EDITORIAIS
Governos estaduais dão reajustes sem
critério sensato
O Globo
Governantes no Brasil não perdem a
oportunidade de perder uma oportunidade. No ano passado, os governos estaduais
e municipais obtiveram, no conjunto, superávit de quase R$ 100 bilhões em suas
contas, o melhor desempenho já registrado. Uma das principais causas para o
resultado fora do comum foi o veto a reajustes salariais para o funcionalismo
até dezembro de 2021, medida adotada em resposta à crise da pandemia.
Era de esperar que os governadores tivessem aprendido a lição: sem controlar a folha de pagamento, o maior custo dos estados, não há como manter as contas em ordem. Mas parece que não foi o que aconteceu. Como mostrou reportagem do GLOBO, o cálculo político de curto prazo, de olho nas eleições deste ano, falou mais alto. Entre recomposições e reajustes, praticamente todos os governadores já deram aumentos aos servidores ou planejam dar. Somadas, as medidas deverão custar pelo menos R$ 28 bilhões aos cofres públicos.
Não se trata de gasto eventual. Para
agradar a essa parcela do eleitorado, os governadores impuseram um custo
permanente a seus Orçamentos, de impacto fiscal irreversível. Na hora de
distribuir afagos ao funcionalismo, há como que um coro em uníssono,
independentemente do timbre partidário ou das escalas ideológicas. A maioria
optou por um aumento linear a todos os servidores. Alguns beneficiaram
categorias específicas, como agentes da força de segurança ou professores.
É verdade que os salários do funcionalismo
estão defasados e que a inflação segue alta. Numa situação ideal, todos mereceriam
reajustes. Mas o funcionalismo continua a viver num mundo à parte. Em nenhum
momento da pandemia, os servidores temeram por seus empregos, nem sofreram
redução em sua remuneração. O contraste com o restante da força de trabalho é
chocante.
Os três últimos anos foram extremamente
difíceis para empregados do setor privado e empresários. Em 2019, antes do
coronavírus, o reajuste de salários empatou com a inflação. Ao longo de 2020,
milhares de empresas encerraram atividades de forma temporária ou definitiva.
Parte voltou a operar e, em 2021, houve um saldo positivo robusto entre
empresas criadas e fechadas. Só que a maioria delas são negócios individuais,
sinal da dificuldade de encontrar emprego que leva muitos a empreender. Como
resultado, os reajustes salariais ficaram abaixo da inflação, segundo a
Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). Apesar da recuperação
econômica em 2021, há 12 milhões de brasileiros desempregados, e 4,8 milhões
que desistiram de procurar emprego.
Uma das principais metas dos governadores
deveria ser a transformação da gestão pública. Mas o país deixou de lado a
discussão sobre a reforma administrativa no momento em que mais precisava dela.
O estabelecimento de critérios mais sensatos para reajustes e promoções, com
gestão responsável de gastos e manutenção das contas em dia, traria um ambiente
propício ao crescimento econômico e à criação de empregos. Agradar a grupos de
pressão específicos em anos eleitorais é o contrário disso.
Se cumprir o que prometeu ao STF, Telegram
se tornará um exemplo
O Globo
Foi certeira a estratégia do ministro
Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), para enquadrar o
aplicativo Telegram nas regras que todas as demais redes sociais deverão seguir
para combater a desinformação na campanha eleitoral deste ano. Diante da ameaça
de suspensão do serviço no Brasil, onde soma dezenas de milhões de usuários, o
Telegram decidiu enfim respeitar todas as determinações da Justiça que havia
ignorado e — o mais importante — designou quem deverá responder legalmente pela
empresa diante da lei brasileira.
Na decisão em que revoga a suspensão
imposta na sexta-feira, Alexandre afirma que o Telegram removeu o post em que o
presidente Jair Bolsonaro divulgava um inquérito sigiloso da Polícia Federal e
bloqueou canais de desinformação usados por propagandistas do bolsonarismo. A
decisão demonstra, para quem ainda tinha dúvida, que em nenhum momento se
tratou de cercear o discurso, a liberdade ou os negócios de quem quer que seja
— mas apenas de fazer cumprir a lei.
