EDITORIAIS
Guerra não pode ser pretexto para liberar
exploração mineral
O Globo
O presidente Jair Bolsonaro vislumbrou na
Guerra da Ucrânia, que deverá afetar a importação de fertilizantes pelo
agronegócio brasileiro, um pretexto para tentar liberar a exploração mineral em
terras indígenas. Se é verdadeira a dependência do país, sobretudo da Rússia e
da Bielorrússia, nossos principais fornecedores, a tentativa de desencavar um
projeto enviado ao Congresso em 2020, ainda não apreciado pelo Parlamento, não
passa de oportunismo político. Quer aproveitar o conflito para tocar mais uma
“boiada” sobre as já depauperadas normas ambientais.
Nas redes sociais, Bolsonaro afirmou que, “com a guerra Rússia/Ucrânia, hoje corremos risco da falta de potássio ou aumento do seu preço”. Ainda segundo ele, “nossa segurança alimentar e agronegócio (Economia) exigem de nós, Executivo e Legislativo, medidas que nos permitam a não dependência externa de algo que temos em abundância”. Foi uma referência velada às jazidas de potássio que ele supõe existirem em terras indígenas na Amazônia.
O projeto de exploração enviado ao
Congresso é amplo. Prevê liberação dessas terras em atividades como mineração,
exploração de petróleo, gás ou construção de hidrelétricas. Não pode ser
debatido no calor de uma guerra, muito menos de forma açodada, por um governo
que tem se esmerado em promover o desmonte dos órgãos ambientais e da
legislação de proteção ao meio ambiente. A situação só não é mais catastrófica
devido aos freios impostos pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que travou
várias aberrações.
O risco de desabastecimento de insumos em
consequência da guerra e das sanções econômicas impostas à Rússia é real. Mas
essa preocupação já existia antes da invasão da Ucrânia. O Brasil importa 85%
dos fertilizantes usados na agricultura. É o quarto consumidor mundial, atrás
de China, Índia e Estados Unidos. Um quarto das importações vem da Rússia. É
fato também que a dependência externa tem aumentado (em 2017, 76% vinham de
fora). Por isso já estava em discussão desde o ano passado um Plano Nacional de
Fertilizantes, com o objetivo de incentivar a produção interna e de aumentar a
autossuficiência. É uma meta desejável, mas é preciso ter sensatez.
Ainda bem que, apesar do pânico semeado por
Bolsonaro, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, tem demonstrado
serenidade ao tratar do assunto. Na quarta-feira, afirmou que o conflito na
Ucrânia não terá impacto imediato na produção agrícola. Disse que a safra atual
não necessita mais de fertilizantes. A preocupação surgiria na próxima, entre
setembro e outubro. Também nesse caso, segundo ela, haveria “volume suficiente
para chegar até outubro”. Tereza Cristina deverá viajar ao Canadá, maior
produtor de potássio, para tentar ampliar os estoques.
Seria um erro tomar decisões por decreto. É
fundamental que a proposta de autorizar exploração mineral na Amazônia e em
reservas indígenas seja debatida no Congresso, onde certamente enfrentará forte
resistência. Sem dúvida, a dependência do mercado externo para compra de
fertilizantes impõe desafios. O Brasil, dono de um agronegócio pujante, tem capacidade
de enfrentá-los. Mas não deve tentar resolver um problema criando outro.
Conflitos como os da Ucrânia e seus inexoráveis efeitos na economia felizmente
não duram para sempre. Os danos ao meio ambiente, infelizmente, sim.
É preciso fazer o possível para trazer
crianças de volta às escolas
O Globo
A pandemia de Covid-19 provocou estragos na
educação e, a cada dia, descobre-se um novo problema. Como mostrou reportagem
do GLOBO, nos dois últimos anos as escolas particulares brasileiras perderam
quase 1 milhão de matrículas, ou 10% do total. A redução, que interrompeu uma
tendência de crescimento, não afeta somente o mercado privado, mas também o
público, pois parte desses alunos teve como destino escolas municipais,
estaduais ou federais.
A educação infantil foi a mais prejudicada.
