terça-feira, 22 de março de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Governos estaduais dão reajustes sem critério sensato

O Globo

Governantes no Brasil não perdem a oportunidade de perder uma oportunidade. No ano passado, os governos estaduais e municipais obtiveram, no conjunto, superávit de quase R$ 100 bilhões em suas contas, o melhor desempenho já registrado. Uma das principais causas para o resultado fora do comum foi o veto a reajustes salariais para o funcionalismo até dezembro de 2021, medida adotada em resposta à crise da pandemia.

Era de esperar que os governadores tivessem aprendido a lição: sem controlar a folha de pagamento, o maior custo dos estados, não há como manter as contas em ordem. Mas parece que não foi o que aconteceu. Como mostrou reportagem do GLOBO, o cálculo político de curto prazo, de olho nas eleições deste ano, falou mais alto. Entre recomposições e reajustes, praticamente todos os governadores já deram aumentos aos servidores ou planejam dar. Somadas, as medidas deverão custar pelo menos R$ 28 bilhões aos cofres públicos.

Não se trata de gasto eventual. Para agradar a essa parcela do eleitorado, os governadores impuseram um custo permanente a seus Orçamentos, de impacto fiscal irreversível. Na hora de distribuir afagos ao funcionalismo, há como que um coro em uníssono, independentemente do timbre partidário ou das escalas ideológicas. A maioria optou por um aumento linear a todos os servidores. Alguns beneficiaram categorias específicas, como agentes da força de segurança ou professores.

É verdade que os salários do funcionalismo estão defasados e que a inflação segue alta. Numa situação ideal, todos mereceriam reajustes. Mas o funcionalismo continua a viver num mundo à parte. Em nenhum momento da pandemia, os servidores temeram por seus empregos, nem sofreram redução em sua remuneração. O contraste com o restante da força de trabalho é chocante.

Os três últimos anos foram extremamente difíceis para empregados do setor privado e empresários. Em 2019, antes do coronavírus, o reajuste de salários empatou com a inflação. Ao longo de 2020, milhares de empresas encerraram atividades de forma temporária ou definitiva. Parte voltou a operar e, em 2021, houve um saldo positivo robusto entre empresas criadas e fechadas. Só que a maioria delas são negócios individuais, sinal da dificuldade de encontrar emprego que leva muitos a empreender. Como resultado, os reajustes salariais ficaram abaixo da inflação, segundo a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). Apesar da recuperação econômica em 2021, há 12 milhões de brasileiros desempregados, e 4,8 milhões que desistiram de procurar emprego.

Uma das principais metas dos governadores deveria ser a transformação da gestão pública. Mas o país deixou de lado a discussão sobre a reforma administrativa no momento em que mais precisava dela. O estabelecimento de critérios mais sensatos para reajustes e promoções, com gestão responsável de gastos e manutenção das contas em dia, traria um ambiente propício ao crescimento econômico e à criação de empregos. Agradar a grupos de pressão específicos em anos eleitorais é o contrário disso.

Se cumprir o que prometeu ao STF, Telegram se tornará um exemplo

O Globo

Foi certeira a estratégia do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), para enquadrar o aplicativo Telegram nas regras que todas as demais redes sociais deverão seguir para combater a desinformação na campanha eleitoral deste ano. Diante da ameaça de suspensão do serviço no Brasil, onde soma dezenas de milhões de usuários, o Telegram decidiu enfim respeitar todas as determinações da Justiça que havia ignorado e — o mais importante — designou quem deverá responder legalmente pela empresa diante da lei brasileira.

Na decisão em que revoga a suspensão imposta na sexta-feira, Alexandre afirma que o Telegram removeu o post em que o presidente Jair Bolsonaro divulgava um inquérito sigiloso da Polícia Federal e bloqueou canais de desinformação usados por propagandistas do bolsonarismo. A decisão demonstra, para quem ainda tinha dúvida, que em nenhum momento se tratou de cercear o discurso, a liberdade ou os negócios de quem quer que seja — mas apenas de fazer cumprir a lei.

