Valor Econômico
Modelo é a política fiscal implementada em
São Paulo, que ajudou Estado a fechar o ano com superávit primário
Recuperar a política fiscal ancorada na lei do teto para o gasto público será uma das primeiras medidas a serem anunciadas pelo eventual governo de João Doria, pré-candidato à Presidência da República pelo PSDB. Segundo o ex-ministro da Fazenda no governo de Michel Temer Henrique Meirelles, coordenador do programa de governo de Doria, o teto não perdeu credibilidade ao ser corrompido pelo atual governo, mas sim a política fiscal. “O teto não perdeu credibilidade, o que perdeu credibilidade foi a política fiscal por não se ancorar na lei do teto”, defendeu ele. “Basta, porém, anunciar que vai seguir o teto e o problema estará resolvido na hora”, acredita o ex-ministro e atual secretário de Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo. Meirelles foi o pai da lei que estabeleceu um teto para a variação do gasto público. A lei proíbe aumento real da despesa pública anual, que poderá ser corrigida apenas pela inflação por dez anos, renováveis por mais dez.
Para ele, não há muito mistério no
cumprimento do teto e, ao mesmo tempo, encontrar recursos para fazer políticas
públicas como novos investimentos e atender à demanda por redução das
desigualdades no país. Basta, assegurou Meirelles, reproduzir, nacionalmente, a
receita aplicada no Estado de São Paulo, “onde fizemos uma reforma
administrativa séria, cortamos gastos desnecessários, diminuímos o custo da
máquina pública. Fechamos empresas estatais e fundações que não tinham razão de
ser, com muitos funcionários e, com isso, geramos recursos para fazermos
políticas sociais e de investimentos”, explicou ele.
O governo do Estado de São Paulo encerrou
2021 com cerca de R$ 50 bilhões em caixa e um superávit primário de R$ 42
bilhões, enquanto que o governo federal encerrou o exercício do ano passado com
um déficit primário de R$ 35 bilhões. O que possibilitou o governo do Estado
tocar cerca de 8 mil obras, investimentos que geraram 200 mil empregos diretos.
Para resolver a encrenca da política fiscal
que está na base da corrosão da credibilidade do governo de Jair Bolsonaro, a
receita está pronta, testada e aprovada: “Temos que repetir, no âmbito do
governo federal, o mesmo modelo que aplicamos no governo do Estado”, reforçou o
ex-ministro.
Meirelles explicou que foi exatamente a
falta de credibilidade na política fiscal que depreciou a taxa de câmbio a
despeito de fortes aumentos dos preços das commodities que o Brasil exporta. “O
que levou, em períodos anteriores, a uma queda da taxa de câmbio - com
apreciação do real frente ao dólar - desta vez não aconteceu por causa da
desconfiança na política fiscal.” Com um câmbio depreciado, é muito mais
difícil controlar a inflação.
O combate à inflação se faz com políticas
monetária e fiscal contracionistas, o que envolve a taxa básica de juros
(Selic) e o gasto público.
“No momento em que o governo patrocinou a
política fiscal de furar o teto e deu um calote técnico nos precatórios,
criou-se uma grande confusão. A inflação aumentou e o Banco Central teve que
elevar a taxa de juros (Selic). Os preços em dólar aumentaram e a taxa de
câmbio não caiu, levando, assim, a uma transferência do aumento de preços em
reais, elevando a inflação.
Quando, em 2016, foi aprovada a lei do teto
do gasto, a inflação caiu e o Banco Central pode baixar os juros. “Agora o
governo, quando faz esse rolo todo, gera aumento da inflação e, como a política
fiscal não colabora, os juros aumentam sozinhos”, disse ele.
Em 2003, quando Meirelles assumiu o comando
do Banco Central, o problema era outro: o Brasil estava quebrado.
Devia US$ 30 bilhões ao Fundo Monetário
Internacional (FMI) e tinha somente US$ 15 bilhões em reservas cambiais. A
inflação estava pressionada para cima e tivemos que jogar a taxa de juros para
26,5 % ao ano (herdou do governo anterior juros de 25% ao ano). “Com isso,
contivemos a inflação e começamos a política de compra de reservas cambiais.
Hoje temos reservas e não há uma crise cambial à vista. O problema, agora, é
fiscal e é nele que devemos estar focados”, adiantou Meirelles.
A lei do teto obriga as forças políticas a
redefinirem prioridades e a cortar gastos obrigatórios. “Foi o que fizemos em
São Paulo com a reforma administrativa”, salientou ele.
Como conquistar o apoio do Parlamento para
uma agenda de medidas duras é um outro problema. “É preciso conversar, horas e
horas, com paciência, determinação e bons argumentos. O que é melhor para o
político: ter o seu eleitor desempregado ou com emprego? O país crescer, gerar
renda e emprego ou o contrário?”, indagou.
Sobre uma mudança eventual do teto do gasto
para uma meta para a dívida bruta do setor público, uma das discussões
pós-pandemia que já vingou na Nova Zelândia, e que poderia vir a reorientar a
política fiscal, o ex-ministro descartou sob o argumento de que seria “uma
tentação para controlar o Banco Central”, em relação à taxa básica de juros,
que é uma das grandes despesas que recaem sobre a dívida.
Se não há grandes dúvidas sobre o caminho a
seguir na gestão fiscal, o mesmo não ocorre com a pré-candidatura de Doria ao
Palácio do Planalto. Desde o anúncio do resultado das prévias do PSDB que
sancionou a escolha do governador de São Paulo para disputar a eleição
presidencial deste ano, Doria não decolou nas pesquisas de intenção de voto, em
que pontua com cerca de 3%.
Meirelles, que também lançou sua
pré-candidatura ao Senado por Goiás, seu Estado natal, não parece se abalar com
o desempenho de Doria. “Tem tempo. A campanha só começa lá para maio e, como
cantava Doris Day, ‘Que será, será (Whatever Will Be, Will Be)’.”
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