Perdeu quase 600 mil matrículas. Na pré-escola a debandada foi de 308 mil, e
nas creches de 298 mil. Vários motivos explicam a fuga. Um deles é a
dificuldade de crianças mais novas acompanharem as aulas remotas durante o
confinamento. Hoje está claro o equívoco que foi manter as escolas fechadas por
tanto tempo. O ensino remoto, tanto nas instituições públicas quanto nas
privadas, em todos os níveis, fracassou. Para os pequenos, que sentem maior
necessidade de acompanhamento especializado, a situação foi mais dramática. Ao
GLOBO, uma mãe contou que tirou o filho da escola privada porque as aulas
remotas não prendiam sua atenção.
Outro aspecto que deve ser levado em conta
é a crise financeira deflagrada pela pandemia. Inúmeras atividades foram
paralisadas. O setor de serviços encolheu, principalmente no primeiro ano.
Empregos desapareceram. A renda caiu. Mesmo com o auxílio emergencial pago às
famílias mais vulneráveis, a perda de poder aquisitivo foi notável. Isso acabou
pesando na opção dos pais por manter os filhos em escolas particulares,
sobretudo quando eles passavam mais tempo em casa que na escola.
No momento em que as aulas presenciais são
retomadas, alguns desafios se impõem. Primeiro, muitas das escolas particulares
não suportaram o baque da pandemia e acabaram fechando as portas. Há menos
vagas hoje que antes. O mercado só deverá se normalizar em 2023. Segundo, em
virtude da crise, muitos pais decidiram matricular os filhos em escolas
públicas. Só que a rede pública mal estava preparada para receber seus próprios
alunos. Que dizer de atender a uma demanda extra, com que não contava? Na
educação infantil, convém lembrar, faltam vagas sobretudo na rede pública.
A solução para o problema é óbvia, ainda
que não seja de fácil execução. Nenhuma criança poderia ficar sem matrícula.
Não cursar a pré-escola traz impactos significativos ao longo da vida delas. Se
as escolas públicas não se prepararam para receber parte dos alunos vindos da
rede privada — diante dos estragos provocados pelo vírus, não era difícil
prever que isso aconteceria —, então que se preparem agora, pois o ano letivo
está só começando. As crianças já foram prejudicadas demais enquanto as escolas
estavam fechadas. Só faltava ficarem em casa quando as escolas estão abertas.
Preços de guerra
Folha de S. Paulo
Agressão à Ucrânia eleva risco de decisão
temerária sobre combustível no Brasil
O principal impacto econômico da guerra na
Ucrânia para o mundo até o momento é o salto
nos preços das matérias-primas, que vai além da energia e já contamina
produtos agrícolas e insumos industriais.
Com a cotação do petróleo em quase US$ 115,
o gás batendo recordes na Europa e soja, trigo e milho nos maiores patamares
dos últimos anos, o custo de produção e transporte dispara e aumenta o risco de
uma recaída recessiva.
No Brasil, o quadro inflacionário também se
deteriora. As expectativas para a variação neste ano do principal índice, o
IPCA, subiram de 5% para 5,6% em poucas semanas, muito além da meta do Banco
Central, fixada em 3,5%.
O quadro não era simples antes, na medida
em que os mecanismos de indexação do choque de preços ocasionado pela pandemia
já exigiam um aumento significativo dos juros, que devem chegar a 12,5% anuais
segundo as projeções.
O cenário mais otimista, viável há algumas
semanas, era o de acomodação das pressões com a normalização das cadeias de
fornecimento globais que se seguiria ao arrefecimento da emergência sanitária.
Com a renovada alta das matérias-primas,
tal quadro deixou de ser realista. O mais provável agora é uma nova onda de
repasses, que deve prolongar o prazo de convergência para as metas de inflação
e, com isso, levar a juros mais elevados. As chances de retomada da atividade
ficam ainda menores.
Nesse contexto, e com a arrecadação de
impostos nas alturas, crescem as demandas por medidas compensatórias do
governo. A busca de Jair Bolsonaro (PL) pela reeleição pode levar a más
decisões e novos abalos nas contas públicas.
