sexta-feira, 4 de março de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais

EDITORIAIS

Guerra não pode ser pretexto para liberar exploração mineral

O Globo

O presidente Jair Bolsonaro vislumbrou na Guerra da Ucrânia, que deverá afetar a importação de fertilizantes pelo agronegócio brasileiro, um pretexto para tentar liberar a exploração mineral em terras indígenas. Se é verdadeira a dependência do país, sobretudo da Rússia e da Bielorrússia, nossos principais fornecedores, a tentativa de desencavar um projeto enviado ao Congresso em 2020, ainda não apreciado pelo Parlamento, não passa de oportunismo político. Quer aproveitar o conflito para tocar mais uma “boiada” sobre as já depauperadas normas ambientais.

Nas redes sociais, Bolsonaro afirmou que, “com a guerra Rússia/Ucrânia, hoje corremos risco da falta de potássio ou aumento do seu preço”. Ainda segundo ele, “nossa segurança alimentar e agronegócio (Economia) exigem de nós, Executivo e Legislativo, medidas que nos permitam a não dependência externa de algo que temos em abundância”. Foi uma referência velada às jazidas de potássio que ele supõe existirem em terras indígenas na Amazônia.

O projeto de exploração enviado ao Congresso é amplo. Prevê liberação dessas terras em atividades como mineração, exploração de petróleo, gás ou construção de hidrelétricas. Não pode ser debatido no calor de uma guerra, muito menos de forma açodada, por um governo que tem se esmerado em promover o desmonte dos órgãos ambientais e da legislação de proteção ao meio ambiente. A situação só não é mais catastrófica devido aos freios impostos pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que travou várias aberrações.

O risco de desabastecimento de insumos em consequência da guerra e das sanções econômicas impostas à Rússia é real. Mas essa preocupação já existia antes da invasão da Ucrânia. O Brasil importa 85% dos fertilizantes usados na agricultura. É o quarto consumidor mundial, atrás de China, Índia e Estados Unidos. Um quarto das importações vem da Rússia. É fato também que a dependência externa tem aumentado (em 2017, 76% vinham de fora). Por isso já estava em discussão desde o ano passado um Plano Nacional de Fertilizantes, com o objetivo de incentivar a produção interna e de aumentar a autossuficiência. É uma meta desejável, mas é preciso ter sensatez.

Ainda bem que, apesar do pânico semeado por Bolsonaro, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, tem demonstrado serenidade ao tratar do assunto. Na quarta-feira, afirmou que o conflito na Ucrânia não terá impacto imediato na produção agrícola. Disse que a safra atual não necessita mais de fertilizantes. A preocupação surgiria na próxima, entre setembro e outubro. Também nesse caso, segundo ela, haveria “volume suficiente para chegar até outubro”. Tereza Cristina deverá viajar ao Canadá, maior produtor de potássio, para tentar ampliar os estoques.

Seria um erro tomar decisões por decreto. É fundamental que a proposta de autorizar exploração mineral na Amazônia e em reservas indígenas seja debatida no Congresso, onde certamente enfrentará forte resistência. Sem dúvida, a dependência do mercado externo para compra de fertilizantes impõe desafios. O Brasil, dono de um agronegócio pujante, tem capacidade de enfrentá-los. Mas não deve tentar resolver um problema criando outro. Conflitos como os da Ucrânia e seus inexoráveis efeitos na economia felizmente não duram para sempre. Os danos ao meio ambiente, infelizmente, sim.

É preciso fazer o possível para trazer crianças de volta às escolas

O Globo

A pandemia de Covid-19 provocou estragos na educação e, a cada dia, descobre-se um novo problema. Como mostrou reportagem do GLOBO, nos dois últimos anos as escolas particulares brasileiras perderam quase 1 milhão de matrículas, ou 10% do total. A redução, que interrompeu uma tendência de crescimento, não afeta somente o mercado privado, mas também o público, pois parte desses alunos teve como destino escolas municipais, estaduais ou federais.

