O Estado de S. Paulo.
Com peso específico menor na Diplomacia do
que na sociedade, as mulheres diplomatas legitimamente pleiteiam mudanças
As dificuldades e os avanços relacionados
com a participação da mulher na Diplomacia brasileira podem ser mais bem
entendidos se colocados no contexto da luta histórica pela igualdade de gênero
e raça em nosso país.
Por essa ótica, pode-se observar a tendência à presença crescente de mulheres em todas as áreas de acordo com as mudanças nas leis aprovadas em cada momento histórico. No Código Civil de 1916, refletindo um pensamento patriarcal e machista, as mulheres (e, aliás, os silvícolas) eram consideradas como relativamente incapazes, porque não poderiam agir com autonomia, nem perante a sociedade nem em sua família. Com o passar dos anos, movimentos feministas asseguraram direitos e igualdade de tratamento em relação aos homens. Foram surgindo legislações específicas, como a lei que deu o direito de voto à mulher em 1932, o Estatuto da Mulher Casada, o Código Eleitoral de 1977 e a Constituição de 1988, que, no artigo 5, parágrafo I, consagrou a ideia de igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres.
Já o Código Civil de 2002 reconheceu a
isonomia de gêneros e consagrou uma posição independente à mulher. Sua
submissão com relação ao homem desapareceu no âmbito legal e houve notória
mudança na situação da mulher na sociedade. Empecilhos e preconceitos quanto à
sua atuação em diferentes domínios, em particular no que se refere ao mercado
de trabalho (diferença salarial), e falta de reconhecimento de suas
contribuições no mundo político e corporativo persistiram.
Não se pode ignorar esse pano de fundo no
caso da Diplomacia, das Forças Armadas e de outras áreas do setor público, nas
quais, como se vê, exceto pela isonomia salarial, ainda estão por valer
plenamente os princípios constitucionais.
Há 102 anos a primeira mulher foi admitida
na carreira diplomática, com seus direitos limitados, segundo a legislação da
época. Só em 1988 a primeira mulher negra conseguiu entrar no Itamaraty. A
reforma de 1931, ao incorporar a mulher ao Corpo Consular, mas não ao Corpo
Diplomático, e a de 1938, ao proibir totalmente a entrada de mulheres no
Itamaraty, embora preservando o direito das que já estavam na carreira, a
discriminaram ainda mais. Essa legislação foi na contramão da tendência de
igualdade de gêneros que se intensificara em 1932, com a conquista do sufrágio
feminino. Nem a criação do Instituto Rio Branco, em 1945, conseguiu modificar
essas restrições.
Naquele mesmo ano, o Brasil subscreveu a
Carta das Nações Unidas e, em 1948, a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, que afirmaram a necessidade do respeito às liberdades individuais e à
igualdade de oportunidades sem distinção de raça, sexo, língua e religião.
Somente na reforma do Itamaraty de 1953 foi a proibição de ingresso de mulheres
eliminada, embora ainda com limitações.
A partir daí, a ação política firme e
corajosa de mulheres diplomatas tem ido no sentido de buscar assegurar seus direitos
e garantir isonomia de tratamento em temas afetos a questões da família – como
direito ao trabalho quando acompanhando cônjuge também profissional – e a
questões institucionais e de ascensão funcional, como designação para chefias e
promoções com critérios nítidos para aferição de mérito.
O diagnóstico é claro. A carreira
diplomática é essencialmente competitiva, por cargos e pela progressão
profissional, como ocorre em todos os países. Um grupo reduzido de diplomatas
(1.501, sendo 23% de mulheres) compete por um número reduzido de cargos no
Brasil e no exterior. As principais funções de direção no Brasil e nas
embaixadas mais importantes seguem sendo ocupadas por homens, dificultando o
acesso às oportunidades de maior visibilidade e prestígio profissional daí
decorrentes. Talvez por isso se deva reconhecer que o número de mulheres que se
inscrevem no concurso para o Instituto Rio Branco é proporcionalmente menor
(40%) do que o de homens, mesmo sendo elas maioria nos cursos universitários e
em outras carreiras de Estado. A consequência natural da reduzida procura é o
baixo número (28%) de mulheres que entram anualmente para a carreira
diplomática.
Para romper este círculo vicioso, faz-se
necessário um aperfeiçoamento das atuais regras de ingresso, lotação e
promoção. Na medida em que elas possam se sentir atraídas para a Diplomacia, em
que passem a ocupar um maior número de cargos de chefia e participem nas
múltiplas comissões que determinam os fluxos funcionais, haverá, certamente,
efetivos avanços.
Mas talvez haja mais uma explicação não
menos importante para o reduzido protagonismo de mulheres na Diplomacia
brasileira e sua sub-representação em funções de maior visibilidade: o fator
político e as conexões e articulações fora da Casa. Nos países onde ocupam
cargos elevados, as mulheres mantêm ligações no campo político-partidário que
as colocam em posição de igualdade para uma leal concorrência com seus pares.
Com peso específico menor na Diplomacia do
que na sociedade, as mulheres diplomatas legitimamente pleiteiam mudanças. Em
benefício do Brasil e do Itamaraty, espera-se um compromisso político de alto
nível para uma melhor distribuição de poder e de prestígio para corrigir a
situação atual. Quem sabe na eleição presidencial?
*Foi Embaixador do Brasil em Londres e Washington
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