O tema mais urgente é o do preço dos
combustíveis, que terá atenção iminente do Congresso. O presidente do Senado,
Rodrigo Pacheco (PSD-MG), deve colocar dois
projetos em votação.
O primeiro, que enfrenta resistência de
governadores, lida com a estabilização do ICMS cobrado pelos estados; o outro,
que seria danoso, cria um fundo com recursos públicos para estabilizar os
custos para o consumidor na bomba e pode abrir espaço para interferência na
política de preços da Petrobras.
Também se cogitam eliminar impostos
federais sobre a gasolina e o diesel —algo que poderia custar R$ 50 bilhões
anuais.
É preciso buscar soluções que minimizem os
impactos para a população na emergência atual, mas sem voluntarismo que
danifique ainda mais o depauperado Orçamento federal ou resulte em retrocessos
na gestão profissional da empresa estatal do setor.
Parcialidade suspeita
Folha de S. Paulo
Afastamento de magistrados por suposta
atitude tendenciosa deve ser exceção
Ainda são poucos casos para configurar uma
nova tendência, mas mesmo assim chamam a atenção decisões
recentes de tribunais em favor de políticos influentes investigados
por corrupção ou improbidade administrativa.
Em uma delas, o Tribunal Regional Federal
da 3ª Região declarou suspeito o juiz que cuidou de ação decorrente da Operação
Lama Asfáltica, uma apuração sobre possível desvio de R$ 235 milhões ocorrido
em Mato Grosso do Sul.
Estavam envolvidos o ex-governador André
Puccinelli (MDB), que chegou a ser preso, e o ex-deputado federal Edson Giroto
(MDB).
Em outro caso, o Tribunal de Justiça de
Alagoas afastou o magistrado à frente do processo relacionado com a Operação
Taturana, deflagrada em 2007 para investigar desvios na Assembleia Legislativa
do estado. Ninguém menos que Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos
Deputados, beneficiou-se da decisão judicial.
As canetadas vêm na esteira da declaração
de parcialidade do ex-juiz Sergio Moro, da Lava Jato, pelo Supremo Tribunal
Federal —e escrevem uma história complexa sobre o Judiciário brasileiro.
O imbróglio se desenrola em torno do
princípio da imparcialidade do julgamento, elemento basilar do processo
inscrito na Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Tribunais de exceção e juízos persecutórios
ou absolutórios não se coadunam com a democracia, e é por isso que a lei prevê
situações em que o magistrado deve ser considerado suspeito ou impedido.
Essa espada, porém, não corta apenas para
um lado. Ela também protege o próprio juiz —e o Estado, como consequência— de
eventuais pressões e manobras perpetradas por réus poderosos. Daí por que a
Constituição lista garantias para sua independência.
O equilíbrio entre essas diferentes
proteções deve ser o objetivo último de quem vier a considerar o afastamento de
um magistrado. Quando Moro foi derrotado no STF, acumulavam-se evidências sobre
seu interesse na condenação de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
E essa deveria ser a regra: o afastamento
de juízes ocorrendo somente em situações excepcionais e, de preferência, em
ordem expedida por uma corte superior.
Não custa lembrar que, no âmbito estadual,
é enorme a influência dos políticos nos TJs. Basta dizer que cabe ao governador
nomear os desembargadores.
O sistema judicial brasileiro, além disso,
conta com inúmeros graus de jurisdição, de modo que eventuais erros em primeira
instância podem ser corrigidos depois.
O isolamento de Putin
O Estado de S. Paulo
Com anos de atraso, o mundo despertou para a ameaça de Putin. Seu isolamento é crescente, mas não há sinais de que será dissuadido. É preciso se preparar para o pior
A Assembleia-Geral da ONU aprovou, com 141
votos, uma resolução demandando que a Rússia “retire imediata, completa e
incondicionalmente todas as suas forças militares do território da Ucrânia”. Os
votos contrários – de Bielorússia, Coreia do Norte, Eritreia e Síria – mostram
o grau de isolamento diplomático do presidente russo, Vladimir Putin, mas as 35
abstenções – incluindo China e Índia – mostram também que esse isolamento está
longe de ser completo.