Na mensagem enviada ao STF, o Telegram relaciona medidas que promete tomar para colaborar com a Justiça brasileira. Entre elas:

1) monitorar o conteúdo dos cem canais mais populares no Brasil, responsáveis por 95% das mensagens vistas, para “identificar informações perigosas e deliberadamente falsas no Telegram com mais eficiência”;

2) monitorar manualmente o conteúdo veiculado pelos meios de comunicação brasileiros e posts em redes sociais, para acompanhar “as discussões em torno do Telegram, além de prever potenciais questões de moderação de conteúdo — e tomar medidas antes que se tornem desafios maiores”;

3) oferecer meios técnicos para identificar publicações como imprecisas ou falsas, de acordo com a avaliação de agências de verificação de fatos;

4) impor restrições a usuários banidos por disseminar desinformação;

5) promover informações verificadas por fontes confiáveis, em particular em casos de saúde pública, por meio de convites à participação em canais oficiais de seriedade comprovada.

A mensagem de desculpas do Telegram ao Supremo provoca alívio e traz uma lição. Alívio por mostrar que um dos principais meios usados para disseminar desinformação, que tem em Bolsonaro seu maior vetor político, não se julga acima da lei. “Acreditamos que, se tivéssemos monitorado a mídia no Brasil antes, a crise atual poderia ter sido evitada”, afirma o documento.

E lição, por deixar claro, num momento em que outras redes sociais tentam embaralhar a discussão em torno do urgente e necessário Projeto de Lei das Fake News, que nenhuma das exigências da nova lei sobre moderação de conteúdo é absurda. Ao contrário. O recuo do Telegram prova que cabe às redes sociais a maior parte da responsabilidade pelas consequências do que veiculam. Se cumprir tudo aquilo com que se comprometeu na mensagem ao Supremo, o Telegram poderá deixar de ser o adolescente rebelde que ignora as regras e se tornará um exemplo para todas as demais plataformas digitais.

Medida extrema

Folha de S. Paulo

Resposta ao Telegram, necessária, expôs precariedade de meios ao alcance do STF

Foi necessária uma medida drástica para que os donos do Telegram finalmente se submetessem às determinações da Justiça brasileira, após meses se comportando como se estivessem fora do alcance da lei.

Na sexta-feira (18), o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, mandou bloquear o acesso ao aplicativo no Brasil até que fossem cumpridas as sucessivas decisões judiciais ignoradas pela empresa reiteradamente.

No domingo (20), o Telegram acatou as ordens do ministro, que então revogou a decisão que determinara a suspensão dos seus serviços —antes mesmo que provedores de internet e operadoras de telefonia tivessem tempo de implementá-la.

Fundador da empresa, o russo Pavel Durov pediu desculpas ao STF, nomeou um representante legal no Brasil e anunciou medidas para conter a desinformação nos canais da plataforma.

Ele anunciou que os mais populares passarão a ser monitorados com ajuda de agências de checagem, prometeu alertar os usuários quando houver publicações duvidosas e ameaçou barrar os que insistirem em propagar falsidades. Se é para valer, o tempo dirá.

O Telegram ganhou terreno no mercado ao adotar controles frouxos sobre conteúdos e funcionar sem as barreiras que limitam grupos muito numerosos em outros aplicativos de mensagens.

Além de servir como instrumento para comunicação pessoal, o aplicativo permite que um único canal se comunique simultaneamente com milhares de usuários, ampliando sobremaneira a influência de seus criadores.

As autoridades brasileiras começaram a se preocupar com o Telegram ao perceber que apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) o adotaram como uma espécie de porto seguro após sofrer restrições em outras plataformas.

É o caso do mais notório deles, o jornalista Allan dos Santos. Banido das redes e alvo de ações, ele fugiu para os EUA e passou a se comunicar com militantes e pedir doações no Telegram. A empresa só aceitou remover suas contas quando Moraes ordenou o bloqueio.

Os fundamentos jurídicos da decisão do ministro do STF são questionáveis, deve-se dizer. Na ausência de uma lei que justifique medida tão drástica, ele se amparou num dispositivo do Marco Civil da Internet que permite suspender atividades de coleta de dados pessoais em certas situações.

Se a ordem de bloqueio mostrou que a Justiça está disposta a exercer sua autoridade para combater afrontas em potencial às normas eleitorais, também serviu para expor a precariedade dos meios à sua disposição para lidar com o problema —que tangencia ainda o respeito à liberdade de expressão.

MEC paralelo

Folha de S. Paulo

Também na Educação Bolsonaro usa operadores informais de interesses opacos

A notícia de que o ministro da Educação, Milton Ribeiro, mantém um esquema informal para intermediação de pleitos, liderado por dois pastores evangélicos sem vínculos funcionais com a pasta, é mais uma evidência da estratégia adotada por Jair Bolsonaro de operar em áreas cruciais da administração com estruturas paralelas.