Na mensagem enviada ao STF, o Telegram
relaciona medidas que promete tomar para colaborar com a Justiça brasileira.
Entre elas:
1) monitorar o conteúdo dos cem canais mais
populares no Brasil, responsáveis por 95% das mensagens vistas, para
“identificar informações perigosas e deliberadamente falsas no Telegram com
mais eficiência”;
2) monitorar manualmente o conteúdo
veiculado pelos meios de comunicação brasileiros e posts em redes sociais, para
acompanhar “as discussões em torno do Telegram, além de prever potenciais
questões de moderação de conteúdo — e tomar medidas antes que se tornem
desafios maiores”;
3) oferecer meios técnicos para identificar
publicações como imprecisas ou falsas, de acordo com a avaliação de agências de
verificação de fatos;
4) impor restrições a usuários banidos por
disseminar desinformação;
5) promover informações verificadas por
fontes confiáveis, em particular em casos de saúde pública, por meio de
convites à participação em canais oficiais de seriedade comprovada.
A mensagem de desculpas do Telegram ao
Supremo provoca alívio e traz uma lição. Alívio por mostrar que um dos
principais meios usados para disseminar desinformação, que tem em Bolsonaro seu
maior vetor político, não se julga acima da lei. “Acreditamos que, se
tivéssemos monitorado a mídia no Brasil antes, a crise atual poderia ter sido
evitada”, afirma o documento.
E lição, por deixar claro, num momento em
que outras redes sociais tentam embaralhar a discussão em torno do urgente e
necessário Projeto de Lei das Fake News, que nenhuma das exigências da nova lei
sobre moderação de conteúdo é absurda. Ao contrário. O recuo do Telegram prova
que cabe às redes sociais a maior parte da responsabilidade pelas consequências
do que veiculam. Se cumprir tudo aquilo com que se comprometeu na mensagem ao
Supremo, o Telegram poderá deixar de ser o adolescente rebelde que ignora as
regras e se tornará um exemplo para todas as demais plataformas digitais.
Medida extrema
Folha de S. Paulo
Resposta ao Telegram, necessária, expôs
precariedade de meios ao alcance do STF
Foi necessária uma medida drástica para que
os donos do Telegram finalmente se submetessem às determinações da Justiça
brasileira, após meses se comportando como se estivessem fora do alcance da
lei.
Na sexta-feira (18), o ministro Alexandre
de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, mandou
bloquear o acesso ao aplicativo no Brasil até que fossem cumpridas as
sucessivas decisões judiciais ignoradas pela empresa reiteradamente.
No domingo (20), o Telegram acatou as
ordens do ministro, que
então revogou a decisão que determinara a suspensão dos seus serviços
—antes mesmo que provedores de internet e operadoras de telefonia tivessem
tempo de implementá-la.
Fundador da empresa, o russo Pavel Durov
pediu desculpas ao STF, nomeou um representante legal no Brasil e anunciou
medidas para conter a desinformação nos canais da plataforma.
Ele anunciou que os mais populares passarão
a ser monitorados com ajuda de agências de checagem, prometeu alertar os
usuários quando houver publicações duvidosas e ameaçou barrar os que insistirem
em propagar falsidades. Se é para valer, o tempo dirá.
O Telegram ganhou terreno no mercado ao
adotar controles frouxos sobre conteúdos e funcionar sem as barreiras que
limitam grupos muito numerosos em outros aplicativos de mensagens.
Além de servir como instrumento para
comunicação pessoal, o aplicativo permite que um único canal se comunique
simultaneamente com milhares de usuários, ampliando sobremaneira a influência
de seus criadores.
As autoridades brasileiras começaram a se
preocupar com o Telegram ao perceber que apoiadores do presidente Jair
Bolsonaro (PL) o adotaram como uma espécie de porto seguro após sofrer
restrições em outras plataformas.
