as cidades brasileiras à dura realidade do aquecimento global e
eventos extremos.
Um projeto econômico terá de se abrir
também para a educação. Impossível pensar em ampliar empregos, reduzir
desigualdades, sem contar com esse poderoso instrumento, que, aliás, não pode,
pela sua importância, ser reduzido apenas às vantagens materiais.
Creio que será impossível ignorar a
infraestrutura digital. Ela é um reforço à educação, abre uma chance de um
governo inteligente, que reduza a máquina, sem a perda de eficácia.
A própria política externa vai depender de
alguns temas que enriqueçam nossa clássica posição pela paz. De novo o meio
ambiente pode ser a chave para reduzir o grande desgaste internacional
produzido por Bolsonaro. Uma clara posição sobre o aquecimento global e o papel
do Brasil pode nos recolocar com mais rapidez numa posição compatível com nossa
história e importância.
Estamos atravessando uma pandemia, perto do
fim, creio, e o papel do SUS foi muito valorizado, pois, sem ele, o impacto
seria mais devastador. Mesmo assim, a classificação científica de grupo de
risco por idade não foi a única referência. Os dados mostram que os mais pobres
sofreram mais e é razoável afirmar que a ideia de grupo de risco deve ser
avaliada também pelo nível de renda.
O Instituto Butantan e a Fundação Oswaldo
Cruz se tornaram duas instituições populares, referências nas nossas esperanças
de imunização. Elas são apenas a ponta do iceberg científico que o governo
Bolsonaro manteve submerso. Instituições como o Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
todos os instrumentos que nos permitem conhecer melhor nossa realidade foram
torpedeados pelo poder. As pesquisas minguaram, os cérebros deixaram o País.
A cultura tornou-se um campo de guerra. Não
foi possível financiar um festival de jazz, porque Miles Davis, por exemplo,
não canta a glória de
Deus. Esse é um campo que, recuperado por
uma economia de paz, também responde por algum impulso no crescimento.
Não tenho a intenção de entrar em detalhes,
pois o espaço é limitado. O que me parece claro é que grande parte das
interrogações programáticas tem resposta na própria sociedade.
Moratória no desmatamento da Amazônia? Não
é preciso procurar longe. As próprias entidades que atuam lá se reuniram e
traçaram um programa completo que prevê até o congelamento das contas dos
principais desmatadores.
Tudo isso reforça a ideia de que discussões
programáticas são importantes porque, apesar da importância do ódio nas
campanhas eleitorais, as ideias sobrevivem como um farol a distância, no meio
de uma batalha naval.
Um aspecto singular do debate é que pode
envolver todos os candidatos menos um, o que se propõe à reeleição. O que pode
dizer da economia, se falhou? Seu ministro da Economia começou como um talismã
e terminou como um estorvo.
O que pode dizer sobre cultura, além de
sacar a arma? O que pode dizer do meio ambiente se, insatisfeito com a
destruição na superfície, prepara-se para entrar nas cavernas, para arruiná-las
também?
Sem ele o futuro não é necessariamente
brilhante. Com ele o futuro não existe.
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