A educação infantil foi a mais prejudicada. Perdeu quase 600 mil matrículas. Na pré-escola a debandada foi de 308 mil, e nas creches de 298 mil. Vários motivos explicam a fuga. Um deles é a dificuldade de crianças mais novas acompanharem as aulas remotas durante o confinamento. Hoje está claro o equívoco que foi manter as escolas fechadas por tanto tempo. O ensino remoto, tanto nas instituições públicas quanto nas privadas, em todos os níveis, fracassou. Para os pequenos, que sentem maior necessidade de acompanhamento especializado, a situação foi mais dramática. Ao GLOBO, uma mãe contou que tirou o filho da escola privada porque as aulas remotas não prendiam sua atenção.

Outro aspecto que deve ser levado em conta é a crise financeira deflagrada pela pandemia. Inúmeras atividades foram paralisadas. O setor de serviços encolheu, principalmente no primeiro ano. Empregos desapareceram. A renda caiu. Mesmo com o auxílio emergencial pago às famílias mais vulneráveis, a perda de poder aquisitivo foi notável. Isso acabou pesando na opção dos pais por manter os filhos em escolas particulares, sobretudo quando eles passavam mais tempo em casa que na escola.

No momento em que as aulas presenciais são retomadas, alguns desafios se impõem. Primeiro, muitas das escolas particulares não suportaram o baque da pandemia e acabaram fechando as portas. Há menos vagas hoje que antes. O mercado só deverá se normalizar em 2023. Segundo, em virtude da crise, muitos pais decidiram matricular os filhos em escolas públicas. Só que a rede pública mal estava preparada para receber seus próprios alunos. Que dizer de atender a uma demanda extra, com que não contava? Na educação infantil, convém lembrar, faltam vagas sobretudo na rede pública.

A solução para o problema é óbvia, ainda que não seja de fácil execução. Nenhuma criança poderia ficar sem matrícula. Não cursar a pré-escola traz impactos significativos ao longo da vida delas. Se as escolas públicas não se prepararam para receber parte dos alunos vindos da rede privada — diante dos estragos provocados pelo vírus, não era difícil prever que isso aconteceria —, então que se preparem agora, pois o ano letivo está só começando. As crianças já foram prejudicadas demais enquanto as escolas estavam fechadas. Só faltava ficarem em casa quando as escolas estão abertas.

Preços de guerra

Folha de S. Paulo

Agressão à Ucrânia eleva risco de decisão temerária sobre combustível no Brasil

O principal impacto econômico da guerra na Ucrânia para o mundo até o momento é o salto nos preços das matérias-primas, que vai além da energia e já contamina produtos agrícolas e insumos industriais.

Com a cotação do petróleo em quase US$ 115, o gás batendo recordes na Europa e soja, trigo e milho nos maiores patamares dos últimos anos, o custo de produção e transporte dispara e aumenta o risco de uma recaída recessiva.

No Brasil, o quadro inflacionário também se deteriora. As expectativas para a variação neste ano do principal índice, o IPCA, subiram de 5% para 5,6% em poucas semanas, muito além da meta do Banco Central, fixada em 3,5%.

O quadro não era simples antes, na medida em que os mecanismos de indexação do choque de preços ocasionado pela pandemia já exigiam um aumento significativo dos juros, que devem chegar a 12,5% anuais segundo as projeções.

O cenário mais otimista, viável há algumas semanas, era o de acomodação das pressões com a normalização das cadeias de fornecimento globais que se seguiria ao arrefecimento da emergência sanitária.

Com a renovada alta das matérias-primas, tal quadro deixou de ser realista. O mais provável agora é uma nova onda de repasses, que deve prolongar o prazo de convergência para as metas de inflação e, com isso, levar a juros mais elevados. As chances de retomada da atividade ficam ainda menores.

Nesse contexto, e com a arrecadação de impostos nas alturas, crescem as demandas por medidas compensatórias do governo. A busca de Jair Bolsonaro (PL) pela reeleição pode levar a más decisões e novos abalos nas contas públicas.