É o caso do mais notório deles, o
jornalista Allan dos Santos. Banido das redes e alvo de ações, ele fugiu para
os EUA e passou a se comunicar com militantes e pedir doações no Telegram. A
empresa só aceitou remover suas contas quando Moraes ordenou o bloqueio.
Os fundamentos jurídicos da decisão do
ministro do STF são questionáveis, deve-se dizer. Na ausência de uma lei que
justifique medida tão drástica, ele se amparou num dispositivo do Marco Civil
da Internet que permite suspender atividades de coleta de dados pessoais em
certas situações.
Se a ordem de bloqueio mostrou que a
Justiça está disposta a exercer sua autoridade para combater afrontas em
potencial às normas eleitorais, também serviu para expor a precariedade dos
meios à sua disposição para lidar com o problema —que tangencia ainda o
respeito à liberdade de expressão.
MEC paralelo
Folha de S. Paulo
Também na Educação Bolsonaro usa operadores
informais de interesses opacos
A notícia de que o ministro da Educação,
Milton Ribeiro, mantém um esquema informal para intermediação de pleitos,
liderado por dois pastores evangélicos sem vínculos funcionais com a pasta, é
mais uma evidência da estratégia adotada por Jair Bolsonaro de operar em áreas
cruciais da administração com estruturas paralelas.
Em conversa gravada obtida pela Folha, Ribeiro afirma que os
pedidos negociados pelos pastores Gilmar Silva dos Santos e Arilton Moura são
prioritários para o governo.
Em reunião com gestores municipais
interessados em recursos, o ministro diz que o atendimento às proposições de um
dos religiosos foi uma determinação do próprio Jair Bolsonaro (PL). "Foi
um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão
do Gilmar", relata o titular do MEC, também ele pastor.
Como já havia noticiado o jornal O Estado
de S. Paulo, há relatos de que os pastores agenciam demandas por verbas em
Brasília, em particular do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
(FNDE). Viajam em aviões da FAB, participam de agendas oficiais e atuam em
diversas áreas do país, notadamente na região Norte.
Casos de grupos mantidos à sombra por
Bolsonaro para participar de políticas governamentais não são novidade. A
Polícia Federal já apontou a existência, na área de comunicação, do que ficou
conhecido como gabinete do ódio —milícia digital que atua para disseminar fake
news, combater adversários do governo e mobilizar radicais bolsonaristas nas
redes sociais.
Não é segredo que o vereador carioca Carlos
Bolsonaro (Republicanos), filho do presidente, é personagem central nessa
organização, investigada pelo Supremo Tribunal Federal em inquérito aberto por
determinação do ministro Alexandre de Moraes.
Na mesma linha, durante as apurações da CPI
da Covid, ficou comprovada a existência de uma equipe clandestina, integrada
por médicos com tendências negacionistas, para municiar o presidente em sua
estratégia de alardear tratamento precoce para a doença e rejeitar a vacinação
em massa.
A essas estruturas fantasmas na Saúde e na comunicação junta-se agora o gabinete do ministro da Educação. Trata-se de um método espúrio, opaco e, como se vê, desastroso de governar. É preciso que os fatos ora revelados sejam apurados e que se apliquem as medidas legais cabíveis para coibi-los.
O custo do atraso das vacinas
O Estado de S. Paulo.
A recuperação insegura ainda reflete os
efeitos econômicos do atraso das vacinas e da política deficiente de imunização
A recuperação insegura ainda reflete os
efeitos econômicos da política deficiente.
Com crescimento de 4,9% nos 12 meses até
janeiro, a economia brasileira continua em lenta recuperação, marcada por
avanços, tropeços e menor dinamismo que na fase anterior à covid-19. Passada a
pior fase da pandemia, a cura permanece incompleta. A instabilidade ficou
clara, mais uma vez, na virada do ano.