A resposta internacional foi mais dura e
coordenada do que Putin esperava. A Rússia está sendo obliterada do sistema
financeiro global; diversos países fecharam o espaço aéreo a aeronaves russas;
países europeus promoveram uma reversão histórica em sua política de segurança;
e a Otan ganhou um novo senso de propósito.
Na Ucrânia, o Exército russo tampouco
conquistou a vitória rápida e fácil que Putin esperava. Os ucranianos têm sido
mundialmente celebrados por seu exemplo de patriotismo e coragem.
Domesticamente, a dissidência também dá mostras de valentia e a elite russa dá
sinais de desconforto.
A substantiva reação internacional
contrasta com o histórico de leniência com as seguidas agressões russas nos
últimos anos, do assalto cibernético à Estônia, em 2007, passando pela guerra
na Geórgia, em 2008, até a ocupação da Crimeia, em 2014.
Mas antes tarde do que nunca. Ainda assim,
nada permite supor que Putin buscará uma solução antes de derramar muito
sangue, muito menos recuará. Ao contrário. Imerso em uma atmosfera de paranoia e
orgulho, acuado a ponto de vislumbrar talvez pela primeira vez riscos à sua
sobrevivência, tudo indica que ele escalará o conflito. As ameaças nucleares
são um sinal tenebroso. Sintomaticamente, no mesmo dia em que a ONU aprovou sua
resolução, os russos capturaram a primeira grande cidade ucraniana, Kherson, e
intensificaram os bombardeios no sul e no norte. A Rússia reconheceu baixas
significativas e, como retaliação, ataques indiscriminados a civis são mais do
que prováveis.
A comunidade internacional tem um triplo
desafio: manter vivas, por escassas que sejam, as possibilidades de resoluções
pacíficas; responder energicamente à provável escalada; e reduzir os riscos de
um choque entre a Rússia e a Otan.
Nas negociações com a Ucrânia, a delegação
russa não deu sinais de recuo nas demandas maximalistas que desmembrariam ainda
mais o território da Ucrânia e eliminariam de facto a sua independência.
Internamente, uma mistura de fracasso
militar, angústia das elites e revolta da população poderia levar a uma deposição
de Putin, como aconteceu com Nikita Kruchev após a crise dos mísseis em Cuba.
Mas, se é difícil vislumbrar esse desfecho a médio prazo, a curto é
praticamente impossível. Ainda assim, os generais russos deveriam ser
advertidos de que condenações por crimes de guerra ainda podem ser evitadas se
forem capazes de neutralizar Putin.
O representante chinês na ONU disse que a
resolução não considerou “a urgência de se promover uma resolução política e
avançar esforços diplomáticos”. A China deveria ser conclamada a ser
consistente com suas palavras, pressionar por um cessar-fogo e estabelecer
limites claros à sua aliança com Putin, sob pena de pôr em risco seus negócios
com a Europa e os EUA.
Por mais doloroso que seja para a economia
mundial, o Ocidente deve estar preparado para impor um embargo sobre o petróleo
e o gás da Rússia, que respondem por mais de 40% das suas receitas. Entre as
opções militares, é preciso resistir a manobras que podem levar a um confronto
direto entre a Rússia e a Otan – como a instauração de uma zona de proibição de
voo.
Só os ucranianos podem dizer até onde estão
dispostos a lutar por sua soberania. Mas eles não podem ser deixados sós. A ONU
precisa mobilizar mais recursos humanitários. A Europa, em especial, tem a
missão de abrir os braços aos refugiados. O aceno à integração ao bloco é um
apoio moral aos negociadores ucranianos. Sobretudo, os ucranianos precisam de
mais e melhores armas para se defender. Com pouco mais de uma semana de
conflito, eles mostraram que têm determinação para isso, mas, contra o poderio
russo, só vontade não basta.
