Folha de S. Paulo
Nas previsões, economia russa vai sofrer
como a do Brasil dos anos 2010
A economia da Rússia pode encolher de 7% a
10% neste ano por causa das sanções de
governos e da debandada de empresas e bancos americanos e
europeus. Sim, previsão de crescimento econômico costuma ser chute ruim. No
caso da Rússia em guerra com a
Ucrânia e sob ataque econômico ocidental, a especulação é ainda
mais temerária.
Mas suponha-se que as primeiras previsões menos pessimistas de bancões e similares se confirmem: queda de uns 7% do PIB neste ano e, então, crescimento regular entre 1% e 1,5%. Parece o Brasil da década de 2014 a 2019.
A economia brasileira encolheu mais de 7%
no biênio 2015-2016 e cresceu em torno de 1,5% de 2017 a 2019. Em 2021,
recuperou as perdas do ano de epidemia de
2020 e algo mais —vamos saber detalhes nesta sexta-feira (4),
quando sai o PIB.
Pelas previsões de agora, a Rússia estaria
muito longe de um colapso venezuelano e mesmo do tombo do Irã, estrangulado
pelas sanções de Donald Trump,
mas que sobrevive. Nós sobrevivemos, na nossa morte lenta. Haveria tumulto
político na Rússia, onde de resto jamais houve democracia, fora umas tentativas
de meia dúzia de anos?
Que esquema de poder sustenta Vladimir
Putin? Que grupos, militares ou oligarquia, daria um chega para lá
no autocrata? Ainda que Putin fosse posto para fora, qual seria a política
externa? Haveria um recuo geral, uma subordinação russa ao esquema
americano-europeu a ponto de as sanções serem logo canceladas? Não parece
provável.
Não se sabe quanto a guerra vai durar,
quanto vai custar ou mesmo se pode dar em desastre internacional ainda maior.
Não se sabe se o "Ocidente" ainda vai impor sanções que podem jogar o
mundo inteiro em recessão (que seria o caso se houvesse boicote oficial e geral
do petróleo, do
gás, dos grãos e dos minérios e metais russos).
É possível, porém, apontar de modo razoável
os riscos de colapso, além de mais inflação e juros altos, o mais óbvio.
A Rússia e suas empresas podem dar um
calote na dívida externa, com o que secariam as fontes restantes de financiamento.
É o que escreve Sergei Aleksashenko, vice-ministro de Finanças e vice do Banco
Central da Rússia nos anos 1990, em artigo para a Al Jazeera.
Segundo Alekasashenko, bancos e empresas
russos teriam de pagar mais de US$ 100 bilhões de juros e parte do principal de
sua dívida externa nos próximos 12 meses. Muito? Em 2021, o saldo do balanço de
pagamentos, a conta final de entradas de dinheiros por comércio e finança, foi
positiva em impressionantes US$ 120 bilhões.
Mesmo que repetisse esse saldo, o pagamento da
dívida deixaria a Rússia no osso. No entanto, o país ainda vai
perder investimento externo, não vai receber quase nenhum e deve exportar menos
(pois empresas do resto do mundo comprarão menos da Rússia, mesmo que não
estejam impedidas por sanções). Então, a Rússia teria de importar menos e dar
um jeito de sacar reservas
internacionais a que ainda têm acesso. Como?
O problema não para por aí, claro. A
economia dita real vai padecer, pois não vai poder importar peças, componentes
e máquinas. Muita coisa vai pifar, a produtividade vai cair.
A questão óbvia é saber se a Rússia pode
contar com a China como cliente ainda maior de suas exportações, como
facilitadora de pagamentos internacionais e exportadora, no que puder, de
insumos industriais em particular (em parte não vai poder, pois não tem a
tecnologia).
Aleksachenko diz que os russos esperaram
grande ajuda da China quando foram submetidos às sanções motivadas pela
anexação da Crimeia (2014). Tiveram apenas pequena ajuda. Não há motivos para
acreditar que a posição chinesa mude agora, diz Aleksachenko.
Nenhum comentário:
Postar um comentário