No trimestre móvel terminado em janeiro, a
atividade foi 1% superior à do período de agosto a outubro. Mas o fôlego foi
curto e em janeiro houve queda mensal de 1,4%. No primeiro mês de 2022, a agropecuária
produziu 1,2% menos que em dezembro, a produção da indústria geral cresceu
apenas 0,1% e a do setor de serviços encolheu 1,4%. O consumo das famílias,
importante motor dos negócios, foi 1,3% menor que no mês anterior, já
descontados os fatores sazonais. Os números são do Monitor do PIB-FGV, a mais
detalhada prévia mensal do Produto Interno Bruto (PIB). As contas oficiais são
publicadas trimestralmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE).
Resultados já medíocres no período pré-pandemia
tornaram-se piores depois do surto de covid-19, segundo o responsável pelo
Monitor, economista Claudio Considera. O recuo do consumo familiar de bens e
serviços mostra com clareza, de acordo com o pesquisador, os efeitos do atraso
da compra de vacinas e, depois, da falta de um programa de vacinação.
Entre janeiro de 2019 e fevereiro de 2020 o
consumo das famílias cresceu 2,3% trimestralmente. Entre março de 2020 e
janeiro de 2022, houve em média queda trimestral de 1%. As compras de bens
duráveis aumentaram trimestralmente 5,1% no primeiro período e caíram 0,1% no
segundo. Os gastos com serviços, especialmente afetados pelo distanciamento
social, avançaram 2,6% na primeira fase e apenas 0,8% na outra, também segundo
o critério da média trimestral. O distanciamento poderia ter sido mais breve,
com uma vacinação mais pronta e mais ampla.
O ritmo da atividade mudou sensivelmente
entre os dois períodos, passando de um crescimento trimestral de 1,1%, em
média, para um aumento de apenas 0,4%. Em 2017, primeiro ano depois da recessão
de 2015-2016, o PIB cresceu 1,3%. A expansão chegou a 2% em 2018 e recuou para
1,1% em 2019, início do mandato do presidente Jair Bolsonaro. Com a pandemia, o
PIB diminuiu 3,9% em 2020.
A reação de 4,6% em 2021 mais que compensou
a perda do ano anterior, mas a economia ficou apenas 0,5% acima do nível de
2019. A maior parte dos dados indica o retorno a uma normalidade medíocre ou
menos que medíocre. Especialmente preocupante, nesse quadro, é o
enfraquecimento da indústria de transformação, situada, no fim do ano passado,
bem abaixo dos patamares de 2017 e 2018.
Diante da evidente desindustrialização do
País, o ministro da Economia, Paulo Guedes, contentou-se, até agora, com o
anúncio de reduções do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), como se
esse tributo fosse a causa única, ou talvez principal, da estagnação da
indústria e de seu baixo poder de competição. Iniciativas como essa, muito
limitadas, mostram a distância entre as decisões da equipe econômica e os
problemas da economia real, isto é, do sistema produtivo tal como as pessoas
informadas o percebem no dia a dia.
Tributos são problemas importantes, de
fato, mas principalmente por serem incompatíveis com objetivos de eficiência e
competitividade. Não há como cuidar adequadamente dessas questões sem pensar na
funcionalidade dos impostos, nas condições de financiamento, nos custos da
modernização e nos vínculos internacionais. Política industrial envolve
estratégia comercial, programas de infraestrutura e planos educacionais.
Envolve, enfim, preocupações e formas de trabalho muito distantes daquelas
observadas no País nos últimos três anos.
O PIB deve crescer 0,5% neste ano e 1,3% no
próximo, segundo projeção do mercado. São números compatíveis com os padrões
observados principalmente a partir de 2019, quando a lenta recuperação iniciada
em 2017 foi interrompida por um presidente ignorante das necessidades e das
potencialidades do País.
Hora de modernizar o ensino técnico
O Estado de S. Paulo.
