terça-feira, 26 de abril de 2022

Pedro Cafardo: Cinco opiniões contrárias ao aumento dos juros

Valor Econômico

Para economistas, a alta da Selic é injusta e ineficiente

Vem aí uma nova escalada dos juros. A Selic será elevada de 11,75% para 12,75% na próxima semana. E o presidente do BC, Roberto Campos Neto, que se declarou surpreso com o IPCA de 1,62% em março, já “sinalizou” que haverá mais um aumento, em junho. O mercado gosta de usar o verbo sinalizar, em geral para indicar que está tudo decidido.

A opinião da Faria Lima é unânime. A alta dos juros é necessária para conter a inflação, a maior em 28 anos em março. Se o BC encerrar o processo de alta em maio, haverá risco de “desancoragem de expectativas” para a inflação de 2023. A expressão entre aspas é outra predileta do mercado. Significa que os investidores vão prever inflação mais alta se os juros não subirem tanto quanto esperam.

Mas será que a opinião da Faria Lima sobre a necessidade da alta dos juros é consensual entre economistas? A coluna fez essa pergunta a cinco deles, todos professores e não vinculados ao mercado financeiro, que podemos chamar de “não convencionais”. A resposta dos cinco foi “não”.

Fernando Ferrari Filho, da UFRGS, disse que a elevação de juros “não faz sentido” porque se tenta controlar um processo inflacionário mundial, decorrente dos efeitos de lockdowns na pandemia e da guerra na Ucrânia

“A inflação mundial advém de choque de oferta e não de demanda. Logo, elevar juros não tem impacto algum para arrefecer preços. No contexto atual, a alta tende a postergar a recuperação da economia brasileira, seja a demanda de consumo, seja o nível de investimento. E contribui para aumentar o déficit do governo.”

O mercado exige juros elevados, observa Ferrari, porque os rentistas têm ganhos financeiros. “Se, todavia, inserirmos no conjunto do mercado os setores industriais e de serviços, a maioria demanda juros baixos.”

Adalmir Marquetti, da PUC-RS, lembra que o BC elevou a Selic de 2% em março de 2021 para 11,75% em março de 2022. Nesse período, a inflação em 12 meses passou de 6,1% para 11,3%, o que comprovaria a incapacidade de a alta dos juros conter os preços. “A aceleração inflacionária decorreu de fatores de oferta, ligados à desorganização das cadeias de produção, às dificuldades de logística, ao fim da política de estoques reguladores, às questões climáticas e às políticas de preços dos combustíveis e de energia.”

Marquetti observa que a elevação dos juros neste momento transfere renda para o mercado financeiro sem afetar as causas fundamentais da inflação. “A redução da taxa de inflação passa pela reorganização das cadeias de produção e por políticas econômicas de oferta, como a reconstituição dos estoques reguladores e a alteração nas regras da política de preços da Petrobras e da energia elétrica. As mudanças internacionais foram aceleradas com a covid e a guerra na Ucrânia e podem significar um aumento da inflação mundial nos próximos anos. Portanto, as metas de inflação deveriam ser revistas para permitir afrouxar a política monetária.”

Rosa Maria Marques, da PUC-SP, diz que a política do BC é um desastre do ponto de vista do combate à inflação e está promovendo o desmonte do que ainda resta da economia nacional. A retomada da inflação tem múltiplas causas e nenhuma delas aponta para uma pressão da demanda. São elas: problemas de oferta derivados do enfraquecimento de elos das cadeias produtivas mundiais e locais ocorridos durante a pandemia; primazia do interesse dos acionistas na determinação do preço interno dos combustíveis; abandono do uso do estoque regulador de produtos agrícolas alimentícios; e, mais recentemente, a guerra na Ucrânia.”

A continuidade da elevação da Selic, afirma Rosa Marques, não freia o processo inflacionário e deprime a atividade econômica, tem impacto negativo sobre a dívida pública e prejudica as famílias, especialmente as de baixa renda.

Lauro Gonzalez, professor da FGV-SP, também observa que a inflação é mundial, vinda de choques de oferta e de reação à crise através de política pública por parte dos governos das maiores economias do mundo.

“Nesse período, portanto, a demanda foi, de alguma maneira, sustentada. Basta pensar nos cheques recebidos do governo pelos americanos ou no auxílio emergencial do Brasil. Ninguém sabe com certeza a fonte da inflação. O que fazer então? Aguardar os efeitos dos juros que, todos sabem, são defasados. Não faz sentido aumentá-los ainda mais. Isso atende unicamente às expectativas distorcidas por interesses do mercado.”

José Luís Oreiro, da UnB, diz que a política é ineficaz porque “elevar a taxa de juros faz sentido quando a inflação é produzida dentro do Brasil e principalmente, por excesso de demanda”. E esse não é o caso: temos uma inflação importada, de alimentos e de energia.

Oreiro cita um diagnóstico recente de Christine Lagarde, presidente do BC europeu: “Essa é uma inflação gerada fora da Europa e o banco central nada pode fazer”. Professor, ele apela ao economês: “O hiato do produto ainda é muito grande”. Isso significa que a capacidade de produção é hoje muito maior que a produção atual da economia. “O PIB está hoje abaixo do de 2013, com 11 milhões de desempregados, e elevar juros com esse quadro recessivo contraria a própria lei que criou a autonomia do BC, na qual se estabelece, mesmo de forma frouxa, que o BC tem de se preocupar com o nível de atividade e o emprego.”

“Já tivemos dois aumentos de juros neste ano, de 1,5 e de 1 ponto, e teremos mais um de 1 ponto em maio, totalizando 3,5 pontos. O remédio é inócuo, provoca recessão, transfere renda aos rentistas e aumenta o custo da dívida pública. Cada ponto percentual na Selic gera um gasto adicional para o Tesouro de R$ 30 bilhões em 12 meses. Então, só essas três elevações resultam em mais de R$ 100 bilhões num ano, muito mais que qualquer programa social do governo.”

A inflação é um fenômeno mundial, mas isso não quer dizer que não se deva combatê-la, diz Oreiro, que tem duas sugestões: 1) voltar a fazer estoques reguladores de alimentos, que eram usados para suavizar os aumentos dos alimentos e foram extintos nos governos Temer e Bolsonaro; 2) adotar imposto de exportação de commodities, para conter os preços de alimentos no mercado interno. “Os produtores estão ganhando rios de dinheiro enquanto o povo passa fome. Então, a política de juros é injusta e ineficiente”, afirma Oreiro.

 

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