Os generais de plantão não deram ouvidos ao que relataram os seus pares. Normal, têm medo dos fantasmas e não temem a “misericórdia de Deus”.
Se fosse possível fazer uma fotografia do
Brasil na atualidade, teríamos uma imagem das desigualdades que cada vez mais
impulsionam o lucro dos ricos e angustiam a vida dos pobres.
Alguns veem como bem-aventurança, para os
ricos, e misericórdia para os pobres.
E assim seguimos vivendo em busca da
sobrevivência para a maioria da população, enquanto a minoria se refestela
sobre os ganhos, fruto das oportunidades e do empreendedorismo, que é como se
considera o processo de exploração que acontece nestes tempos de globalização.
O Estado, no caso o Brasil, segue
destruindo as políticas públicas, resultado de todo o processo de reconstrução
democrática do país após a ditadura instaurada em 1964 e que durou até 1985.
Mas os militares voltaram ao poder no
formato de eleições, em 2018. Lapso temporal.
Por força da justiça e do empenho de um
estudioso historiador, a imprensa repercutiu os áudios dos registros de
julgamentos do Superior Tribunal Militar (STM), assuntos de conhecimento de
quem foi perseguido pela ditadura e seus familiares, que se tornaram públicos.
Toda a imprensa falou. Nós, que escutamos
os áudios pelas redes sociais, pela televisão e pelo rádio sem o poder da
censura daquela época, ficamos apavorados pela brutalidade das sandices
aplicadas através de torturas em seres humanos e relatadas pelos que tiveram a
responsabilidade de impedi-las.
Muitos – homens e mulheres testemunhas
oculares e vítimas da crueldade – ainda estão vivos. Famílias inteiras ainda
procuram pelos seus mortos para lhes dar uma morada definitiva.
Mantenho numa pasta como relíquia histórica todos os documentos relativos aos julgamentos no STM do meu marido, José Roberto Monteiro, já falecido. Faço isso para que não nos esqueçamos nunca que é preciso, enquanto vida tivermos, humanizar os nossos atos e vivermos para evoluir as nossas mentes, no sentido de praticarmos a ética e a dignidade humana.
Até falaram que os mortos não voltam e que
os relatos “não estragaram a Páscoa de ninguém”, em referência a todos os
cristãos, disse o presidente atual do Tribunal Militar.
Pobre país, com uma população de muitos
milhões de habitantes que celebraram a sua Páscoa, de repente representados por
quem desvaloriza a vida, desumanizando a própria existência.
No entanto, necessário se faz prestar
atenção no que acontece nos dias atuais, para além dos áudios.
Em 2018, os mortos voltaram na manifestação
das ideias malignas e obscurantistas dos vivos que assumiram o poder. Gente
denominada de mentes exóticas, por José de Souza Martins, sociólogo.
Diariamente, generais, capitães e seus
asseclas, por força do processo eleitoral já em andamento, se valem dos
programas partidários pagos com dinheiro do contribuinte para professar suas
crenças no “partido conservador, na defesa da família, da propriedade privada e
do armamento com armas de fogo para os cidadãos”.
Aos democratas que insistem no fortalecimento
da Democracia como um bem a ser assegurado, ao contrário do que pensam os
generais, lembramos que no Brasil grande parte das famílias passa fome.
O Inquérito Nacional sobre Insegurança
Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, desenvolvido pela Rede
Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e
Nutricional), divulgado em 2021, indicou que 55,2% dos lares brasileiros
vivenciavam um cenário de insegurança alimentar — um aumento de 54% em relação
a 2018, quando esse percentual era de 36,7%. Ou seja: 116,8 milhões de
brasileiros não têm acesso pleno e permanente a comida. (Poder 360)
Para o economista Renato Maluf, professor
na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e coordenador da Rede Penssan,
“a pandemia de Covid-19 agravou esse quadro, mas não é sua causa primeira”. Ele
pontua como início desse momento de retorno à fome e à insegurança alimentar a
crise econômica iniciada 7 anos atrás e a crise política com o processo de
impeachment do governo Dilma Rousseff. Deles [desses 2 episódios] resultaram
comprometimento do acesso aos alimentos em razão do desemprego crescente, precarização
do trabalho, baixa remuneração, retirada de direitos sociais e o progressivo
desmonte das políticas públicas”.
E que as armas de fogo já existem e servem
para matar as pessoas.
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança
Pública, “o Brasil teve um aumento de 4% no número
de mortes violentas intencionais em 2020, em comparação com o
ano anterior. Ao todo, 50.033 pessoas foram assassinadas no país no
ano passado 78% morreram com ferimentos provocados por armas de fogo”. (dados
de 15 de jul. de 2021)
Apresentam pautas absurdas – já
experimentadas e abandonadas por outros países – travestidas por valores que
constam do processo democrático, tentando cada vez mais expandir a milícia,
intensificar o autoritarismo vigente nos intestinos do Estado, ludibriar os que
professam sua fé e qualificar a família como no modelo patriarcal, defensora
sobretudo dos bens matérias.
O Brasil precisa ser colocado numa outra
moldura. Estamos no momento exato em que é preciso focar a câmera fotográfica
bem postada para as necessidades da grande maioria – desempregada, com fome,
sem moradia, vítima de todas as violências – e firmar o compromisso com essa
fotografia das necessidades básicas do ser humano.
Afinal de contas, estamos diante de um
processo eleitoral e não podemos abdicar da nossa memória política.
*Mirtes Cordeiro é pedagoga.
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