A reforma do ensino médio deu novo alento à
formação profissionalizante. Mas preconceitos culturais e desafios práticos
ainda precisam ser enfrentados
O ensino profissional e técnico no Brasil é
desprestigiado, defasado e deficitário em relação à demanda dos jovens e do
mercado de trabalho. A reforma do ensino médio, estabelecida em 2017, e que
entra em vigor em 2022, criou possibilidades de revitalizar o ensino
profissionalizante, reintegrando-o ao ensino médio. Mas, caracteristicamente,
ele recebeu menos atenção no debate público e entre os gestores da educação, e
ainda pairam muitas incertezas sobre sua implementação.
Segundo a Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), apenas 9% dos alunos que concluem o ensino
médio no Brasil estão em cursos profissionalizantes, enquanto nos países que
integram a Organização
(o “clube dos ricos”) são 38%.
Não se trata de falta de interesse dos
jovens ou de necessidade das empresas, mas de estímulos e ofertas.
Levantamentos promovidos pela Fundação Roberto Marinho e Itaú Educação e
Trabalho mostram que, entre os alunos do 9.º ano do ensino fundamental à 1.ª série
do ensino médio, 62% considerariam essa possibilidade, mas mais da metade não
conhece nenhuma escola de educação profissional e tecnológica (EPT) e 77% dizem
ter baixo ou nenhum conhecimento sobre essa modalidade de ensino. A falta de
qualificações técnicas foi apontada por 66% das empresas como a principal
dificuldade na contratação de cargos de nível médio. Metade delas declara que
poderia contribuir com o ensino técnico, por meio de formação aos jovens,
oferecimento de vagas de estágio ou aprendizagem.
O estigma do ensino técnico no Brasil tem
raízes culturais profundas. Historicamente, os currículos do ensino médio foram
condicionados pelo bacharelismo. Curiosamente, a tendência foi reforçada por
correntes marxistas, que acusam a formação técnica de ser um mecanismo burguês
para manter a alienação das massas trabalhadoras.
Se a dicotomia que associa formação
acadêmica a ofícios intelectuais (mais “nobres”) e a formação técnica a
trabalhos braçais (menos “nobres”) já é em si duvidosa, na Revolução Industrial
4.0 é francamente enganosa.
Apesar disso, a educação de nível superior
é persistentemente vista não só como uma via importante de ascensão social, mas
a única. Como disse o educador Alexandre Sayad, por décadas a universidade foi
“uma miragem para a população mais pobre, um oásis para quem tinha recursos”.
Mas 80% dos alunos do ensino médio não têm acesso à universidade. As ilhas de
excelência, como o Sistema S ou Paula Souza, não conseguem atender a toda a
demanda das classes baixas e acabam servindo a uns poucos das classes médias,
para os quais, muitas vezes, são só um trampolim para cursos universitários
longos, onerosos e de baixa qualidade.
A reforma de 2017 abriu a possibilidade de
reintegrar o ensino técnico ao ensino médio, aproximando o Brasil do mundo
desenvolvido. Mas, apesar de algumas boas iniciativas estaduais, as
dificuldades práticas na sua implementação ainda não foram devidamente
enfrentadas pelo poder público.
A Base Nacional Curricular Comum ainda não
definiu com suficiente clareza os itinerários formativos. Ainda não há um
sistema nacional de avaliação e certificação complementar ao Enem. Por fim, é
preciso investir em canais que viabilizem interações criativas entre as
escolas, as instituições de formação profissional e as empresas. A solução
natural seria instituições como o Senai ou o Senac oferecerem o currículo
técnico e a escola, o acadêmico. Mas ainda falta uma articulação bem planejada.
“Se as instituições de formação
profissional souberem aliar-se às escolas públicas para oferecer uma ampla gama
de cursos, trata-se de uma solução do tipo ‘win-win’”, apontam os pesquisadores
S. Schwartzman, C. Gomes, C. Castro e J. Oliveira, em estudo sobre a Reforma do
Ensino Médio. “Ganham as escolas, ao tornarem seus programas menos áridos.
Ganham estas instituições, por expandir seu mercado. Ganha o setor produtivo,
ao receber mão de obra com uma gama variada de iniciação profissional. Ganham
os estudantes, por seguirem cursos que sejam de seu real interesse.”