Em conversa gravada obtida pela Folha, Ribeiro afirma que os pedidos negociados pelos pastores Gilmar Silva dos Santos e Arilton Moura são prioritários para o governo.

Em reunião com gestores municipais interessados em recursos, o ministro diz que o atendimento às proposições de um dos religiosos foi uma determinação do próprio Jair Bolsonaro (PL). "Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do Gilmar", relata o titular do MEC, também ele pastor.

Como já havia noticiado o jornal O Estado de S. Paulo, há relatos de que os pastores agenciam demandas por verbas em Brasília, em particular do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Viajam em aviões da FAB, participam de agendas oficiais e atuam em diversas áreas do país, notadamente na região Norte.

Casos de grupos mantidos à sombra por Bolsonaro para participar de políticas governamentais não são novidade. A Polícia Federal já apontou a existência, na área de comunicação, do que ficou conhecido como gabinete do ódio —milícia digital que atua para disseminar fake news, combater adversários do governo e mobilizar radicais bolsonaristas nas redes sociais.

Não é segredo que o vereador carioca Carlos Bolsonaro (Republicanos), filho do presidente, é personagem central nessa organização, investigada pelo Supremo Tribunal Federal em inquérito aberto por determinação do ministro Alexandre de Moraes.

Na mesma linha, durante as apurações da CPI da Covid, ficou comprovada a existência de uma equipe clandestina, integrada por médicos com tendências negacionistas, para municiar o presidente em sua estratégia de alardear tratamento precoce para a doença e rejeitar a vacinação em massa.

A essas estruturas fantasmas na Saúde e na comunicação junta-se agora o gabinete do ministro da Educação. Trata-se de um método espúrio, opaco e, como se vê, desastroso de governar. É preciso que os fatos ora revelados sejam apurados e que se apliquem as medidas legais cabíveis para coibi-los.

O custo do atraso das vacinas

O Estado de S. Paulo.

A recuperação insegura ainda reflete os efeitos econômicos do atraso das vacinas e da política deficiente de imunização

A recuperação insegura ainda reflete os efeitos econômicos da política deficiente.

Com crescimento de 4,9% nos 12 meses até janeiro, a economia brasileira continua em lenta recuperação, marcada por avanços, tropeços e menor dinamismo que na fase anterior à covid-19. Passada a pior fase da pandemia, a cura permanece incompleta. A instabilidade ficou clara, mais uma vez, na virada do ano.

No trimestre móvel terminado em janeiro, a atividade foi 1% superior à do período de agosto a outubro. Mas o fôlego foi curto e em janeiro houve queda mensal de 1,4%. No primeiro mês de 2022, a agropecuária produziu 1,2% menos que em dezembro, a produção da indústria geral cresceu apenas 0,1% e a do setor de serviços encolheu 1,4%. O consumo das famílias, importante motor dos negócios, foi 1,3% menor que no mês anterior, já descontados os fatores sazonais. Os números são do Monitor do PIB-FGV, a mais detalhada prévia mensal do Produto Interno Bruto (PIB). As contas oficiais são publicadas trimestralmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Resultados já medíocres no período pré-pandemia tornaram-se piores depois do surto de covid-19, segundo o responsável pelo Monitor, economista Claudio Considera. O recuo do consumo familiar de bens e serviços mostra com clareza, de acordo com o pesquisador, os efeitos do atraso da compra de vacinas e, depois, da falta de um programa de vacinação.

Entre janeiro de 2019 e fevereiro de 2020 o consumo das famílias cresceu 2,3% trimestralmente. Entre março de 2020 e janeiro de 2022, houve em média queda trimestral de 1%. As compras de bens duráveis aumentaram trimestralmente 5,1% no primeiro período e caíram 0,1% no segundo. Os gastos com serviços, especialmente afetados pelo distanciamento social, avançaram 2,6% na primeira fase e apenas 0,8% na outra, também segundo o critério da média trimestral. O distanciamento poderia ter sido mais breve, com uma vacinação mais pronta e mais ampla.

O ritmo da atividade mudou sensivelmente entre os dois períodos, passando de um crescimento trimestral de 1,1%, em média, para um aumento de apenas 0,4%. Em 2017, primeiro ano depois da recessão de 2015-2016, o PIB cresceu 1,3%. A expansão chegou a 2% em 2018 e recuou para 1,1% em 2019, início do mandato do presidente Jair Bolsonaro. Com a pandemia, o PIB diminuiu 3,9% em 2020.