O tema mais urgente é o do preço dos combustíveis, que terá atenção iminente do Congresso. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), deve colocar dois projetos em votação.

O primeiro, que enfrenta resistência de governadores, lida com a estabilização do ICMS cobrado pelos estados; o outro, que seria danoso, cria um fundo com recursos públicos para estabilizar os custos para o consumidor na bomba e pode abrir espaço para interferência na política de preços da Petrobras.

Também se cogitam eliminar impostos federais sobre a gasolina e o diesel —algo que poderia custar R$ 50 bilhões anuais.

É preciso buscar soluções que minimizem os impactos para a população na emergência atual, mas sem voluntarismo que danifique ainda mais o depauperado Orçamento federal ou resulte em retrocessos na gestão profissional da empresa estatal do setor.

Parcialidade suspeita

Folha de S. Paulo

Afastamento de magistrados por suposta atitude tendenciosa deve ser exceção

Ainda são poucos casos para configurar uma nova tendência, mas mesmo assim chamam a atenção decisões recentes de tribunais em favor de políticos influentes investigados por corrupção ou improbidade administrativa.

Em uma delas, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região declarou suspeito o juiz que cuidou de ação decorrente da Operação Lama Asfáltica, uma apuração sobre possível desvio de R$ 235 milhões ocorrido em Mato Grosso do Sul.

Estavam envolvidos o ex-governador André Puccinelli (MDB), que chegou a ser preso, e o ex-deputado federal Edson Giroto (MDB).

Em outro caso, o Tribunal de Justiça de Alagoas afastou o magistrado à frente do processo relacionado com a Operação Taturana, deflagrada em 2007 para investigar desvios na Assembleia Legislativa do estado. Ninguém menos que Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados, beneficiou-se da decisão judicial.

As canetadas vêm na esteira da declaração de parcialidade do ex-juiz Sergio Moro, da Lava Jato, pelo Supremo Tribunal Federal —e escrevem uma história complexa sobre o Judiciário brasileiro.

O imbróglio se desenrola em torno do princípio da imparcialidade do julgamento, elemento basilar do processo inscrito na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Tribunais de exceção e juízos persecutórios ou absolutórios não se coadunam com a democracia, e é por isso que a lei prevê situações em que o magistrado deve ser considerado suspeito ou impedido.

Essa espada, porém, não corta apenas para um lado. Ela também protege o próprio juiz —e o Estado, como consequência— de eventuais pressões e manobras perpetradas por réus poderosos. Daí por que a Constituição lista garantias para sua independência.

O equilíbrio entre essas diferentes proteções deve ser o objetivo último de quem vier a considerar o afastamento de um magistrado. Quando Moro foi derrotado no STF, acumulavam-se evidências sobre seu interesse na condenação de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

E essa deveria ser a regra: o afastamento de juízes ocorrendo somente em situações excepcionais e, de preferência, em ordem expedida por uma corte superior.

Não custa lembrar que, no âmbito estadual, é enorme a influência dos políticos nos TJs. Basta dizer que cabe ao governador nomear os desembargadores.

O sistema judicial brasileiro, além disso, conta com inúmeros graus de jurisdição, de modo que eventuais erros em primeira instância podem ser corrigidos depois.

O isolamento de Putin

O Estado de S. Paulo

Com anos de atraso, o mundo despertou para a ameaça de Putin. Seu isolamento é crescente, mas não há sinais de que será dissuadido. É preciso se preparar para o pior

A Assembleia-Geral da ONU aprovou, com 141 votos, uma resolução demandando que a Rússia “retire imediata, completa e incondicionalmente todas as suas forças militares do território da Ucrânia”. Os votos contrários – de Bielorússia, Coreia do Norte, Eritreia e Síria – mostram o grau de isolamento diplomático do presidente russo, Vladimir Putin, mas as 35 abstenções – incluindo China e Índia – mostram também que esse isolamento está longe de ser completo.