Transparência não é favor
O Estado de S. Paulo
Chega de mistério e esquemas antirrepublicanos. O Congresso tem de acabar com o ‘orçamento secreto’
No fim da semana passada, a ministra Rosa
Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou pedido do presidente do
Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para que fosse estendido, mais uma
vez, o prazo estabelecido pela Corte para que fosse dada “ampla publicização
dos documentos embasadores da distribuição de recursos das emendas do
relator-geral do Orçamento (RP-9) no período correspondente aos exercícios de
2020 e 2021”.
Em ano eleitoral, as lideranças do
Congresso pretendiam ganhar mais tempo para manter ocultos os critérios de
favorecimento de uma casta de parlamentares aquinhoados com verbas do
“orçamento secreto”, escândalo revelado pelo Estadão em maio do ano
passado. A ministra entendeu se tratar de um pedido meramente protelatório e,
em boa hora, o indeferiu, alegando não haver “razões legítimas e motivos
razoáveis” para a concessão de uma dilação do prazo definido pela Corte para
cumprimento não apenas de uma decisão judicial, mas de um comando da própria
Constituição. É sempre bom lembrar que, em uma República democrática, como é o
Brasil, a transparência é a regra e o sigilo, exceção.
Em 17 de dezembro de 2021, o plenário do
STF decidiu que o prazo de 90 dias corridos era “adequado e suficiente” para
que o Congresso adotasse as medidas necessárias à garantia da ampla publicidade
dos critérios de distribuição das emendas RP-9. Prazo anterior já havia sido
concedido pela Corte e, durante o período, o Congresso nada fez para cumprir a
decisão judicial e dar transparência ao processo.
Até hoje, desde quando o País tomou
conhecimento do “orçamento secreto”, não se sabe exatamente quem pediu, quem
autorizou e quem recebeu volume tão impressionante de recursos públicos – são
mais de R$ 16 bilhões sendo negociados fora de quaisquer controles
institucionais.
A bem da verdade, o pedido formulado pelo
senador Rodrigo Pacheco foi orientado por razões de natureza eminentemente
políticas, não técnicas. É evidente que, se quiser, o Congresso tem condições
de revelar todos os dados sobre a distribuição de recursos orçamentários por
meio das emendas RP-9. Não o faz porque não quer, simples assim. Há desejo dos
beneficiários em manter a opacidade sobre a origem e o destino de tantos
bilhões de reais.
Outro escândalo revelado pelo Estadão na semana passada
– a falta de transparência no manejo de recursos do bilionário Fundo Nacional
de Desenvolvimento da Educação (FNDE) por lideranças do PP, como o presidente
da Câmara, Arthur Lira, e o chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira – mostra que há
grande disposição de um grupo de parlamentares em manter ao abrigo do
escrutínio público o manejo das verbas do Orçamento.
Chega de mistério e esquemas
antirrepublicanos. A decisão do STF tem de ser cumprida pelo Congresso sem mais
delongas ou discussões. Enquanto não houver ampla transparência sobre a
execução do Orçamento, não se pode condenar quem suspeite de interesses
espúrios por trás da conduta de alguns parlamentares. E essa nuvem de suspeição
é péssima para a democracia.
Novo programa só tem impacto a curto prazo
Valor Econômico
O pacote é mais do mesmo, pois o governo
resolveu não encarar os problemas de fundo
O governo anunciou com pompa e
circunstância na semana passada um pacote para estimular o nível de atividades
e ajudar a população, calculando potencial tornar disponíveis à economia R$ 150
bilhões. No entanto, o volume de recursos efetivamente liberado é bem menor e o
movimento do governo apenas mostra um cardápio mais do que conhecido e não
muito eficiente para amenizar o quadro de escalada da inflação, alta dos juros,
atividade em baixa e queda de renda. O principal alvo é melhorar sua posição
nas pesquisas eleitorais.