O Brasil e a inflação da guerra
O Estado de S. Paulo
Invasão da Ucrânia afeta um mercado global já inflacionado e pode agravar o forte desarranjo dos preços no Brasil
Bombas e tiros na Ucrânia atingem os
mercados, fazem os preços explodir e afetam quem vive a milhares de quilômetros
da guerra, como a população do Brasil, já sujeita à inflação elevada e alto
desemprego. A violência russa logo impactou as cotações de matérias-primas
essenciais, como petróleo, trigo e milho, agravando o quadro inflacionário
global. No começo do ano, quando o presidente Vladimir Putin ainda se preparava
para ordenar o ataque, o custo de vida batia um recorde de três décadas num
grande conjunto de países desenvolvidos e emergentes. Em janeiro, a inflação
anual chegou a 7,2% na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), formada por 39 associados. Foi a maior taxa desde fevereiro de 1991. No
Brasil, a alta acumulada atingiu 10,38%.
A guerra da Rússia contra a Ucrânia
complica, portanto, um quadro de preços já muito ruim no mercado internacional
e no Brasil. Neste ano, a inflação brasileira deve ser menor que a do ano
passado, segundo se prevê no mercado e no Ministério da Economia. Mas as
projeções de entidades financeiras e de importantes consultorias têm piorado.
Em quatro semanas passou de 5,38% para 5,60% o aumento estimado para a taxa
oficial, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). As
projeções são aquelas coletadas semanalmente na pesquisa Focus, do Banco Central (BC).
Mas os brasileiros devem ser afetados tanto
pela inflação quanto pela política anti-inflacionária. Ainda muito elevada e
agora sujeita a efeitos da guerra na Ucrânia, a inflação brasileira vem sendo
combatida pelo BC com forte aperto monetário. Os juros básicos chegaram a
10,75%, devem logo passar a 11,75% e antes do fim do ano baterão em 12,25%,
segundo a mediana das projeções do mercado. O quadro poderá ficar pior,
naturalmente, se a insegurança ocasionada pelo presidente Vladimir Putin se
prolongar.
Não há, por enquanto, perspectiva de alívio
na política monetária antes do próximo ano, quando a taxa básica poderá,
segundo se estima, cair para 8%, ainda superando amplamente os juros da maior
parte das grandes economias. Além disso, o espaço de manobra do BC brasileiro
poderá ser diminuído pela política do Federal Reserve (Fed), condutor da
política monetária nos Estados Unidos.
Segundo anunciou na quarta-feira o
presidente do Fed, Jerome Powell, uma alta de 0,25 ponto porcentual deverá
ocorrer neste mês. Com isso, a referência passará da atual faixa de 0 a 0,25%
para 0,25% a 0,50% ao ano. Nos meses seguintes poderá haver aumentos de até 0,5
ponto, acrescentou, se a inflação for resistente. Em janeiro, chegou a 7,5%,
nos Estados Unidos, a alta dos preços ao consumidor acumulada em 12 meses. Foi
a maior taxa em quatro décadas. Muito ruim para o consumidor americano, essa
inflação é péssima para a imagem do presidente Joe Biden e um enorme desafio
para os dirigentes do Fed.
Juros americanos têm grande influência
internacional, afetando amplamente os mercados de crédito e de câmbio. É muito
difícil abrandar a política monetária, no Brasil e em muitos outros países,
ignorando as indicações fixadas nos Estados Unidos.
Brasileiros e americanos, no entanto,
enfrentarão o aperto monetário deste ano a partir de condições muito
diferentes. Nos Estados Unidos, o desemprego em janeiro correspondeu a 4% da
força de trabalho, taxa calculada com desconto dos efeitos sazonais. No Brasil,
estava em 11,1%, no trimestre encerrado em dezembro, num cenário favorecido
pelas condições sazonais do fim de ano.
Em 2021 a economia americana cresceu 5,7%,
compensando com ampla folga a perda de 3,4% em 2020. A economia brasileira
recuou 3,9% em 2020, cresceu menos de 5% no ano seguinte, segundo estimativas
preliminares, e deve avançar 0,3% em 2022, de acordo com o boletim Focus. Para
os Estados Unidos estima-se expansão econômica de 3,5%. Com inflação alta e
juros elevados, qualquer avanço econômico mais próximo de 1% será
surpreendente. Os efeitos da guerra apenas complicam, no Brasil, um cenário já
muito inquietante.