A resposta internacional foi mais dura e coordenada do que Putin esperava. A Rússia está sendo obliterada do sistema financeiro global; diversos países fecharam o espaço aéreo a aeronaves russas; países europeus promoveram uma reversão histórica em sua política de segurança; e a Otan ganhou um novo senso de propósito.

Na Ucrânia, o Exército russo tampouco conquistou a vitória rápida e fácil que Putin esperava. Os ucranianos têm sido mundialmente celebrados por seu exemplo de patriotismo e coragem. Domesticamente, a dissidência também dá mostras de valentia e a elite russa dá sinais de desconforto.

A substantiva reação internacional contrasta com o histórico de leniência com as seguidas agressões russas nos últimos anos, do assalto cibernético à Estônia, em 2007, passando pela guerra na Geórgia, em 2008, até a ocupação da Crimeia, em 2014.

Mas antes tarde do que nunca. Ainda assim, nada permite supor que Putin buscará uma solução antes de derramar muito sangue, muito menos recuará. Ao contrário. Imerso em uma atmosfera de paranoia e orgulho, acuado a ponto de vislumbrar talvez pela primeira vez riscos à sua sobrevivência, tudo indica que ele escalará o conflito. As ameaças nucleares são um sinal tenebroso. Sintomaticamente, no mesmo dia em que a ONU aprovou sua resolução, os russos capturaram a primeira grande cidade ucraniana, Kherson, e intensificaram os bombardeios no sul e no norte. A Rússia reconheceu baixas significativas e, como retaliação, ataques indiscriminados a civis são mais do que prováveis.

A comunidade internacional tem um triplo desafio: manter vivas, por escassas que sejam, as possibilidades de resoluções pacíficas; responder energicamente à provável escalada; e reduzir os riscos de um choque entre a Rússia e a Otan.

Nas negociações com a Ucrânia, a delegação russa não deu sinais de recuo nas demandas maximalistas que desmembrariam ainda mais o território da Ucrânia e eliminariam de facto a sua independência.

Internamente, uma mistura de fracasso militar, angústia das elites e revolta da população poderia levar a uma deposição de Putin, como aconteceu com Nikita Kruchev após a crise dos mísseis em Cuba. Mas, se é difícil vislumbrar esse desfecho a médio prazo, a curto é praticamente impossível. Ainda assim, os generais russos deveriam ser advertidos de que condenações por crimes de guerra ainda podem ser evitadas se forem capazes de neutralizar Putin.

O representante chinês na ONU disse que a resolução não considerou “a urgência de se promover uma resolução política e avançar esforços diplomáticos”. A China deveria ser conclamada a ser consistente com suas palavras, pressionar por um cessar-fogo e estabelecer limites claros à sua aliança com Putin, sob pena de pôr em risco seus negócios com a Europa e os EUA.

Por mais doloroso que seja para a economia mundial, o Ocidente deve estar preparado para impor um embargo sobre o petróleo e o gás da Rússia, que respondem por mais de 40% das suas receitas. Entre as opções militares, é preciso resistir a manobras que podem levar a um confronto direto entre a Rússia e a Otan – como a instauração de uma zona de proibição de voo.

Só os ucranianos podem dizer até onde estão dispostos a lutar por sua soberania. Mas eles não podem ser deixados sós. A ONU precisa mobilizar mais recursos humanitários. A Europa, em especial, tem a missão de abrir os braços aos refugiados. O aceno à integração ao bloco é um apoio moral aos negociadores ucranianos. Sobretudo, os ucranianos precisam de mais e melhores armas para se defender. Com pouco mais de uma semana de conflito, eles mostraram que têm determinação para isso, mas, contra o poderio russo, só vontade não basta.

