sexta-feira, 4 de março de 2022

Vera Magalhães: Quanto custa a democracia?

O Globo

O Supremo Tribunal Federal encerrou a discussão sobre o valor do fundão eleitoral nesta quinta-feira, ao julgar constitucional a decisão do Congresso que elevou o montante para R$ 4,9 bilhões nas eleições deste ano.

Com isso, depois de três campanhas com gasto inferior ao dos anos anteriores, a eleição de 2022 voltará a um patamar nominalmente igual ao da eleição de 2014, que foi a mais cara da História e custou os mesmos R$ 5 bilhões.

Paulatinamente, os congressistas deram um jeito de recompor o volume de recursos para bancar as próprias eleições, depois de duas eleições municipais e uma nacional de “vacas magras”.

O primeiro pleito depois da decisão do Supremo Tribunal Federal de considerar inconstitucionais as doações de empresas a candidaturas, o de 2016, foi espartano nos valores oficialmente declarados: R$ 650 milhões, segundo as estimativas do TSE. Um corte de nada menos que 48% em relação ao pleito municipal anterior, em 2012. Àquela altura, o fundão eleitoral ainda não tinha sido criado, e as fontes de recursos eram o fundo partidário e doações de pessoas físicas.

O fundão veio em 2017 como uma reação dos parlamentares à pindaíba. Era de R$ 1,7 bilhão em sua primeira versão, subiu para R$ 2,034 bilhões em 2020, no auge da pandemia, e agora vive sua versão “o céu é o limite”, com a perda dos pudores dos deputados e senadores de legislar em causa própria.

Dado esse histórico, de quem é a “culpa” por um valor que choca quando cotejado com outras rubricas do Orçamento? Do Congresso, em primeiro lugar. Mas também do STF, a despeito dos protestos dos ministros pelas cifras deste ano. Afinal, foi o Judiciário que, por 8 votos a 2, decidiu que a melhor maneira para dar uma resposta às denúncias de corrupção associadas a doações de campanha era proibi-las na Constituição — o que, levado ao pé da letra, tornaria todas as campanhas até ali não apenas potencialmente corruptas, mas inconstitucionais!

Uma vez suprimida a principal fonte de custeio das eleições, finalmente se instituiu o financiamento público pelo qual partidos, principalmente de esquerda, e cientistas políticos sempre haviam clamado.

O que leva à pergunta: trata-se do melhor modelo? É a prioridade do Estado despender R$ 5 bilhões para financiar campanhas que, com esse acréscimo, deverão voltar a ostentar marqueteiros pagos a peso de ouro e lauto material publicitário?

Os que agora se revoltam e recorrem ao STF entendem que não. Mas eis um tema em que não pode vigorar o vácuo. Uma vez que a mais alta Corte decidiu que doações de empresas são ilegais, as eleições, instância maior da democracia, precisam ser custeadas de forma minimamente equânime para candidatos de todos os estratos sociais, sem que a única maneira de fazer com que seus nomes cheguem ao eleitor seja bancando as próprias campanhas.

Certamente, é uma discussão que deveria ter sido feita de forma ampla para que o país decidisse o modelo com que quer custear sua democracia, não com um artifício para dar uma resposta ao clamor suscitado pela Lava-Jato na ocasião.

Mas, como muitos processos no Brasil nos últimos anos, esse também foi açodado, e se usou o expediente de evocar a Constituição para algo que poderia ser resolvido estabelecendo mecanismos de transparência e fiscalização mais modernos e eficazes nas contas de partidos e candidatos.

Agora que uma decisão tão peremptória foi dada, o financiamento público passa a ser a melhor forma de evitar que apenas os muito ricos ou os custeados pelo crime organizado se elejam.

O aspecto francamente imoral do fundão de 2022, portanto, é seu valor. A grande virtude do financiamento público até aqui tinha sido deflacionar as campanhas, terreno fértil para toda sorte de contabilidade criativa. Agora, as Excelências perderam o medo de retomar o cenário anterior, à custa do meu, do seu, do nosso.

 

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