O Globo
A Vale é contra o PL 191, que libera a
mineração em Terra Indígena. Em resposta à pergunta desta coluna, a empresa se
manifestou pela primeira vez e disse que o projeto “não atende ao objetivo de
regulamentar o dispositivo constitucional” e que mineração em Terra Indígena só
pode ser realizada “mediante o Consentimento Livre, Prévio e Informado (CLPI)
dos próprios indígenas e ancorado no marco regulatório que contemple a
participação e a autonomia dos povos indígenas”. O Instituto Brasileiro de
Mineração (Ibram) já havia se posicionado contra o PL. Mas agora é a própria
Vale, a maior mineradora do país, que se coloca contra o projeto que está
tramitando em regime de urgência no Congresso.
Muitas empresas grandes brasileiras têm criticado o projeto, mas não publicamente. Ocorre que esta proposta e a maneira como ele está sendo encaminhada — de forma açodada e não democrática — será um tiro no pé do setor produtivo brasileiro caso seja aprovada.
Quem acha isso, e me disse ontem numa
entrevista na Globonews, foi o economista José Roberto Mendonça de Barros, que
ocupou os cargos de secretário de Política Econômica e secretário-executivo da
Câmara de Comércio Exterior no governo Fernando Henrique.
— O projeto de lei é uma loucura, não tem
nada a ver. É aproveitar uma situação de fato — a falta de potássio — para
realizar uma pauta ideológica absurda. Uma mina de potássio leva de cinco a dez
anos para ficar pronta. As maiores reservas estão fora de Terras Indígenas, e
as reservas da Amazônia são de difícil exploração. É um disparate econômico —
diz.
A Vale, em longo posicionamento, respondendo a uma pergunta feita por mim,
disse que o reconhecimento de os indígenas serem ouvidos, serem informados e
decidirem livremente, conhecido pela sigla CLPI, “é fundamental para atender
aos diretos das populações indígenas de determinar o próprio desenvolvimento e
o direito de exercer a autodeterminação diante de decisões que dizem respeito
aos seus territórios”.
A Vale não tem mais qualquer direito
minerário, nem desenvolve pesquisa ou lavra em Terra Indígena no Brasil porque
no ano passado ela devolveu as que tinha e desistiu de qualquer exploração
nessas áreas. Ela atua no Canadá. “A Vale desenvolve atividades em terras
tradicionais em países onde há regulamentação vigente, como é o caso de
Voisey’s Bay no Canadá, sempre com estrita observância dos princípios
mencionados acima, com destaque para o Consentimento Livre, Prévio e
Informado”.
O PL 191 está tramitando em regime de
urgência, porque o presidente da Câmara, Arthur Lira, atendeu a um pedido do
presidente Bolsonaro, que alegou necessidade de potássio para a agricultura
brasileira. Isso não é verdade, mas o assunto já entrou na campanha. Ontem, na
Qi 26 em Brasília, Lago Sul, um outdoor era visto com os dizeres: “O Brasil é
agro. Agradecimento pela aprovação do PL 191. Com adubo do Brasil a comida fica
mais barata. Produtores rurais da Amazônia.” Como se nas terras indígenas
houvesse o adubo que está faltando hoje ao Brasil. Com o regime de urgência não
tem debates nas comissões. Lira criou uma comissão não prevista no regimento e
que não terá poderes. Será mais uma forma de enganar.
No Congresso se diz que está difícil para
os partidos acharem quem queira fazer parte. A informação das fontes políticas
é a de que Bolsonaro prometeu isso aos grandes garimpeiros — que são os que têm
muito capital e investem em maquinário pesado — durante a última campanha
eleitoral e agora está sendo cobrado por eles. Então decidiu passar o trator
aproveitando a guerra como pretexto.
Mendonça de Barros disse que esse projeto
elevará as barreiras contra o Brasil, e a guerra mostrou isso, o peso do risco
reputacional.
— Um efeito da guerra que ninguém esperava
foi que mais de 400 companhias do mundo inteiro decidiram sair da Rússia. Por
que fizeram isso? Pelo péssimo comportamento da Rússia. Isso é efeito direto da
pauta ESG. Isso virou uma realidade concreta, empresas vão conscientemente
perder dinheiro, ativos e mercado. A mesma coisa acontecerá aqui — disse ele,
referindo-se ao aumento do desmatamento e às propostas como o PL 191.
Segundo o economista, haverá “chance zero”
de a Europa aceitar produto de um país que apoia garimpeiro ilegal e
desmatador. Ele explicou que a guerra levará os países a procurar fornecedores
alternativos para tudo. Poderia ser uma chance para o Brasil, inclusive na área
industrial. Mas sem a proteção da Amazônia o Brasil será barrado.
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