O Brasil e a inflação da guerra

O Estado de S. Paulo

Invasão da Ucrânia afeta um mercado global já inflacionado e pode agravar o forte desarranjo dos preços no Brasil

Bombas e tiros na Ucrânia atingem os mercados, fazem os preços explodir e afetam quem vive a milhares de quilômetros da guerra, como a população do Brasil, já sujeita à inflação elevada e alto desemprego. A violência russa logo impactou as cotações de matérias-primas essenciais, como petróleo, trigo e milho, agravando o quadro inflacionário global. No começo do ano, quando o presidente Vladimir Putin ainda se preparava para ordenar o ataque, o custo de vida batia um recorde de três décadas num grande conjunto de países desenvolvidos e emergentes. Em janeiro, a inflação anual chegou a 7,2% na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), formada por 39 associados. Foi a maior taxa desde fevereiro de 1991. No Brasil, a alta acumulada atingiu 10,38%.

A guerra da Rússia contra a Ucrânia complica, portanto, um quadro de preços já muito ruim no mercado internacional e no Brasil. Neste ano, a inflação brasileira deve ser menor que a do ano passado, segundo se prevê no mercado e no Ministério da Economia. Mas as projeções de entidades financeiras e de importantes consultorias têm piorado. Em quatro semanas passou de 5,38% para 5,60% o aumento estimado para a taxa oficial, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). As projeções são aquelas coletadas semanalmente na pesquisa Focus, do Banco Central (BC).

Mas os brasileiros devem ser afetados tanto pela inflação quanto pela política anti-inflacionária. Ainda muito elevada e agora sujeita a efeitos da guerra na Ucrânia, a inflação brasileira vem sendo combatida pelo BC com forte aperto monetário. Os juros básicos chegaram a 10,75%, devem logo passar a 11,75% e antes do fim do ano baterão em 12,25%, segundo a mediana das projeções do mercado. O quadro poderá ficar pior, naturalmente, se a insegurança ocasionada pelo presidente Vladimir Putin se prolongar.

Não há, por enquanto, perspectiva de alívio na política monetária antes do próximo ano, quando a taxa básica poderá, segundo se estima, cair para 8%, ainda superando amplamente os juros da maior parte das grandes economias. Além disso, o espaço de manobra do BC brasileiro poderá ser diminuído pela política do Federal Reserve (Fed), condutor da política monetária nos Estados Unidos.

Segundo anunciou na quarta-feira o presidente do Fed, Jerome Powell, uma alta de 0,25 ponto porcentual deverá ocorrer neste mês. Com isso, a referência passará da atual faixa de 0 a 0,25% para 0,25% a 0,50% ao ano. Nos meses seguintes poderá haver aumentos de até 0,5 ponto, acrescentou, se a inflação for resistente. Em janeiro, chegou a 7,5%, nos Estados Unidos, a alta dos preços ao consumidor acumulada em 12 meses. Foi a maior taxa em quatro décadas. Muito ruim para o consumidor americano, essa inflação é péssima para a imagem do presidente Joe Biden e um enorme desafio para os dirigentes do Fed.

Juros americanos têm grande influência internacional, afetando amplamente os mercados de crédito e de câmbio. É muito difícil abrandar a política monetária, no Brasil e em muitos outros países, ignorando as indicações fixadas nos Estados Unidos.

Brasileiros e americanos, no entanto, enfrentarão o aperto monetário deste ano a partir de condições muito diferentes. Nos Estados Unidos, o desemprego em janeiro correspondeu a 4% da força de trabalho, taxa calculada com desconto dos efeitos sazonais. No Brasil, estava em 11,1%, no trimestre encerrado em dezembro, num cenário favorecido pelas condições sazonais do fim de ano.

Em 2021 a economia americana cresceu 5,7%, compensando com ampla folga a perda de 3,4% em 2020. A economia brasileira recuou 3,9% em 2020, cresceu menos de 5% no ano seguinte, segundo estimativas preliminares, e deve avançar 0,3% em 2022, de acordo com o boletim Focus. Para os Estados Unidos estima-se expansão econômica de 3,5%. Com inflação alta e juros elevados, qualquer avanço econômico mais próximo de 1% será surpreendente. Os efeitos da guerra apenas complicam, no Brasil, um cenário já muito inquietante.