Afronta à segurança pública
O Estado de S. Paulo
O bolsonarismo tenta mais uma manobra para dificultar o controle das armas no País, limitando a ação da PF
É sabido que Jair Bolsonaro tenta armar a
população. Seu intento agride a Constituição, o Estatuto do Desarmamento (Lei
10.826/2003) e a experiência consolidada relativa às boas práticas de segurança
pública. Trata-se de um total disparate, que felizmente não recebeu nenhuma
acolhida do Congresso. Assim como se vê em tantos outros itens de sua agenda do
retrocesso, o bolsonarismo está sozinho em sua pretensão de aumentar o número
de armas de fogo na sociedade.
No entanto, apesar desse isolamento, a
família Bolsonaro continua agindo para promover o armamento da população. No
ano passado, na véspera do feriado de carnaval, em plena pandemia, o governo
federal divulgou quatro decretos que ampliaram o acesso a armas de fogo e afrouxaram
o seu controle pelo poder público. As medidas do Executivo desrespeitavam a Lei
10.826/2003 e foram questionadas no Supremo Tribunal Federal (STF), que
suspendeu, por liminar, parte de seu conteúdo. A análise do caso pelo plenário
da Corte está suspensa desde setembro de 2021 em razão de pedido de vista do
ministro Kassio Nunes.
Agora, segundo revelou o Estadão, o terceiro filho do
presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (União Brasil-SP), vem
articulando um movimento nas assembleias estaduais para facilitar o porte de
armas para os chamados CACs (caçadores, atiradores e colecionadores).
Levantamento do jornal identificou projetos de lei com a mesma finalidade em 13
Estados e no Distrito Federal, apresentados até o início de fevereiro. Ao menos
em Rondônia e no Distrito Federal, as propostas já foram aprovadas.
A manobra é escandalosa. A Polícia Federal
(PF) é o órgão competente para analisar a necessidade dos pedidos de porte de
arma pela população civil. Pois bem, os projetos de lei estadual buscam reduzir
esse poder de controle da PF classificando os CACs, maior segmento armado do
País, como “atividade de risco”. Com isso, a polícia tem mais dificuldade para
negar pedidos de porte de arma feitos pelos CACs, que, vale lembrar, já são
autorizados a transitar com armas municiadas no deslocamento entre a casa e o
local oficial de tiro. Ou seja, com um falso pretexto de segurança dos CACs, o
bolsonarismo deseja que essas pessoas tenham porte de armas liberado
permanentemente, o que afronta a legislação brasileira.
Em abril de 2020, quando Jair Bolsonaro
revogou três portarias técnicas do Comando Logístico (Colog) do Exército sobre
monitoramento de armas e munições, Eduardo Bolsonaro justificou a interferência
do pai em assunto do Exército alegando que havia no País “pela primeira vez um
presidente não desarmamentista”. Eis a confusão bolsonarista. Jair Bolsonaro
pode ter a opinião que quiser sobre armas de fogo e sonhar com o dia em que
sejam revogados todos os controles sobre compra, transporte e uso de armas, mas
não é ele quem faz as leis. É o Congresso.
Por isso, quando o bolsonarismo atua para
burlar as condições e restrições da lei, ele não apenas instiga a violência.
Ele afronta as atribuições do Legislativo.
Empolgação do investidor estrangeiro
enfrentará teste
Valor Econômico
Investimento direto não está eternamente
imune ao efeito negativo de políticas como a deterioração das condições fiscais
O investidor estrangeiro começou o ano
animado com o Brasil. Resta saber se a empolgação vai resistir às turbulências
no mercado financeiro causadas pela invasão da Ucrânia pela Rússia na semana
passada, e pelas eleições presidenciais no segundo semestre.
Em janeiro, o Investimento Direto no País
(IDP) registrou saldo positivo de US$ 4,7 bilhões, o melhor resultado para o
mês desde 2018, segundo o Banco Central (BC). O número é 35,4% superior ao
ingresso registrado em janeiro de 2021. O IDP compreende a participação no
capital de empresas locais e operações intercompanhias, que envolvem um crédito
dentro do próprio grupo. São considerados fluxos de recursos estáveis e de
longo prazo.
