domingo, 20 de fevereiro de 2022

Winston Fritsch*: Lula vem aí, e daí?

O Globo

A coalizão de esquerda montada em torno do PT dispara nas pesquisas. Lula é do ramo. Fala pouco, mantém sem esforço seu bloco de partidos amarrado a ele e abriu um sério complicador adicional à terceira via acenando com um vice de enorme recall, experiente político de centro e paulista. Por isso parece improvável que ou a alternativa Moro ou a dança das alianças partidárias de centro em torno de nomes unificadores de um grupo inorgânico produza um pré-candidato que ameace chegar ao segundo turno. Especialmente se o atual presidente continuar mantendo seu teimoso quinto dos votos nas pesquisas.

Entretanto isso é largamente irrelevante, pois nenhum candidato —inclusive Lula —é garantia de governabilidade, uma vez que, com o atual número de partidos, como argumentei neste jornal (“A única via”, 16/10/2021), o presidencialismo de coalizão brasileiro perdeu a funcionalidade. Restaurar o equilíbrio fiscal requer medidas impopulares e, na falta de uma coalizão programática resiliente, quem ganhar a eleição verá sua base majoritária de apoio inicial desmoronar lentamente. Passada a lua de mel com o eleitorado, o presidente eleito vira refém do Centrão. Até o PT sabe disso.

Portanto temos de enterrar a esperança ingênua —acalentada por oráculos de investidores e grandes empresas —de que não há nada com que se preocupar com o retorno do PT, porque, como há 20 anos, Lula resolverá o problema entregando a condução da política econômica a lideranças experientes e alinhadas com a agenda de reforma do Estado e reafirmando a independência do Banco Central, ancorando as expectativas.

Essa solução simplista, sem maioria parlamentar resiliente, pressupõe uma economia em cenário favorável. O PT precisa se lembrar de que, sem o comportamento exuberante da economia internacional entre a posse de Lula em 2003 e a crise mundial de 2008, o governo Lula teria sido na economia, na melhor das hipóteses, medíocre como o segundo período de FH e, provavelmente, ele não teria sido reeleito. Na pior das hipóteses, repetiria o destino de sua sucessora, que não teve sua sorte, ou de Collor, apesar de seu verdadeiro ministério de notáveis.

Um Lula 2.0 terá de ir além de, taticamente, buscar um vice no centro ou um ministro na Faria Lima. Terá de liderar um pacto estratégico de governabilidade. Para isso, precisará fazer com que seus aliados à esquerda, especialmente no PT, entendam que o desafio é construir, antes da eleição, uma coalizão majoritária comprometida em reconstruir um Estado, não em montar um governo.

Isso é difícil, mas não impossível, para um político pragmático e experiente como Lula. Existe hoje um amplo consenso sobre as prioridades de uma agenda de reformas modernizantes intermitentemente implementada desde os anos 90,até mesmo por governos do PT, contra a força de poderosos lobbies dos setores público e privado. É uma agenda de medidas que, em sua essência, visam a aumentar a eficiência do setor público e a preservar a dimensão central da consistência do conjunto das políticas públicas —a viabilidade financeira do Estado —, de modo a permitir que os governos eleitos implementem suas escolhas sem fazer a economia sair dos trilhos. Pontos importantes dessa agenda, se bem costurados com lideranças críveis, poderiam nuclear uma maioria de centro-esquerda, ampliando decisivamente o apoio a Lula ainda no primeiro turno.

Não se sabe se Lula trabalhará para isso. Seu crescimento nas pesquisas pode acelerar esse movimento, pois diminui a importância do apoio da extrema-esquerda para a vitória no primeiro turno, reduzindo sua atual influência paralisante e facilitando o diálogo com líderes dos partidos que apoiariam uma coalizão programática, possivelmente resolvendo a sucessão no primeiro turno. Mas esse movimento só acontecerá se um novo Lula aceitar o desafio de se elevar à altura da responsabilidade de estadista que, por vias inimagináveis, o destino parece estar lhe reservando na História do Brasil. Se aceitar o desafio feito ao atleta da fábula de Esopo, popularizado por Hegel e Marx, que se gabava de um salto espetacular na Ilha de Rodes: Hic Rhodus, hic salta! — Aqui é Rodes, hora de saltar!

*Professor e empresário, foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda durante o Plano Real

 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

É justamente isso que o Lula tenta fazer e que a extrema esquerda tenta atrapalhar.