A reação de 4,6% em 2021 mais que compensou a perda do ano anterior, mas a economia ficou apenas 0,5% acima do nível de 2019. A maior parte dos dados indica o retorno a uma normalidade medíocre ou menos que medíocre. Especialmente preocupante, nesse quadro, é o enfraquecimento da indústria de transformação, situada, no fim do ano passado, bem abaixo dos patamares de 2017 e 2018.

Diante da evidente desindustrialização do País, o ministro da Economia, Paulo Guedes, contentou-se, até agora, com o anúncio de reduções do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), como se esse tributo fosse a causa única, ou talvez principal, da estagnação da indústria e de seu baixo poder de competição. Iniciativas como essa, muito limitadas, mostram a distância entre as decisões da equipe econômica e os problemas da economia real, isto é, do sistema produtivo tal como as pessoas informadas o percebem no dia a dia.

Tributos são problemas importantes, de fato, mas principalmente por serem incompatíveis com objetivos de eficiência e competitividade. Não há como cuidar adequadamente dessas questões sem pensar na funcionalidade dos impostos, nas condições de financiamento, nos custos da modernização e nos vínculos internacionais. Política industrial envolve estratégia comercial, programas de infraestrutura e planos educacionais. Envolve, enfim, preocupações e formas de trabalho muito distantes daquelas observadas no País nos últimos três anos.

O PIB deve crescer 0,5% neste ano e 1,3% no próximo, segundo projeção do mercado. São números compatíveis com os padrões observados principalmente a partir de 2019, quando a lenta recuperação iniciada em 2017 foi interrompida por um presidente ignorante das necessidades e das potencialidades do País.

Hora de modernizar o ensino técnico

O Estado de S. Paulo.

A reforma do ensino médio deu novo alento à formação profissionalizante. Mas preconceitos culturais e desafios práticos ainda precisam ser enfrentados

O ensino profissional e técnico no Brasil é desprestigiado, defasado e deficitário em relação à demanda dos jovens e do mercado de trabalho. A reforma do ensino médio, estabelecida em 2017, e que entra em vigor em 2022, criou possibilidades de revitalizar o ensino profissionalizante, reintegrando-o ao ensino médio. Mas, caracteristicamente, ele recebeu menos atenção no debate público e entre os gestores da educação, e ainda pairam muitas incertezas sobre sua implementação.

Segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), apenas 9% dos alunos que concluem o ensino médio no Brasil estão em cursos profissionalizantes, enquanto nos países que integram a Organização

(o “clube dos ricos”) são 38%.

Não se trata de falta de interesse dos jovens ou de necessidade das empresas, mas de estímulos e ofertas. Levantamentos promovidos pela Fundação Roberto Marinho e Itaú Educação e Trabalho mostram que, entre os alunos do 9.º ano do ensino fundamental à 1.ª série do ensino médio, 62% considerariam essa possibilidade, mas mais da metade não conhece nenhuma escola de educação profissional e tecnológica (EPT) e 77% dizem ter baixo ou nenhum conhecimento sobre essa modalidade de ensino. A falta de qualificações técnicas foi apontada por 66% das empresas como a principal dificuldade na contratação de cargos de nível médio. Metade delas declara que poderia contribuir com o ensino técnico, por meio de formação aos jovens, oferecimento de vagas de estágio ou aprendizagem.

O estigma do ensino técnico no Brasil tem raízes culturais profundas. Historicamente, os currículos do ensino médio foram condicionados pelo bacharelismo. Curiosamente, a tendência foi reforçada por correntes marxistas, que acusam a formação técnica de ser um mecanismo burguês para manter a alienação das massas trabalhadoras.

Se a dicotomia que associa formação acadêmica a ofícios intelectuais (mais “nobres”) e a formação técnica a trabalhos braçais (menos “nobres”) já é em si duvidosa, na Revolução Industrial 4.0 é francamente enganosa.

Apesar disso, a educação de nível superior é persistentemente vista não só como uma via importante de ascensão social, mas a única. Como disse o educador Alexandre Sayad, por décadas a universidade foi “uma miragem para a população mais pobre, um oásis para quem tinha recursos”. Mas 80% dos alunos do ensino médio não têm acesso à universidade. As ilhas de excelência, como o Sistema S ou Paula Souza, não conseguem atender a toda a demanda das classes baixas e acabam servindo a uns poucos das classes médias, para os quais, muitas vezes, são só um trampolim para cursos universitários longos, onerosos e de baixa qualidade.

