O Estado de S. Paulo
Expectativa é de que o próprio Congresso
Nacional assuma o debate de como adaptar o Brasil às novas condições provocadas
pela guerra
O mundo mudou com a invasão da Ucrânia e
sofre mudanças mais profundas ainda com o desastre climático anunciado pelo
mais recente relatório da ONU.
Aqui, no Brasil, quase ninguém riu ou
brincou, e era carnaval. Estamos ainda na curva descendente da pandemia e, em
termos de instituições políticas, não discutimos estratégias. É como se não
houvesse amanhã.
A invasão da Ucrânia, entre os inúmeros
temas que suscita, mostrou aos europeus que é necessário superar a dependência
do gás importado da Rússia. E também revelou ao Brasil que é necessário superar
a dependência dos fertilizantes que nos vendem os russos e belarussos.
Reconheço que este tema é árido. No
entanto, defendo a ideia de que os candidatos deveriam discuti-lo na campanha,
colocando como objetivo a autossuficiência nacional. Em princípio, parece
interessar apenas ao agronegócio. Mas é uma ilusão. O tema subjacente é a
segurança alimentar, que deve interessar a todos os que lutam para acabar com a
fome no Brasil.
Houve um momento, no fim do século passado,
em que o País produzia o fertilizante necessário para sua agricultura. Mas, com
o tempo, a produção agrícola cresceu mais e descolou-se do ritmo mais lento dos
fertilizantes. Isso é um grande problema, porque o solo nacional não é dos mais
férteis. Há toxidez com alumínio em 63% das terras, e em 25% elevada fixação de
fósforo.
Uma saída tranquila para este impasse só pode ser encontrada em médio e longo prazos. O governo é apenas uma parte da solução, pois a grandeza da tarefa transcende a sua capacidade.
O que parece tranquilo nesta equação
estratégica é o fato de que o Brasil tem os recursos naturais necessários. Há
potássio nas rochas verdes de São Gotardo, em Minas. Em Uberlândia, estão sendo
realizadas pesquisas muito promissoras com o basalto. Já foi descoberta uma
enorme reserva de potássio na Bacia Amazônia e há fósforo em grande quantidade
em Mato Grosso.
A fórmula popular do fertilizante é NPK,
nitrogênio, fósforo e potássio. Os fertilizantes nitrogenados dependem do preço
do petróleo, e isso vai se agravar também com a guerra. O problema do
nitrogênio é que, usado sem precisão, pode contribuir muito com o aquecimento
global. E o da exploração do potássio na Amazônia é que depende de licenças
ambientais e do respeito às características ecológicas da região.
A guerra na Ucrânia não inaugurou este
debate no Brasil. Já há pesquisas sobre o tema. O próprio governo já criou
comissões para orientá-lo em políticas que levem a uma redução da dependência.
O que a guerra possibilita é tirar a discussão do tema dos escaninhos
burocráticos e trazê-la para a luz do dia.
Pelo que li das pesquisas em Autazes (AM) e
outras cidades do Amazonas, o potássio é encontrado numa grande profundidade.
Seria possível retirá-lo sem grandes danos?
Um dos caminhos – não sei se suficiente –
seria incentivar no Brasil a produção de fertilizante orgânico, trabalhando com
resíduos naturais e industriais. A Política Nacional de Resíduos Sólidos é um
instrumento que ajuda uma política de incentivo.
O ambiente marinho ainda não foi
pesquisado. Vi muito cultivo de algas no Ceará destinado à produção de
sabonete. Mas elas poderiam ser, também, fertilizantes orgânicos.
Todas essas hipóteses foram estimuladas
pela pressão da guerra. Mas creio que é assim, sacudido por um grande evento
histórico, que o País pode despertar para suas vulnerabilidades.
Outro tema estratégico é o da energia. No
momento, discutimos muito como baixar o preço da gasolina. Mas a guerra alterou
este quadro. O transporte por terra, mar e ar ficará muito mais caro. O País
terá de discutir como enfrentar essas dificuldades no longo prazo. Não será
apenas baixando o preço da gasolina aqui e ali que vamos resolver a questão. É
preciso encontrar saídas, que nascem de grandes debates e se realizam com um
grande esforço nacional.
Mais importante até que tratar dos temas
econômicos é resolver a questão política do Brasil no mundo. Bolsonaro optou
pela neutralidade, argumentando que não queria trazer as consequências da
guerra para o Brasil. É uma suposição pueril. Todas as posições políticas
implicam consequências, sobretudo esta de neutralidade, equacionada a partir
dos fertilizantes e alheia às múltiplas relações com o Ocidente, que tomou
partido claro na defesa da Ucrânia.
A expectativa é a de que, passando o
carnaval, o próprio Congresso Nacional assuma o debate de como adaptar o Brasil
às novas condições provocadas pela guerra.
Nesse sentido, o ideal – é preciso sempre
superar arestas – seria promover um debate que contasse também com a
contribuição das Forcas Armadas.
O único desdobramento indesejável é a
retomada da vida política do País como se nada tivesse acontecido no mundo,
tantos dramas na Ucrânia e na Europa para, aqui, tudo se acabar na
quarta-feira.
As coisas estão ficando mais complicadas e,
na medida em que se agravam, fica muito evidente a incapacidade de Bolsonaro de
entendê-las e de reagir adequadamente. Se não houver um debate, o resultado será
sempre pior para nós: mais uma vez, seremos surpreendidos por mudanças para as
quais não soubemos nos preparar.
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