Correio Braziliense
Há uma crise institucional
instalada, que opõe o presidente Jair Bolsonaro ao Supremo, porém, o tempo pode
esvaziá-la. O rito judicial baixará a temperatura
Como todos sabem, os tempos da política são
diferentes no Executivo, no Legislativo e no Judiciário. Lidar com isso é
ciência e arte. O presidente Jair Bolsonaro foi rápido como o ponteiro dos
segundos ao perdoar o deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), condenado a oito anos
e nove meses de prisão pelo Supremo Tribunal Federal, livrando-o da cadeia, das
multas e da cassação de mandato, cuja sentença fora aprovada por acachapante
maioria de 10 a 1. O artigo 734 do Código de Processo Penal confere ao
presidente da República o poder de conceder esse perdão, “espontaneamente”. A
cúpula do Congresso acompanha o imbróglio com um olho na opinião pública e o
outro na execução das emendas ao Orçamento, no ritmo do ponteiro dos minutos.
Protegido por Bolsonaro, Silveira tripudia do Supremo, que o obrigou a usar tornozeleira eletrônica: o aparelho está descarregado desde 17 de abril e, a rigor, ninguém monitora o parlamentar. No Congresso, deputados bolsonaristas se mobilizam para aprovar uma lei que anistia os crimes de fake news, reduz o poder de cassação de mandatos do Supremo e possibilita processar os integrantes da Corte. Bolsonaro bate no peito e diz que o perdão (graça) concedido a Silveira será cumprido custe o que custar. O conjunto dessa obra seria a transformação do nosso Estado democrático de direito num regime iliberal. É mais ou menos isso que os partidários de Bolsonaro desejam. Já se mobilizam para uma manifestação pela “liberdade de expressão” no próximo 1º de Maio. O ato é contra o Supremo e está sendo apoiado pelo presidente da República, cuja reeleição está em risco.
O tempo do Supremo é lento como o ponteiro
das horas. O Art. 5º da Constituição de 1988 estabelece que “ninguém será
privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, que garante
a todos o direito a um processo com todas as etapas previstas em lei, dotado de
todas as garantias constitucionais. Da mesma forma como protege os réus, faz
com que os processos cheguem a um ponto final, nem que seja a prescrição
prevista em lei. É considerado o mais importante dos princípios
constitucionais, do qual derivam todos os demais.
O conceito remonta à Magna Carta de João
Sem Terra, de 1215, e ao Statute of Westminster of Theo Liberties of London, a
Lei Inglesa de 1354, de Eduardo III. O princípio law of the land ou seja,
direito da terra, garantia aos cidadãos um justo processo legal. Esse princípio
foi consagrado pela Constituição norte-americana e incorporado ao nosso
ordenamento jurídico. Garante o interesse público, coíbe o abuso de poder e
regula todo o processo criminal, garantindo os direitos de citação, ampla
defesa, defesa oral, apresentação de provas, opção de recorrer a um defensor
legalmente habilitado (advogado), contraditório, sentença fundamentada etc.
Consagra a legalidade e, também, a legitimidade da jurisdição, entendida como
“poder, função e atividade”. A jurisdição foi o calcanhar de Aquiles da
Lava-Jato.
Temperatura
O devido processo legal garante ao deputado
Daniel Silveira amplo direito de defesa. Por isso, seu julgamento ainda não foi
concluído pelo Supremo, que precisa respeitar os ritos e prazos do direito de
defesa. É aí que o presidente Jair Bolsonaro pôs a carroça à frente dos bois.
Ao conceder o perdão, se antecipou à conclusão do julgamento, como bem
assinalou o ex-presidente Michel Temer, além de abrir espaço para a contestação
de sua decisão, que extrapolou o que seria sua competência: perdoar a pena de
prisão; seus efeitos secundários, não.
O presidente da República não está nem um
pouco preocupado com filigranas jurídicas, seu objetivo é proteger seus aliados
e desmoralizar o Supremo. O problema é que o devido processo legal, nesse caso,
passou a funcionar a favor do Supremo, que pode jogar com o tempo para
construir uma decisão robusta, com base na Constituição, que frustre a intenção
de Bolsonaro.
O Judiciário é uma engrenagem complexa.
Ontem, a Justiça Federal do Rio de janeiro deu um prazo de 72 horas para a
União explicar a graça dada a Silveira. O juiz Carlos Ferreira de Aguiar, da
12ª Vara Federal do Rio, atendeu ao pedido dos advogados André Luiz Cardoso e
Rodolfo Prado, do Distrito Federal, que querem a suspensão do decreto. Na mesma
ação, a Advocacia-Geral da União (AGU) alega que o juiz não tem legitimidade
para analisar o caso, pois o tema está em tramitação no Supremo.
O caso Silveira será relatado pela ministra Rosa Weber, a quem caberá oferecer uma solução jurídica para a questão. Deu dez dias de prazo para o presidente Bolsonaro explicar sua decisão. Sem dúvida, há uma crise institucional instalada, que opõe Bolsonaro ao Supremo, porém, o tempo pode esvaziá-la. Apesar daqueles que querem pôr fogo no circo, é difícil manter a temperatura de ignição. O rito do devido processo legal vai baixar a temperatura.
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