Se todos os recursos anunciados forem
efetivamente tomados somariam R$ 166,7 bilhões. Mas, das quatro medidas
divulgadas, apenas a liberação do saque extraordinário do FGTS traz dinheiro
novo. Qualquer pessoa que tenha recursos no fundo poderá sacar até R$ 1 mil. A
iniciativa pode resultar no resgate de R$ 30 bilhões, ao longo de nove meses,
escalonado de 20 de abril a 15 de dezembro - e não é novidade. O ex-presidente
Michel Temer (MDB) tomou medida semelhante em dezembro de 2017 e o próprio
governo Bolsonaro liberou recursos do FGTS em 2020 e 2021, totalizando quase R$
100 bilhões.
A antecipação do 13º salário de aposentados
e pensionistas do INSS, também feita anteriormente no atual governo, deve
envolver R$ 56,7 bilhões, liberados em duas parcelas, R$ 28 bilhões em abril e
outro tanto em maio. Nesse caso, haverá apenas o adiantamento de um pagamento
que ocorreria no segundo semestre.
A maior parcela de recursos pode vir de
empréstimos, que podem ou não ser tomados e que deverão ser restituídos. Uma
das medidas amplia a margem de empréstimo consignado dos atuais 35% do valor do
benefício para até 40%. Poderão levantar os recursos aposentados e pensionistas
do INSS e quem recebe benefícios assistenciais, como o de Prestação Continuada
(BCP) e o Auxílio Brasil. No total são 52 milhões de pessoas, que poderiam
captar R$ 77 bilhões. Há, por fim, a linha de R$ 3 bilhões de microcrédito para
pessoas físicas e microempreendedores individuais (MEIs), que será lançada ao
final do mês.
O anúncio do Programa Renda e Oportunidade
ocorreu no mesmo dia em que o Ministério da Economia rebaixou as previsões para
o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano, e revisou para cima as
da inflação. A Secretaria de Política Econômica (SPE) cortou a expectativa de
crescimento da economia de 2,1% para 1,5% como resultado da desaceleração do
fim de 2021 e da guerra entre a Rússia e Ucrânia. Ainda assim, está bem mais
otimista do que o mercado, que espera apenas 0,49% de crescimento, segundo a
pesquisa mais recente Focus. O Índice de Atividade do Banco Central (IBC-Br)
confirmou que o ano começou mal, ao marcar queda de 0,99% em janeiro na
comparação com dezembro.
Para a inflação, as previsões também são
pessimistas e foram elevadas para 6,55% em comparação com os 4,7% esperados em
novembro para o IPCA. Também na semana passada o Comitê de Política Monetária
(Copom) do Banco Central (BC) elevou a taxa básica de juros para 11,75% ao ano,
o maior patamar em cinco anos. Embora o desemprego tenha diminuído em janeiro,
a renda real do trabalho recuou quase 10% no intervalo de um ano em
consequência do aumento da informalidade e da inflação, de acordo com dados
divulgados pelo IBGE.
O Programa Renda e Economia vai na
contramão da política monetária do BC, que visa conter a inflação. Se o consumo
se acentuar pode até levar o BC a aumentar mais os juros. As críticas também
vêm do lado da construção civil e membros do conselho do FGTS, uma vez que
esvaziam o patrimônio do fundo e reduzem a oferta de recursos para obras de
infraestrutura e moradias, que poderiam gerar empregos.
Economistas ouvidos pelo Valor calculam que o pacote pode aumentar o PIB em 0,25 ponto a 0,3 ponto percentual. De toda forma, são medidas que dão fôlego curto à economia, como a antecipação do 13º salário dos aposentados e pensionistas do INSS que vai trazer um recurso agora, mas vai abrir um buraco nos bolsos no fim do ano. Mostram ainda que os recursos para animar a economia são escassos diante das limitações fiscais; e as medidas já são conhecidas. O pacote, afinal, é mais do mesmo. O governo resolveu não encarar os problemas de fundo, como a reforma tributária e a administrativa e o estímulo à produtividade, e preferiu gastar o excedente da arrecadação de 2021 na ampliação do fundo eleitoral.
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