Afronta à segurança pública

O Estado de S. Paulo

O bolsonarismo tenta mais uma manobra para dificultar o controle das armas no País, limitando a ação da PF

É sabido que Jair Bolsonaro tenta armar a população. Seu intento agride a Constituição, o Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003) e a experiência consolidada relativa às boas práticas de segurança pública. Trata-se de um total disparate, que felizmente não recebeu nenhuma acolhida do Congresso. Assim como se vê em tantos outros itens de sua agenda do retrocesso, o bolsonarismo está sozinho em sua pretensão de aumentar o número de armas de fogo na sociedade.

No entanto, apesar desse isolamento, a família Bolsonaro continua agindo para promover o armamento da população. No ano passado, na véspera do feriado de carnaval, em plena pandemia, o governo federal divulgou quatro decretos que ampliaram o acesso a armas de fogo e afrouxaram o seu controle pelo poder público. As medidas do Executivo desrespeitavam a Lei 10.826/2003 e foram questionadas no Supremo Tribunal Federal (STF), que suspendeu, por liminar, parte de seu conteúdo. A análise do caso pelo plenário da Corte está suspensa desde setembro de 2021 em razão de pedido de vista do ministro Kassio Nunes.

Agora, segundo revelou o Estadão, o terceiro filho do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (União Brasil-SP), vem articulando um movimento nas assembleias estaduais para facilitar o porte de armas para os chamados CACs (caçadores, atiradores e colecionadores). Levantamento do jornal identificou projetos de lei com a mesma finalidade em 13 Estados e no Distrito Federal, apresentados até o início de fevereiro. Ao menos em Rondônia e no Distrito Federal, as propostas já foram aprovadas.

A manobra é escandalosa. A Polícia Federal (PF) é o órgão competente para analisar a necessidade dos pedidos de porte de arma pela população civil. Pois bem, os projetos de lei estadual buscam reduzir esse poder de controle da PF classificando os CACs, maior segmento armado do País, como “atividade de risco”. Com isso, a polícia tem mais dificuldade para negar pedidos de porte de arma feitos pelos CACs, que, vale lembrar, já são autorizados a transitar com armas municiadas no deslocamento entre a casa e o local oficial de tiro. Ou seja, com um falso pretexto de segurança dos CACs, o bolsonarismo deseja que essas pessoas tenham porte de armas liberado permanentemente, o que afronta a legislação brasileira.

Em abril de 2020, quando Jair Bolsonaro revogou três portarias técnicas do Comando Logístico (Colog) do Exército sobre monitoramento de armas e munições, Eduardo Bolsonaro justificou a interferência do pai em assunto do Exército alegando que havia no País “pela primeira vez um presidente não desarmamentista”. Eis a confusão bolsonarista. Jair Bolsonaro pode ter a opinião que quiser sobre armas de fogo e sonhar com o dia em que sejam revogados todos os controles sobre compra, transporte e uso de armas, mas não é ele quem faz as leis. É o Congresso.

Por isso, quando o bolsonarismo atua para burlar as condições e restrições da lei, ele não apenas instiga a violência. Ele afronta as atribuições do Legislativo. 

Empolgação do investidor estrangeiro enfrentará teste

Valor Econômico

Investimento direto não está eternamente imune ao efeito negativo de políticas como a deterioração das condições fiscais

O investidor estrangeiro começou o ano animado com o Brasil. Resta saber se a empolgação vai resistir às turbulências no mercado financeiro causadas pela invasão da Ucrânia pela Rússia na semana passada, e pelas eleições presidenciais no segundo semestre.

Em janeiro, o Investimento Direto no País (IDP) registrou saldo positivo de US$ 4,7 bilhões, o melhor resultado para o mês desde 2018, segundo o Banco Central (BC). O número é 35,4% superior ao ingresso registrado em janeiro de 2021. O IDP compreende a participação no capital de empresas locais e operações intercompanhias, que envolvem um crédito dentro do próprio grupo. São considerados fluxos de recursos estáveis e de longo prazo.