A reforma de 2017 abriu a possibilidade de reintegrar o ensino técnico ao ensino médio, aproximando o Brasil do mundo desenvolvido. Mas, apesar de algumas boas iniciativas estaduais, as dificuldades práticas na sua implementação ainda não foram devidamente enfrentadas pelo poder público.

A Base Nacional Curricular Comum ainda não definiu com suficiente clareza os itinerários formativos. Ainda não há um sistema nacional de avaliação e certificação complementar ao Enem. Por fim, é preciso investir em canais que viabilizem interações criativas entre as escolas, as instituições de formação profissional e as empresas. A solução natural seria instituições como o Senai ou o Senac oferecerem o currículo técnico e a escola, o acadêmico. Mas ainda falta uma articulação bem planejada.

“Se as instituições de formação profissional souberem aliar-se às escolas públicas para oferecer uma ampla gama de cursos, trata-se de uma solução do tipo ‘win-win’”, apontam os pesquisadores S. Schwartzman, C. Gomes, C. Castro e J. Oliveira, em estudo sobre a Reforma do Ensino Médio. “Ganham as escolas, ao tornarem seus programas menos áridos. Ganham estas instituições, por expandir seu mercado. Ganha o setor produtivo, ao receber mão de obra com uma gama variada de iniciação profissional. Ganham os estudantes, por seguirem cursos que sejam de seu real interesse.”

Transparência não é favor

O Estado de S. Paulo

Chega de mistério e esquemas antirrepublicanos. O Congresso tem de acabar com o ‘orçamento secreto’

No fim da semana passada, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou pedido do presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para que fosse estendido, mais uma vez, o prazo estabelecido pela Corte para que fosse dada “ampla publicização dos documentos embasadores da distribuição de recursos das emendas do relator-geral do Orçamento (RP-9) no período correspondente aos exercícios de 2020 e 2021”.

Em ano eleitoral, as lideranças do Congresso pretendiam ganhar mais tempo para manter ocultos os critérios de favorecimento de uma casta de parlamentares aquinhoados com verbas do “orçamento secreto”, escândalo revelado pelo Estadão em maio do ano passado. A ministra entendeu se tratar de um pedido meramente protelatório e, em boa hora, o indeferiu, alegando não haver “razões legítimas e motivos razoáveis” para a concessão de uma dilação do prazo definido pela Corte para cumprimento não apenas de uma decisão judicial, mas de um comando da própria Constituição. É sempre bom lembrar que, em uma República democrática, como é o Brasil, a transparência é a regra e o sigilo, exceção.

Em 17 de dezembro de 2021, o plenário do STF decidiu que o prazo de 90 dias corridos era “adequado e suficiente” para que o Congresso adotasse as medidas necessárias à garantia da ampla publicidade dos critérios de distribuição das emendas RP-9. Prazo anterior já havia sido concedido pela Corte e, durante o período, o Congresso nada fez para cumprir a decisão judicial e dar transparência ao processo.

Até hoje, desde quando o País tomou conhecimento do “orçamento secreto”, não se sabe exatamente quem pediu, quem autorizou e quem recebeu volume tão impressionante de recursos públicos – são mais de R$ 16 bilhões sendo negociados fora de quaisquer controles institucionais.

A bem da verdade, o pedido formulado pelo senador Rodrigo Pacheco foi orientado por razões de natureza eminentemente políticas, não técnicas. É evidente que, se quiser, o Congresso tem condições de revelar todos os dados sobre a distribuição de recursos orçamentários por meio das emendas RP-9. Não o faz porque não quer, simples assim. Há desejo dos beneficiários em manter a opacidade sobre a origem e o destino de tantos bilhões de reais.

Outro escândalo revelado pelo Estadão na semana passada – a falta de transparência no manejo de recursos do bilionário Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) por lideranças do PP, como o presidente da Câmara, Arthur Lira, e o chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira – mostra que há grande disposição de um grupo de parlamentares em manter ao abrigo do escrutínio público o manejo das verbas do Orçamento.

Chega de mistério e esquemas antirrepublicanos. A decisão do STF tem de ser cumprida pelo Congresso sem mais delongas ou discussões. Enquanto não houver ampla transparência sobre a execução do Orçamento, não se pode condenar quem suspeite de interesses espúrios por trás da conduta de alguns parlamentares. E essa nuvem de suspeição é péssima para a democracia.

