Valor Econômico
A elevação de preços das commodities tende
a ter impacto positivo sobre o investimento
Os primeiros meses do ano trouxeram dados e
informações que levaram a uma mudança relevante nas perspectivas para as
economias nacional e global em 2022. Do lado doméstico, assiste-se a um rebote
da atividade econômica e de preços de ativos, ainda que persistam as incertezas
fiscais e a inflação elevada. No ambiente global, temos uma guerra de
proporções relevantes, gerando alto custo humanitário, algo não visto no
continente desde o século passado, em um mundo que sequer saiu plenamente da
pandemia.
A Rússia é uma importante produtora e exportadora de commodities energéticas, metálicas e agrícolas, além de ser a maior exportadora de fertilizantes do mundo. A Ucrânia é também uma importante fonte de produtos agrícolas. A exclusão desses países do comércio internacional configura um novo choque de oferta, que vai afetar negativamente o crescimento e adicionar pressões inflacionárias. Em termos líquidos devemos ter um crescimento global um pouco mais lento, na faixa de 3%, ante 3,6% anteriormente, com inflação mundial em 5,4% (4,3% antes da guerra).
Do ponto de vista da atividade econômica, o
maior impacto, além das economias diretamente envolvidas no conflito, será
sobre a Europa e, de forma secundária, mas não irrelevante, economias
emergentes que dependem da importação de energia. O crescimento da área do euro
deve recuar de 4% para 3% nesse ano - e a economia russa pode apresentar
contração de 13%, semelhante ao observado em recessões nos turbulentos anos
1990, após o final da União Soviética.
Ainda que em meio a grande incerteza, por
ora o mais provável é que o petróleo siga rodando em torno de US$ 115 por
barril, cerca de 28% acima do esperado antes do conflito. Os preços de grãos
também devem ficar mais pressionados: alta de soja de 3%, 14% para o milho e
uma explosão de 71% nos preços do trigo, chegando a 15% em média. Note-se que,
caso a escassez de fertilizantes ocasionada pela guerra se estenda por vários
meses, a produção agrícola e a oferta de alimentos em 2023 poderão ficar
comprometidas, prolongando as pressões altistas e criando risco de tensões
sociais e políticas em diversos países.
A reação das autoridades monetárias
dependerá das condições iniciais e estágio do ciclo. Considerando as economias
centrais, o Fed, que está lidando com inflação alta, dinâmica salarial
complicada e expectativas começando a desancorar, vai seguir elevando a taxa de
política monetária, e, provavelmente, terá que começar a reduzir seu balanço
nos próximos meses. O BCE recentemente sinalizou que irá terminar a expansão
quantitativa em junho e poderá começar a normalizar a taxa de juros no segundo
semestre do ano.
Nesse meio tempo, as perspectivas de curto
prazo para a economia brasileira apresentam alguma melhora, pelo menos no que
se refere à atividade econômica. O PIB surpreendeu favoravelmente no quarto
trimestre de 2021, elevando o carrego estatístico para 2022, de -0,1% para
+0,3%. Essa surpresa deveu-se, em parte, à queda da taxa de poupança das
famílias abaixo da média histórica - 1,8%, ante uma média de 7% e um máximo de
24,6% no auge da pandemia. Mas os fundamentos para a atividade econômica
adiante também têm evoluído de forma mais favorável.
A elevação do salário mínimo, bem como
vultosos aumentos salariais para segmentos do funcionalismo público em escala
subnacional, têm mitigado a erosão do poder de compra de parcelas da população.
Mais importante, a elevação de preços de commodities tende a ter impacto
positivo sobre o investimento. Uma regra de bolso é que alta de 10% dos preços
da cesta de commodities exportada pelo país tende a elevar o crescimento PIB em
0,4%. Adicionalmente, possíveis desembolsos do FGTS podem impulsionar a demanda
no segundo trimestre.
A escalada dos preços de matérias primas
deve ajudar a atividade em 2022, mas deve também atrapalhar o processo de
redução da inflação. Já registramos importantes elevações nos preços de
combustíveis e alimentos também seguem pressionados. Com isso, a inflação deve
chegar a 6,5% (anteriormente, 5,5%) no final deste ano. Contribuiu para essa
alta, também, ainda que de forma subsidiária, algum repasse inercial da
inflação passada.
Cabe registrar, contudo, que o cenário
segue extremamente volátil. A projeção de inflação para 2022, por exemplo,
variou entre 5,5% e 7% na última semana, impactada pelo preço do petróleo e
grãos. Mesmo com a instabilidade e incerteza, a inflação ainda elevada requer
que o Banco Central continue o processo de ajuste da política monetária,
estendendo-se além do esperado anteriormente, com a Selic chegando a 13% ao ano
no fim do ciclo.
Parte dos impulsos observados em 2022, como
a redução da poupança das famílias e a alta de preços de commodities, devem
estar ausentes ou atuar em direção oposta em 2023, enfraquecendo as projeções
para o PIB, que não deve crescer além de 0,5%, também sob influência de uma
política monetária restritiva. Considerando uma perspectiva mais ampla,
permanece o quadro de uma economia com baixo dinamismo. Para sair da
estagnação, a receita é clara: preservar as reformas, e avançar no que resta
fazer, privatização e abertura comercial.
*Mario Mesquita é economista-chefe do Itaú Unibanco
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