O total de capital externo investido em janeiro superou as expectativas do próprio BC, que estimava entrada de US$ 3,2 bilhões, e a surpresa foi devida, em boa parte, ao aumento de 75% do reinvestimento de lucros em relação a dezembro. Os reinvestimentos de lucros não impactam os fluxos de dólares no mercado de câmbio porque os recursos se originam de resultados apurados dentro do país. Mas significam que o investidor está repicando a aposta no Brasil. Apenas US$ 307 milhões foram resultado de operações intercompanhia.

Os números preliminares indicam que fevereiro seguiu com fluxo expressivo de IDP. Do início do mês até o dia 18, acumulava US$ 8,9 bilhões, quase o dobro do registrado em janeiro. Nesse período, o BC não detectou o reinvestimento de lucros, mas sim operações comuns, algumas com valor individual mais elevado. A estimativa do BC é que o número feche o mês em US$ 10 bilhões, o que será o maior montante desde agosto de 2019, quando houve ingresso de US$ 11,2 bilhões.

Também está expressivo o fluxo de capital externo para aplicações no mercado financeiro, chamado de investimento em carteira, que se caracteriza por maior volatilidade e dependência do humor do mercado no curto prazo. Nesse caso, a entrada líquida foi de US$ 5,7 bilhões em janeiro, sendo US$ 2,2 bilhões em ações e fundos de investimentos e US$ 3,5 bilhões em título de dívida.

As parciais de fevereiro, até o dia 18, contabilizadas pelo BC, mostraram, porém, uma reversão dessa dinâmica. Apesar da alta dos juros, o que aumentou a rentabilidade da renda fixa, houve uma saída líquida de US$ 2,3 bilhões dessas aplicações, enquanto ações e fundos de investimento registraram ingresso de US$ 4,96 bilhões.

A expectativa do BC é de continuidade de recuperação da entrada de investimentos estrangeiros, depois de ter desabado no primeiro ano da pandemia. A estimativa do BC é que o IDP atinja US$ 55 bilhões neste ano, um patamar superior ao de US$ 46,4 bilhões registrado em 2021 e acima dos US$ 37,8 bilhões de 2020. Ainda assim, distante dos registros anteriores à pandemia. Em 2019, IDP totalizou US$ 69,2 bilhões. O ponto máximo foi um ano antes, em 2018, com US$ 78,9 bilhões.

O estoque de Investimento Direto no País diminuiu US$ 109 bilhões em 2020, ficando em US$ 765 bilhões, como mostra o Relatório de Investimento Direto, divulgado em dezembro. O número representa uma queda de 12,4% em relação a 2019. A redução foi sobretudo causada pelo efeito cambial, negativo em US$ 140,1 bilhões. Ainda assim foram menos voláteis do que os investimentos em carteira e outros como empréstimos e créditos comerciais. Do total de Investimento Direto no País registrado em 2020, US$ 521,3 bilhões se referiam à participação direta no capital, e US$ 244,1 bilhões a operações intercompanhia. Das participações em capital, quase 60% estavam no setor de serviços, 30% na indústria, 10% na agricultura. Os percentuais correspondem à distribuição do PIB. Há dez anos, estavam 45% em serviços, 39% na indústria e 16% na agricultura.

Os dados de 2021 ainda não estão disponíveis, mas é bastante provável que o efeito do câmbio tenha novamente reduzido o volume do Investimento Direto no País. O IDP é considerado a fonte mais estável de financiamento do balanço de pagamentos e tem funcionado assim no Brasil. Até mesmo em 2020 quando encolheu devido à crise global causada pela pandemia, foi suficiente para cobrir o déficit em conta corrente. O mesmo aconteceu no ano passado. Mesmo sendo inspirados por uma avaliação de longo prazo da economia do país, o investimento direto não está eternamente imune ao efeito negativo de políticas como a deterioração das condições fiscais, o menosprezo pelas práticas ambientais corretas ou os ataques inspirados por antipatias pessoais.

 

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