O Globo
Volodymyr Zelensky, o presidente da
Ucrânia, é algo novo. Políticos que usam redes sociais para desinformar,
manipular, já conhecíamos. Zelensky está usando as redes como chefe de Estado
de país em guerra. E está fazendo isso com um grau de eficiência que nunca
vimos. De seu exemplo, inevitavelmente, sairão lições sobre como a democracia e
o mundo on-line se encontram.
Com toda a cautela necessária para a comparação histórica, Zelensky é um Churchill. A cautela vem da proporção. Winston Churchill era o premiê britânico quando a Europa continental havia sido engolida pelo nazifascismo e mergulhava na Segunda Guerra. Zelensky é o presidente de um país invadido pelo vizinho imperialista. Estando clara a diferença, o mundo nunca havia visto alguém como Churchill —nunca viu alguém como Zelensky.
Quem ouve hoje os discursos de Churchill,
se não compreende o que era o rádio nos anos 1940, periga não perceber o poder
que havia ali. Os aparelhos que as pessoas tinham em casa eram de má qualidade,
as antenas tinham potência menor, e o resultado é que se ouvia tudo, mas a
estática estava presente. Os DJs FM dos anos 1980, com sua fala rápida, não
seriam compreendidos. O rádio exigia que se falasse devagar e com clareza. E,
numa guerra, um chefe de Estado tem essencialmente duas missões muito difíceis.
A primeira é inspirar para o sacrifício de vida. E, simultaneamente, conseguir
de outras nações todo o apoio possível. Com sua voz anasalada e pausada,
Churchill manteve os britânicos de pé sob bombardeio contra civis.
Volodymyr Zelensky é um ator — não se
limita ao humor. Seu personagem na TV era um professor conservador, daqueles
sempre indignados com os “corruptos”. Com o sucesso, fez o personagem se
candidatar a presidente e ganhar. E, aí, ele próprio se candidatou. Venceu. Nos
EUA, Donald Trump o tratou como um politicozinho. Na Rússia, Vladimir Putin
achou que não teria problema. No mundo, quase ninguém sabia seu nome. Erraram.
Ronald Reagan já deveria ter sido lição suficiente sobre as qualidades que um
ator traz ao exercício da Presidência.
Ator de um tempo em que as redes são o
principal veículo de comunicação, Zelensky sabe o que faz. É um erro, porém,
achar que é só o exercício fútil de uma técnica. Esse cara se comprometeu a
ficar em Kiev até o fim. Com sua família. Ele e sua mulher têm 44 anos, juntos
têm uma filha de 17 e um menino de 9. Impor esse nível de sacrifício à família
causa estranheza? Chefe de Estado em guerra não tem essa escolha. Está pedindo
a mães e pais que façam o mesmo sacrifício para manter de pé a praça em frente
a suas casas, para manter vivos os professores em suas escolas, para manter
livres seus amigos. Vem com o cargo. Esse é o peso real em tempo de guerra. Os
filhos de chefes de Estado lutam na frente de batalha.
Para mostrar que está em Kiev, diariamente
distribui pelas redes selfies com seus ministros. Para arrancar dos vizinhos
mais ricos armas e concessões, está num Zoom constante. Falando duro. Lança
ainda mensagens às mães russas, aos russos comuns, buscando empatia. É claro
que o veículo da mensagem é a emoção. É assim que se faz. E ele faz, como
jamais foi feito, com as ferramentas digitais. A Ucrânia pode não ter sido
aceita ainda pela burocracia da União Europeia, mas quem está sendo bombardeado
porque um dia pode vir a estar nos colegiados das democracias são os
ucranianos. Este é um debate a respeito de valores, e Zelensky deixa isso
claro. Está fazendo chefes de Estado chorar, criando mobilização popular que
pressiona outros líderes a ajudar e incentivando ucranianos a pegar em armas.
Ele está pedindo coisas muito difíceis para
públicos muito diferentes. E está conseguindo muito. Quem o resume a “um
humorista” não entendeu nada. Não entendeu, sequer, o que fazem humoristas.
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