O total de capital externo investido em
janeiro superou as expectativas do próprio BC, que estimava entrada de US$ 3,2
bilhões, e a surpresa foi devida, em boa parte, ao aumento de 75% do
reinvestimento de lucros em relação a dezembro. Os reinvestimentos de lucros
não impactam os fluxos de dólares no mercado de câmbio porque os recursos se
originam de resultados apurados dentro do país. Mas significam que o investidor
está repicando a aposta no Brasil. Apenas US$ 307 milhões foram resultado de
operações intercompanhia.
Os números preliminares indicam que
fevereiro seguiu com fluxo expressivo de IDP. Do início do mês até o dia 18,
acumulava US$ 8,9 bilhões, quase o dobro do registrado em janeiro. Nesse
período, o BC não detectou o reinvestimento de lucros, mas sim operações
comuns, algumas com valor individual mais elevado. A estimativa do BC é que o
número feche o mês em US$ 10 bilhões, o que será o maior montante desde agosto
de 2019, quando houve ingresso de US$ 11,2 bilhões.
Também está expressivo o fluxo de capital
externo para aplicações no mercado financeiro, chamado de investimento em
carteira, que se caracteriza por maior volatilidade e dependência do humor do
mercado no curto prazo. Nesse caso, a entrada líquida foi de US$ 5,7 bilhões em
janeiro, sendo US$ 2,2 bilhões em ações e fundos de investimentos e US$ 3,5
bilhões em título de dívida.
As parciais de fevereiro, até o dia 18,
contabilizadas pelo BC, mostraram, porém, uma reversão dessa dinâmica. Apesar
da alta dos juros, o que aumentou a rentabilidade da renda fixa, houve uma
saída líquida de US$ 2,3 bilhões dessas aplicações, enquanto ações e fundos de
investimento registraram ingresso de US$ 4,96 bilhões.
A expectativa do BC é de continuidade de
recuperação da entrada de investimentos estrangeiros, depois de ter desabado no
primeiro ano da pandemia. A estimativa do BC é que o IDP atinja US$ 55 bilhões
neste ano, um patamar superior ao de US$ 46,4 bilhões registrado em 2021 e
acima dos US$ 37,8 bilhões de 2020. Ainda assim, distante dos registros
anteriores à pandemia. Em 2019, IDP totalizou US$ 69,2 bilhões. O ponto máximo
foi um ano antes, em 2018, com US$ 78,9 bilhões.
O estoque de Investimento Direto no País
diminuiu US$ 109 bilhões em 2020, ficando em US$ 765 bilhões, como mostra o
Relatório de Investimento Direto, divulgado em dezembro. O número representa
uma queda de 12,4% em relação a 2019. A redução foi sobretudo causada pelo
efeito cambial, negativo em US$ 140,1 bilhões. Ainda assim foram menos voláteis
do que os investimentos em carteira e outros como empréstimos e créditos
comerciais. Do total de Investimento Direto no País registrado em 2020, US$
521,3 bilhões se referiam à participação direta no capital, e US$ 244,1 bilhões
a operações intercompanhia. Das participações em capital, quase 60% estavam no
setor de serviços, 30% na indústria, 10% na agricultura. Os percentuais correspondem
à distribuição do PIB. Há dez anos, estavam 45% em serviços, 39% na indústria e
16% na agricultura.
Os dados de 2021 ainda não estão
disponíveis, mas é bastante provável que o efeito do câmbio tenha novamente
reduzido o volume do Investimento Direto no País. O IDP é considerado a fonte
mais estável de financiamento do balanço de pagamentos e tem funcionado assim
no Brasil. Até mesmo em 2020 quando encolheu devido à crise global causada pela
pandemia, foi suficiente para cobrir o déficit em conta corrente. O mesmo
aconteceu no ano passado. Mesmo sendo inspirados por uma avaliação de longo
prazo da economia do país, o investimento direto não está eternamente imune ao
efeito negativo de políticas como a deterioração das condições fiscais, o
menosprezo pelas práticas ambientais corretas ou os ataques inspirados por
antipatias pessoais.
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