terça-feira, 22 de março de 2022

Pedro Cafardo: Salário mínimo, renda e juros no debate eleitoral

Valor Econômico

Mínimo já chegou a US$ 306 e caiu para US$ 197 em 2021

O Brasil não está preparado para nenhuma guerra, não tem um comandante determinado, não está mais arrumado do que o “pessoal lá fora” e não é “duro na queda”.

Na verdade, a economia brasileira se mostra “mole na queda” há décadas. Recentemente, sofreu duas grandes recessões em 2015 e 2016, de lá para cá o PIB está quase estagnado e não apenas por culpa da pandemia e da guerra do Putin. Houve também erros de condução da economia, vários deles decorrentes da ideia liberal de que a austeridade fiscal leva automaticamente ao crescimento.

O déficit público zerado do ano passado, tido como um troféu pelos economistas do governo, não pôs carne nos pratos nem gasolina nos tanques. Desgraça pouca é bobagem, diz o ditado popular. Assim, o brasileiro teve em 2021, ao mesmo tempo, duas grandes desventuras: o rendimento médio real dos salários caiu 7% (9,7% se considerado o trimestre encerrado em janeiro), segundo menor nível da série histórica, e a taxa de inflação aumentou para 10,06%, a maior em seis anos. Ou seja, as pessoas ganharam menos e gastaram mais para se sustentar.

Esse cenário, agravado pelos efeitos ainda presentes da pandemia e pela guerra inventada por Putin, leva a uma óbvia conclusão: ganhará o pleito presidencial de outubro o candidato que conseguir convencer o eleitor de que vai criar empregos e aumentar a renda do brasileiro.

Promessas de austeridade e corte de gastos pouco devem ajudar. Muito menos o velho discurso anticorrupção. Os pré-candidatos já perceberam isso. Basta ver os anúncios oficiais dos partidos na televisão.

O salário mínimo sim, tenderá a ser um assunto recorrente nos debates. Pessoas que viveram os dramáticos anos 1980/1990 no Brasil lembram que uma das ambições nacionais, reivindicação constante das entidades de trabalhadores, era o mínimo equivalente a US$ 100, uma das metas sempre citadas nos programas de candidatos à Presidência.

A meta foi alcançada e superada. Segundo cálculos do Valor Data, o mínimo saiu de US$ 56,6 em 2002 para US$ 306 em 2010. Após esse ano, porém, entrou em queda, até terminar 2021 em US$ 197, o nível mais baixo em 13 anos.

Além do relativo efeito cambial (valorização do real), o que impulsionou o mínimo em dólares foi a adoção de uma legislação que previa aumentos reais, que vigorou a partir de 2006 e foi abandonada por Bolsonaro. O cálculo de reajuste anual levava em conta a inflação do ano anterior acrescida do percentual de variação do PIB de dois anos antes. De 2001 a 2013, a valorização do mínimo em reais foi de 349%, muito acima da inflação no período, de 121%. Por outro lado, os fatores que levaram o mínimo a perder mais valor foram também o câmbio e as retrações/estagnações do PIB.

O principal empecilho para o reajuste real do salário mínimo sempre foi o impacto que isso teria nos gastos do setor público, principalmente na Previdência Social. Muitas vezes tentou-se desconectar os benefícios do INSS da variação do mínimo, sem sucesso. Hoje, os aposentados que recebem mais de um salário têm reajuste que acompanha a inflação, e não a correção do mínimo.

Não se deve esperar, na campanha eleitoral, um confronto explícito entre os que defendem a recuperação do mínimo e os que preferem proteger os cofres da Previdência. Pregar a austeridade fiscal, ainda que esse discurso tenha sido dominante na mídia brasileira nos últimos anos, não é uma atitude popular e não conquista votos quando se tenta fazer isso com prejuízo para os mais pobres.

O aumento real do mínimo elevou os gastos da Previdência e o custo unitário do trabalho a partir de 2006/08, mas também teve um extraordinário efeito positivo no consumo, na distribuição da renda, na evolução dos índices de desenvolvimento humano e, naturalmente, na redução da pobreza no país.

Outro tema que voltará ao debate são os juros. O Banco Central, agora autônomo, faz acenos para a moderação, mas deve dar continuidade à sua política de aperto monetário, que contraria tanto a extrema direita que apoia Bolsonaro quanto a esquerda que sustenta Lula. Aumentar juros em ano eleitoral, com 65 milhões de pessoas inadimplentes, é uma política, no mínimo, corajosa.

A aprovação da autonomia do BC foi costurada às pressas pelo governo para garantir, entre outras razões, certo controle da política monetária após uma eventual eleição de um governo de oposição em outubro, já que o presidente do BC não poderá ser demitido por quem assumir em janeiro de 2023. Agora, o feitiço se virou contra o feiticeiro, porque Bolsonaro não terá como evitar que, em plena campanha de reeleição, o BC aumente a taxa de juros, dando prato cheio para as críticas dos candidatos de oposição.

O outro prato cheio será a queda da renda média do trabalhador em 2021 para R$ 2.587 por mês, segundo dados da Pnad, valor 7% inferior ao de 2020. A taxa de desemprego recuou no ano passado, mas ainda estava em 13,2%, enquanto os EUA estão com pleno emprego. Com inflação e juros de dois dígitos e salários em queda, a recuperação da economia será impossível neste ano de eleições. Os pessimistas preveem recessão e os otimistas, crescimento de 0,6%.

Os economistas do governo continuam a dizer que o Brasil “está condenado a crescer”. Mas estamos chegando ao fim do primeiro trimestre sem sinais positivos nesse sentido e 12 milhões de desempregados. Vale lembrar, então, frase dita certa vez ao Valor pelo empresário José Mindlin (1914-2010): “O economista é aquela pessoa para a qual contra argumentos não há fatos”. É difícil discordar, embora haja exceções.

 

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