O Globo
O emaranhado que é preciso desatar para
entender o que há de errado no processo de privatização da Eletrobras é enorme.
Os especialistas no mercado estão divididos e mesmo ferrenhos privatistas
discordam da venda. A economista Elena Landau, ex-presidente do conselho da
empresa, era contra, mas acha hoje que, apesar das distorções, a Eletrobras
precisa ser vendida. “Agora não dá mais para voltar atrás. Poderemos ficar no
pior dos mundos, com os jabutis e sem a privatização.”
Para aprovar o projeto de privatização o
governo negociou com o Congresso concessões ilógicas do ponto de vista
econômico, que vão encarecer a energia e serão pagas pelo consumidor. Um
especialista do mercado explica assim:
— O maior jabuti são as térmicas com
endereço marcado, onde não tem gasoduto, e em regiões que hoje são exportadoras
de energia. Teremos que construir gasoduto para levar o gás, e linhas de
transmissão para trazer a energia de volta. Algo completamente antieconômico —
diz esse especialista.
Elena Landau explica que agora não dá mais
para se livrar deles:
— Já virou lei, está regulamentado.O cálculo que o mercado faz é que a energia sairá por R$ 600 o megawatt/hora. Mas ainda há dúvidas se mesmo com esse preço será possível viabilizar esse gasoduto para levar o gás.
Landau era presidente do conselho da
Eletrobras quando o assunto começou a ser discutido no governo Temer. Na época
a empresa estava fragilizada financeiramente. Devia seis vezes o seu Ebtida.
Estava praticamente quebrada, porque a MP 579, de 2012, a obrigou a cobrar
muito menos pela energia fornecida pelas usinas antigas. Isso ficou conhecido
como “regime de cotas”. A Eletrobras vendia a energia pela metade do valor do
que poderia cobrar nas usinas novas, que estavam fora das cotas. Perdeu na
época R$ 10 bilhões de faturamento. Foi acumulando prejuízos. A forma de fazer
a descotização levou à proposta de venda da empresa, pelo modelo de
capitalização. A empresa fará um aumento de capital, o governo não vai
acompanhar e assim perderá o controle da empresa. Com o dinheiro da oferta de
ações, a Eletrobras paga ao governo pela renovação da concessão das usinas e
assim sai do regime de cotas. Esse modelo foi definido no governo Temer, mas
foi piorado no governo Bolsonaro, com os jabutis.
— Esse é um dos piores processos de
privatização já feitos no Brasil. O governo negociou uma série de benesses,
tudo para fazer uma privatização a la Bolsonaro. Eu sempre fui contra esse
projeto. Primeiro, pelo procedimento, de cima para baixo, sem qualquer
discussão com a sociedade. Sem os estudos de avaliação que foram feitos em
outras privatizações. Ninguém debateu se a capitalização era o melhor projeto.
Ninguém explicou por que incluir Tucuruí, que podia ser uma venda à parte. A
falta de transparência é absurda. Falando sinceramente, este governo não gosta
de privatização. Não explica nada e quer empurrar goela abaixo — diz Elena
Landau.
A economista também critica o TCU, que está
agora adiando a aprovação do projeto. Na semana passada, o ministro Vital do Rego pediu vista atrasando uma resposta por
mais vinte dias:
— Isso é uso político do TCU, que está
discutindo se deve ou não privatizar. Isso não é função do tribunal de contas.
Qualquer conversa com executivos do setor,
e aqui na coluna tivemos várias nos últimos dias, começa sempre com a lembrança
de que a MP579, no governo Dilma, provocou uma grande desorganização no mercado
e levou a um tarifaço de 50% em dois anos. Essa é a origem da discussão sobre o
que fazer com a Eletrobras. A empresa passou por um ajuste no governo Temer que
reduziu o endividamento e o total de funcionários. Mesmo assim são inúmeros
cargos que podem ter indicação política.
— Levando-se em conta a holding e as
subsidiárias, Furnas, Chesf, Eletronorte, quando estive na empresa, tínhamos
que analisar 500 currículos para preencher todos os cargos nas empresas.
Quinhentos! Não se fazia outra coisa — conta Elena.
Para ser vendida, a Eletrobras teve que se
separar de Itaipu, que é uma binacional, e das usinas nucleares. Para isso foi
criada outra estatal, que já está contratando.
A grande questão, diz Elena, é que o
governo tem duas estatais de energia, Petrobras e Eletrobras, e não discute o
que o mundo inteiro está discutindo: a transição energética. Pior, por causa
dos jabutis, vai comprar caríssimo, R$ 600 o MWh, uma energia fóssil.
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