Valor Econômico
Para economistas, a alta da Selic é injusta
e ineficiente
Vem aí uma nova escalada dos juros. A Selic
será elevada de 11,75% para 12,75% na próxima semana. E o presidente do BC,
Roberto Campos Neto, que se declarou surpreso com o IPCA de 1,62% em março, já
“sinalizou” que haverá mais um aumento, em junho. O mercado gosta de usar o
verbo sinalizar, em geral para indicar que está tudo decidido.
A opinião da Faria Lima é unânime. A alta
dos juros é necessária para conter a inflação, a maior em 28 anos em março. Se
o BC encerrar o processo de alta em maio, haverá risco de “desancoragem de
expectativas” para a inflação de 2023. A expressão entre aspas é outra
predileta do mercado. Significa que os investidores vão prever inflação mais
alta se os juros não subirem tanto quanto esperam.
Mas será que a opinião da Faria Lima sobre
a necessidade da alta dos juros é consensual entre economistas? A coluna fez
essa pergunta a cinco deles, todos professores e não vinculados ao mercado
financeiro, que podemos chamar de “não convencionais”. A resposta dos cinco foi
“não”.
Fernando Ferrari Filho, da UFRGS, disse que a elevação de juros “não faz sentido” porque se tenta controlar um processo inflacionário mundial, decorrente dos efeitos de lockdowns na pandemia e da guerra na Ucrânia
“A inflação mundial advém de choque de
oferta e não de demanda. Logo, elevar juros não tem impacto algum para
arrefecer preços. No contexto atual, a alta tende a postergar a recuperação da
economia brasileira, seja a demanda de consumo, seja o nível de investimento. E
contribui para aumentar o déficit do governo.”
O mercado exige juros elevados, observa
Ferrari, porque os rentistas têm ganhos financeiros. “Se, todavia, inserirmos
no conjunto do mercado os setores industriais e de serviços, a maioria demanda
juros baixos.”
Adalmir Marquetti, da PUC-RS, lembra que o
BC elevou a Selic de 2% em março de 2021 para 11,75% em março de 2022. Nesse
período, a inflação em 12 meses passou de 6,1% para 11,3%, o que comprovaria a
incapacidade de a alta dos juros conter os preços. “A aceleração inflacionária
decorreu de fatores de oferta, ligados à desorganização das cadeias de
produção, às dificuldades de logística, ao fim da política de estoques
reguladores, às questões climáticas e às políticas de preços dos combustíveis e
de energia.”
Marquetti observa que a elevação dos juros
neste momento transfere renda para o mercado financeiro sem afetar as causas
fundamentais da inflação. “A redução da taxa de inflação passa pela
reorganização das cadeias de produção e por políticas econômicas de oferta,
como a reconstituição dos estoques reguladores e a alteração nas regras da
política de preços da Petrobras e da energia elétrica. As mudanças
internacionais foram aceleradas com a covid e a guerra na Ucrânia e podem
significar um aumento da inflação mundial nos próximos anos. Portanto, as metas
de inflação deveriam ser revistas para permitir afrouxar a política monetária.”
Rosa Maria Marques, da PUC-SP, diz que a
política do BC é um desastre do ponto de vista do combate à inflação e está
promovendo o desmonte do que ainda resta da economia nacional. A retomada da
inflação tem múltiplas causas e nenhuma delas aponta para uma pressão da
demanda. São elas: problemas de oferta derivados do enfraquecimento de elos das
cadeias produtivas mundiais e locais ocorridos durante a pandemia; primazia do
interesse dos acionistas na determinação do preço interno dos combustíveis;
abandono do uso do estoque regulador de produtos agrícolas alimentícios; e,
mais recentemente, a guerra na Ucrânia.”
A continuidade da elevação da Selic, afirma
Rosa Marques, não freia o processo inflacionário e deprime a atividade
econômica, tem impacto negativo sobre a dívida pública e prejudica as famílias,
especialmente as de baixa renda.
Lauro Gonzalez, professor da FGV-SP, também
observa que a inflação é mundial, vinda de choques de oferta e de reação à
crise através de política pública por parte dos governos das maiores economias
do mundo.
“Nesse período, portanto, a demanda foi, de
alguma maneira, sustentada. Basta pensar nos cheques recebidos do governo pelos
americanos ou no auxílio emergencial do Brasil. Ninguém sabe com certeza a
fonte da inflação. O que fazer então? Aguardar os efeitos dos juros que, todos
sabem, são defasados. Não faz sentido aumentá-los ainda mais. Isso atende unicamente
às expectativas distorcidas por interesses do mercado.”
José Luís Oreiro, da UnB, diz que a
política é ineficaz porque “elevar a taxa de juros faz sentido quando a
inflação é produzida dentro do Brasil e principalmente, por excesso de
demanda”. E esse não é o caso: temos uma inflação importada, de alimentos e de
energia.
Oreiro cita um diagnóstico recente de
Christine Lagarde, presidente do BC europeu: “Essa é uma inflação gerada fora
da Europa e o banco central nada pode fazer”. Professor, ele apela ao economês:
“O hiato do produto ainda é muito grande”. Isso significa que a capacidade de
produção é hoje muito maior que a produção atual da economia. “O PIB está hoje
abaixo do de 2013, com 11 milhões de desempregados, e elevar juros com esse quadro
recessivo contraria a própria lei que criou a autonomia do BC, na qual se
estabelece, mesmo de forma frouxa, que o BC tem de se preocupar com o nível de
atividade e o emprego.”
“Já tivemos dois aumentos de juros neste
ano, de 1,5 e de 1 ponto, e teremos mais um de 1 ponto em maio, totalizando 3,5
pontos. O remédio é inócuo, provoca recessão, transfere renda aos rentistas e
aumenta o custo da dívida pública. Cada ponto percentual na Selic gera um gasto
adicional para o Tesouro de R$ 30 bilhões em 12 meses. Então, só essas três
elevações resultam em mais de R$ 100 bilhões num ano, muito mais que qualquer
programa social do governo.”
A inflação é um fenômeno mundial, mas isso
não quer dizer que não se deva combatê-la, diz Oreiro, que tem duas sugestões:
1) voltar a fazer estoques reguladores de alimentos, que eram usados para
suavizar os aumentos dos alimentos e foram extintos nos governos Temer e
Bolsonaro; 2) adotar imposto de exportação de commodities, para conter os
preços de alimentos no mercado interno. “Os produtores estão ganhando rios de
dinheiro enquanto o povo passa fome. Então, a política de juros é injusta e
ineficiente”, afirma Oreiro.
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