Novo programa só tem impacto a curto prazo

Valor Econômico

O pacote é mais do mesmo, pois o governo resolveu não encarar os problemas de fundo

O governo anunciou com pompa e circunstância na semana passada um pacote para estimular o nível de atividades e ajudar a população, calculando potencial tornar disponíveis à economia R$ 150 bilhões. No entanto, o volume de recursos efetivamente liberado é bem menor e o movimento do governo apenas mostra um cardápio mais do que conhecido e não muito eficiente para amenizar o quadro de escalada da inflação, alta dos juros, atividade em baixa e queda de renda. O principal alvo é melhorar sua posição nas pesquisas eleitorais.

Se todos os recursos anunciados forem efetivamente tomados somariam R$ 166,7 bilhões. Mas, das quatro medidas divulgadas, apenas a liberação do saque extraordinário do FGTS traz dinheiro novo. Qualquer pessoa que tenha recursos no fundo poderá sacar até R$ 1 mil. A iniciativa pode resultar no resgate de R$ 30 bilhões, ao longo de nove meses, escalonado de 20 de abril a 15 de dezembro - e não é novidade. O ex-presidente Michel Temer (MDB) tomou medida semelhante em dezembro de 2017 e o próprio governo Bolsonaro liberou recursos do FGTS em 2020 e 2021, totalizando quase R$ 100 bilhões.

A antecipação do 13º salário de aposentados e pensionistas do INSS, também feita anteriormente no atual governo, deve envolver R$ 56,7 bilhões, liberados em duas parcelas, R$ 28 bilhões em abril e outro tanto em maio. Nesse caso, haverá apenas o adiantamento de um pagamento que ocorreria no segundo semestre.

A maior parcela de recursos pode vir de empréstimos, que podem ou não ser tomados e que deverão ser restituídos. Uma das medidas amplia a margem de empréstimo consignado dos atuais 35% do valor do benefício para até 40%. Poderão levantar os recursos aposentados e pensionistas do INSS e quem recebe benefícios assistenciais, como o de Prestação Continuada (BCP) e o Auxílio Brasil. No total são 52 milhões de pessoas, que poderiam captar R$ 77 bilhões. Há, por fim, a linha de R$ 3 bilhões de microcrédito para pessoas físicas e microempreendedores individuais (MEIs), que será lançada ao final do mês.

O anúncio do Programa Renda e Oportunidade ocorreu no mesmo dia em que o Ministério da Economia rebaixou as previsões para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano, e revisou para cima as da inflação. A Secretaria de Política Econômica (SPE) cortou a expectativa de crescimento da economia de 2,1% para 1,5% como resultado da desaceleração do fim de 2021 e da guerra entre a Rússia e Ucrânia. Ainda assim, está bem mais otimista do que o mercado, que espera apenas 0,49% de crescimento, segundo a pesquisa mais recente Focus. O Índice de Atividade do Banco Central (IBC-Br) confirmou que o ano começou mal, ao marcar queda de 0,99% em janeiro na comparação com dezembro.

Para a inflação, as previsões também são pessimistas e foram elevadas para 6,55% em comparação com os 4,7% esperados em novembro para o IPCA. Também na semana passada o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) elevou a taxa básica de juros para 11,75% ao ano, o maior patamar em cinco anos. Embora o desemprego tenha diminuído em janeiro, a renda real do trabalho recuou quase 10% no intervalo de um ano em consequência do aumento da informalidade e da inflação, de acordo com dados divulgados pelo IBGE.

O Programa Renda e Economia vai na contramão da política monetária do BC, que visa conter a inflação. Se o consumo se acentuar pode até levar o BC a aumentar mais os juros. As críticas também vêm do lado da construção civil e membros do conselho do FGTS, uma vez que esvaziam o patrimônio do fundo e reduzem a oferta de recursos para obras de infraestrutura e moradias, que poderiam gerar empregos.

Economistas ouvidos pelo Valor calculam que o pacote pode aumentar o PIB em 0,25 ponto a 0,3 ponto percentual. De toda forma, são medidas que dão fôlego curto à economia, como a antecipação do 13º salário dos aposentados e pensionistas do INSS que vai trazer um recurso agora, mas vai abrir um buraco nos bolsos no fim do ano. Mostram ainda que os recursos para animar a economia são escassos diante das limitações fiscais; e as medidas já são conhecidas. O pacote, afinal, é mais do mesmo. O governo resolveu não encarar os problemas de fundo, como a reforma tributária e a administrativa e o estímulo à produtividade, e preferiu gastar o excedente da arrecadação de 2021 na ampliação do fundo eleitoral.

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