Correio Braziliense
O vice é uma decisão
estratégica. Lula escolheu Geraldo Alckmin, um ex-adversário, democrata e
conciliador; Bolsonaro quer Braga Neto no lugar de Mourão, para agradar
militares e a extrema direita
A montagem de chapas presidenciais no
Brasil republicano é uma engenharia que mira dois cenários: o das eleições, no
qual o companheiro de chapa pode atrair ou tirar votos; e o da governabilidade,
por causa do histórico de presidentes destituídos. A lista de vice-presidentes
que assumiram o poder é grande. Começou logo após a proclamação da República
(1989), com Floriano Peixoto, um marechal, eleito em 25 de fevereiro de 1891,
pelo Congresso Constituinte. Em 3 de novembro de 1891, o marechal Deodoro da Fonseca,
presidente da República, dissolveu o Congresso. Como resposta, houve a chamada
Revolta da Armada, sob comando do almirante Custódio de Melo, que ameaçou
bombardear o Rio de Janeiro, caso Deodoro não renunciasse. Em 23 de novembro,
Deodoro renunciou, e Floriano assumiu o posto.
Nilo Peçanha foi o segundo a assumir. Fora eleito vice em 1º de março de 1906, na chapa de Afonso Pena, que faleceu em 14 de junho de 1909, cerca de um ano e meio antes de seu mandato terminar, em consequência de uma pneumonia. Vice no segundo mandato de Rodrigues Alves, Delfim Moreira assumiu o poder interinamente em 1º de março de 1918, porque o presidente da República, com febre amarela, estava incapacitado. Com a morte de Rodrigues Alves, em 16 de janeiro de 1919, nova eleição foi realizada, porque não havia se completado dois anos de mandato.
Café Filho assumiu a Presidência após o
suicídio de Getúlio Vargas, em 24 de agosto de 1954. Sua presença na chapa fora
indicação de Adhemar de Barros, líder do PSP (Partido Social Progressista).
Vargas nunca confiou no seu vice, que conspirava para derrubá-lo. Em junho de
1954, um pedido de impeachment contra Vargas, da União Democrática Nacional
(UDN), fora derrotado no Congresso. Entretanto, em 5 de agosto, o seu principal
adversário, Carlos Lacerda, sofreu um atentado a tiros na rua Tonelero, no Rio
de Janeiro, cujo autor foi Alcino João do Nascimento.
O pistoleiro fora contratado por Climério
Euribes de Almeida, membro da guarda pessoal de Getúlio Vargas, que era
chefiada por Gregório Fortunato, o “Anjo Negro”, guarda-costas de Vargas.
Lacerda foi ferido no pé, mas seu amigo Rubens Florentino Vaz, major da Força
Aérea Brasileira, morreu no atentado. A crise ganhou proporções inimagináveis.
Café Filho sugeriu a Vargas a renúncia de ambos, mas Vargas, orientado por
Tancredo Neves, rejeitou o proposto. Entretanto, acuado, o presidente matou-se
no Palácio do Catete, em 24 de agosto de 1954. Café Filho completou o seu
mandato.
Golpe militar
João Goulart, o Jango, foi vice-presidente
duas vezes: a primeira, na eleição de Juscelino Kubitschek, em 1955; e a
segunda, na eleição de Jânio Quadros, em 1960. Controverso, capaz de proibir o
uso de biquínis e condecorar o guerrilheiro argentino Ernesto “Che” Guevara, um
dos líderes da Revolução Cubana, Jânio fora acusado por Carlos Lacerda, seu
ex-aliado, de tramar um golpe de Estado. Em resposta, renunciou à presidência
em 25 de agosto de 1961. Jango estava na China e quase foi impedido por
ministros militares de assumir o poder. Teve de aceitar o parlamentarismo para
tomar posse, tendo como primeiro-ministro Tancredo Neves. Foi deposto em 31 de
março de 1964. Uma das causas foi a volta do presidencialismo, aprovado em
plebiscito, em 1963. Generais se revezaram na Presidência por 20 anos.
José Sarney assumiu o poder como vice de
Tancredo Neves, que morreu antes de tomar posse, vítima de um leiomioma
abdominal benigno. Tancredo não quis se submeter a tratamento antes de assumir,
mas foi internado em 14 de março, um dia antes da posse. Submetido a uma cirurgia,
faleceu em 21 do mês seguinte. Sarney cumpriu todo o mandato. Itamar Franco,
eleito em 1989, na chapa de Fernando Collor de Mello, também assumiu a
Presidência. Com três anos de governo, Collor sofreu um processo de
impeachment. Em 29 de dezembro de 1992, renunciou ao cargo, e Itamar Franco foi
imediatamente empossado.
Michel Temer foi eleito vice-presidente por
duas vezes, em 2010 e em 2014, na chapa da petista Dilma Rousseff, que teve um
processo de impeachment aberto contra ela em 2016, acusada de crime de
responsabilidade, no caso, as chamadas pedaladas fiscais. Seu julgamento
ocorreu em 31 de agosto de 2016. Dilma foi destituída do cargo, mas continuou
com seus direitos políticos. Temer tomou posse no mesmo dia 31 e completou o
mandato.
Como vimos, a escolha do vice é uma decisão
estratégica. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por exemplo, anunciou
que seu vice será o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin, que foi seu
adversário no primeiro e segundo turnos das eleições de 2006. É um político
democrata e conciliador, que amplia em direção aos setores empresariais e
conservadores. Já o presidente Jair Bolsonaro tem a intenção de trocar o
general Hamilton Mourão por outro quatro estrelas, o ministro da Defesa, Braga
Netto, mais afinado com suas ideias sobre a democracia, as urnas eletrônicas e
o Supremo Tribunal Federal (STF), mirando setores militares e de
extrema-direita. São perfis radicalmente opostos.
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