Valor Econômico
Auxílio de R$ 400 deverá diminuir a
indigência com relação ao período antes da pandemia, mas não a pobreza, que
deverá ser um pouco maior
O Auxílio Brasil foi aprovado pelo
Congresso no final do ano passado. No início deste ano foi aprovada também a
medida provisória fixando o valor mínimo da transferência em R$ 400 até o final
de 2022.
Quais serão os efeitos do auxílio de R$ 400
sobre a indigência e a pobreza? Qual deveria ser o valor das transferências e a
linha de pobreza para que um programa social tivesse o maior retorno possível
para a sociedade? Será que o valor de R$ 400 aumentará as chances de reeleição
de Bolsonaro?
A tabela abaixo apresenta algumas
simulações sobre o que pode ocorrer com a pobreza e a indigência com o novo
Auxílio Brasil, usando os dados da Pnad-Covid de novembro de 2020, a última com
dados oficiais sobre a renda familiar dos brasileiros. Também comparamos a
situação dos brasileiros com o novo auxílio com a que de fato ocorreu antes e
durante a pandemia
Antes de apresentarmos os resultados, é importante distinguir entre a indigência (também chamada de pobreza extrema) e a pobreza. Indigência significa que a família não tem recursos nem mesmo para consumir as calorias necessárias para sua sobrevivência com saúde, ao passo que pobreza significa que ela não tem recursos para comprar as roupas, remédios, transporte e moradia necessários para uma vida minimamente decente.
A tabela mostra que no final de 2020 a
pobreza e a indigência tinham diminuído com relação ao início de 2019, apesar
dos efeitos da pandemia. Isso ocorreu porque tanto o critério de renda para
inclusão no auxílio emergencial, como o valor da transferência foram elevados.
O principal critério para inclusão era ter renda abaixo R$ 550 per capita, o
que engloba quase metade das famílias brasileiras. Além disso, o programa
transferiu R$ 1.200 para grande parte destas famílias, seis vezes mais do que o
programa Bolsa Família.
Assim, o número de pessoas indigentes caiu
de 6,4% (12 milhões de pessoas) antes da pandemia para 2,7% (5 milhões) no
final de 2020. Da mesma forma, a pobreza atingiu os níveis mais baixos da
história do Brasil. Não tem segredo: se aumentarmos muito o critério para
inclusão em um programa e o valor das transferências, a indigência e a pobreza
caem muito no curto prazo.
A tabela mostra também que o Auxílio Brasil
de R$ 400 deverá diminuir a indigência com relação ao período antes da
pandemia, mas não a pobreza, que na verdade deverá ser um pouco maior do que
antes da pandemia. Isso acontece porque o valor da transferência é menor do que
no auxilio emergencial, ao passo que o salário real e desemprego são maiores do
que antes da pandemia.
Na maioria das regiões do país, R$ 400 são
suficientes para acabar com a indigência, mas não com a pobreza. Vale notar que
o Auxílio Brasil sem o benefício extraordinário traria a fome de volta para
8,2% dos brasileiros.
Mas, afinal, qual deveria ser o critério
ideal para inclusão e o valor das transferências de um programa social que
almejasse o maior retorno para a sociedade no longo prazo? Essa é uma pergunta
difícil, que deve levar vários fatores em consideração. Em primeiro lugar, o critério
para receber as transferências teria que ser diferente em cada região, pois o
custo de vida também é bem diferente. Na cidade de São Paulo, por exemplo,
todas as famílias com quatro pessoas que têm renda familiar abaixo de R$ 2.300
deveriam ser consideradas pobres, ao passo que na zona rural do Acre somente
aquelas com renda abaixo de R$ 600 estão na pobreza. Além disso, os valores a
serem transferidos teriam que ser diferentes entre as regiões também.
Mas esse não é o maior problema. O custo
financeiro de um programa que quisesse eliminar totalmente a pobreza no curto
prazo seria grande, bem maior do que os gastos com o programa Bolsa Família e
mais em linha com os gastos do auxílio emergencial, que chegaram a R$ 30
bilhões por mês, ou cerca de 5% do PIB no ano. Teríamos que cortar todos os
gastos desnecessários com subsídios e programas que não funcionam para
conseguirmos implementar um programa desse tipo, o que seria muito difícil
politicamente.
Além disso, valores mais elevados poderiam
desestimular a busca por trabalho formal pelos beneficiários. Muitos estudos
mostram que os programas de transferência de renda atuais não têm efeitos
negativos sobre a busca por trabalho entre os pobres, mas valores mais elevados
provavelmente causariam algum efeito negativo sobre o trabalho formal.
Assim, o mais correto seria termos
critérios para entrada e valores para as transferências diferentes para as
famílias sem crianças e para aquelas com crianças. As transferências deveriam
ser suficientes para acabar com a indigência nas famílias sem crianças. Ao
mesmo tempo, os valores teriam que ser bem mais elevados para as famílias com
crianças, para acabar com a pobreza entre elas, e não apenas com a indigência.
Um programa deste tipo custaria cerca de R$ 80 bilhões por ano, que poderiam
ser arrecadados com os cortes de gastos moderados e aumento de impostos entre
os mais ricos.
Mas será que o valor atual de R$ 400 poderá
reeleger Bolsonaro? Há no Brasil cerca de 210 milhões de pessoas, cuja condição
econômica depende do mercado de trabalho, das transferências sociais e de
outras rendas. No auge do auxílio emergencial, 91 milhões de pessoas receberam
transferências que chegavam a R$ 1.200 por mês e ninguém sabia muito bem de
quem era a culpa pela devastação causada pela pandemia. Nesse contexto, a
popularidade do presidente aumentou muito. Hoje em dia, cerca de 65 milhões de
beneficiários estão em famílias que recebem os R$ 400 do Auxílio Brasil, todos
sabem quem mais contribuiu para agravar a pandemia e o mercado de trabalho
continua patinando. Assim, o novo auxílio não deverá ser suficiente para
reeleger Bolsonaro.
*Naercio Menezes Filho, professor Titular da Cátedra Ruth Cardoso no Insper, professor associado da FEA-USP e membro da Academia Brasileira de Ciências.
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