sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

Thiago Bronzatto: O Centrão e a alma do negócio

O Globo

Em dezembro passado, dois caciques do Centrão tomavam um café na sede do PL, em Brasília. O assunto principal era o cenário eleitoral em 2022. Papo vai, papo vem, Valdemar Costa Neto, mandachuva da legenda, fez uma sugestão ao deputado Ricardo Barros, líder do governo na Câmara: tentar convencer Jair Bolsonaro a tomar a vacina. O parlamentar do PP, ex-ministro da Saúde, concordou e ainda disse que o presidente deveria moderar o discurso contra as medidas de isolamento social adotadas por governadores e prefeitos na pandemia.

Um mês depois, o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, fez a mesma constatação. O presidente licenciado do PP disse a um confidente que a resistência de Bolsonaro à vacina contra a Covid-19 tem influenciado sua rejeição nas pesquisas eleitorais, a maior entre os presidenciáveis. Hoje, quase 70% dos brasileiros estão imunizados. Segundo o Datafolha, a maioria da população acha que Bolsonaro atrapalha a vacinação infantil. No início do ano, em mais um de seus desatinos, o presidente disse desconhecer mortes de crianças por coronavírus. A realidade mostra que, a cada dois dias, a Covid-19 ceifou a vida de um brasileiro de 5 a 11 anos.

A preocupação de Valdemar e Nogueira com Bolsonaro se traduz em votos. A vacinação do presidente, segundo um consultor político do Centrão, poderia render preciosos pontos nas pesquisas, reduzindo a distância para Lula. Mas o presidente está inflexível em sua posição negacionista. Nem mesmo militares mais íntimos, tampouco o senador Flávio Bolsonaro, filho mais velho do presidente e coordenador da campanha de reeleição, conseguiram convencer o chefe do Executivo a seguir o exemplo de outros líderes mundiais. Está cada vez mais claro que Bolsonaro não governa para o país, mas sim para 25% dos eleitores que podem colocá-lo no segundo turno, evitando assim a emergência de uma candidatura de terceira via.

Líderes do Centrão já se conformaram com o fato de que será impossível emoldurar o presidente radical num candidato moderado. O desafio é minimizar o impacto negativo da postura estrambótica de Bolsonaro. Integrantes do PL e do PP passaram a alinhavar um discurso contorcionista segundo o qual a posição do presidente tanto não interferiu no plano de vacinação que a maior parte dos brasileiros está vacinada. Essa narrativa não para de pé, pois ignora que o governo, na contramão de países desenvolvidos, demorou 216 dias para fechar a contratação das primeiras doses contra a Covid-19. Ignora também que, mesmo após o aval da Anvisa, o Ministério da Saúde protelou em 20 dias o anúncio da previsão de fornecimento de vacinas para crianças.

Para maquiar essas e outras omissões, Nogueira passou a compilar “resultados positivos” de todos os órgãos da Esplanada nos últimos três anos. A ideia é que esse material seja confeccionado por um marqueteiro profissional e usado em propagandas. O acervo inicial já chama a atenção pela inventividade. Entre os arquivos compartilhados num grupo de WhatsApp de ministros, está um vídeo com o lema “Nasce o novo Brasil”. A gravação destaca projetos iniciados em gestões anteriores ou que não deverão ser concluídos neste ano. Além de explorar imagens de canteiros de obras, aliados do presidente querem convencer os eleitores de que, com auxílio emergencial e o reajuste do Auxílio Brasil, a “geladeira do brasileiro não ficou vazia” durante a crise da pandemia. Trata-se de uma peça de fancaria conflitante com a realidade de quase 28 milhões vivendo abaixo da linha de pobreza num país com inflação alta e extensa fila de desempregados. Somado a isso, aliados de Bolsonaro passarão a elevar os decibéis dos ataques ao PT. A tática é conhecida: escamotear as graves falhas do governo na pandemia e polarizar a disputa.

Se toda essa feitiçaria do Centrão for insuficiente para reeleger Bolsonaro, a cúpula do PP e PL acredita que, mesmo perdendo, sairá no lucro. Dirigentes dos dois partidos ganharam, sob a bênção do presidente, o controle inédito das negociações do Orçamento e da distribuição de cargos. Essa ascensão renderá dividendos eleitorais para as legendas crescerem no Congresso. A estimativa otimista de Costa Neto é que o PL ocupe até 60 cadeiras na Câmara e mais 12 no Senado, tornando-se a maior sigla nas duas Casas. Ciro, alçado ao cargo de superministro, planeja expandir o número de representantes do PP no Legislativo, especialmente na Câmara, comandada por Arthur Lira (PP-AL). Com esse poder de fogo para barganhar, o Centrão tem um plano claro, que vai além de Bolsonaro, vacinado ou não: manter em suas mãos a alma de qualquer governo.

*Diretor da sucursal do GLOBO em Brasília

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