sexta-feira, 4 de março de 2022

Vinicius Torres Freire: Quanto a Rússia vai sofrer

Folha de S. Paulo

Nas previsões, economia russa vai sofrer como a do Brasil dos anos 2010

A economia da Rússia pode encolher de 7% a 10% neste ano por causa das sanções de governos e da debandada de empresas e bancos americanos e europeus. Sim, previsão de crescimento econômico costuma ser chute ruim. No caso da Rússia em guerra com a Ucrânia e sob ataque econômico ocidental, a especulação é ainda mais temerária.

Mas suponha-se que as primeiras previsões menos pessimistas de bancões e similares se confirmem: queda de uns 7% do PIB neste ano e, então, crescimento regular entre 1% e 1,5%. Parece o Brasil da década de 2014 a 2019.

A economia brasileira encolheu mais de 7% no biênio 2015-2016 e cresceu em torno de 1,5% de 2017 a 2019. Em 2021, recuperou as perdas do ano de epidemia de 2020 e algo mais —vamos saber detalhes nesta sexta-feira (4), quando sai o PIB.

Pelas previsões de agora, a Rússia estaria muito longe de um colapso venezuelano e mesmo do tombo do Irã, estrangulado pelas sanções de Donald Trump, mas que sobrevive. Nós sobrevivemos, na nossa morte lenta. Haveria tumulto político na Rússia, onde de resto jamais houve democracia, fora umas tentativas de meia dúzia de anos?

Que esquema de poder sustenta Vladimir Putin? Que grupos, militares ou oligarquia, daria um chega para lá no autocrata? Ainda que Putin fosse posto para fora, qual seria a política externa? Haveria um recuo geral, uma subordinação russa ao esquema americano-europeu a ponto de as sanções serem logo canceladas? Não parece provável.

Não se sabe quanto a guerra vai durar, quanto vai custar ou mesmo se pode dar em desastre internacional ainda maior. Não se sabe se o "Ocidente" ainda vai impor sanções que podem jogar o mundo inteiro em recessão (que seria o caso se houvesse boicote oficial e geral do petróleo, do gás, dos grãos e dos minérios e metais russos).

É possível, porém, apontar de modo razoável os riscos de colapso, além de mais inflação e juros altos, o mais óbvio.

A Rússia e suas empresas podem dar um calote na dívida externa, com o que secariam as fontes restantes de financiamento. É o que escreve Sergei Aleksashenko, vice-ministro de Finanças e vice do Banco Central da Rússia nos anos 1990, em artigo para a Al Jazeera.

Segundo Alekasashenko, bancos e empresas russos teriam de pagar mais de US$ 100 bilhões de juros e parte do principal de sua dívida externa nos próximos 12 meses. Muito? Em 2021, o saldo do balanço de pagamentos, a conta final de entradas de dinheiros por comércio e finança, foi positiva em impressionantes US$ 120 bilhões.

Mesmo que repetisse esse saldo, o pagamento da dívida deixaria a Rússia no osso. No entanto, o país ainda vai perder investimento externo, não vai receber quase nenhum e deve exportar menos (pois empresas do resto do mundo comprarão menos da Rússia, mesmo que não estejam impedidas por sanções). Então, a Rússia teria de importar menos e dar um jeito de sacar reservas internacionais a que ainda têm acesso. Como?

O problema não para por aí, claro. A economia dita real vai padecer, pois não vai poder importar peças, componentes e máquinas. Muita coisa vai pifar, a produtividade vai cair.

A questão óbvia é saber se a Rússia pode contar com a China como cliente ainda maior de suas exportações, como facilitadora de pagamentos internacionais e exportadora, no que puder, de insumos industriais em particular (em parte não vai poder, pois não tem a tecnologia).

Aleksachenko diz que os russos esperaram grande ajuda da China quando foram submetidos às sanções motivadas pela anexação da Crimeia (2014). Tiveram apenas pequena ajuda. Não há motivos para acreditar que a posição chinesa mude agora, diz Aleksachenko.

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