Folha de S. Paulo
Não sabemos se a rede vai melhorar ou
piorar; não custa nada pagar para ver
Tem gente preocupada com a compra
do Twitter por Elon Musk,
o empresário mais rico do mundo. Muitos já anunciaram sua saída da plataforma.
Mas justo agora que a festa vai começar?
O receio é que Musk libere a manifestação
de toda e qualquer opinião na rede —inclusive nazismo, racismo, negacionismo. E
talvez até, horror dos horrores, permita
a volta de Donald Trump. Já imaginou se o Twitter virar uma rede tóxica,
cheia de ódio, na qual é impossível discutir civilizadamente? Se isso te causa
receio, você provavelmente não é usuário, pois já é exatamente assim.
O Twitter reúne o maior número de intelectuais, jornalistas e acadêmicos. Geopolítica do Leste europeu, história medieval, arte africana, biologia molecular; há especialistas em todos esses temas para te informar e até trocar ideias. É maravilhoso. Ao mesmo tempo, é disparado a rede social mais tóxica e desagradável.
É impossível ter uma conversa ou mesmo
partilhar alguma experiência do dia a dia sem ser acossado por uma legião de
mal-educados, interpretando suas palavras da pior maneira possível, ostentando
uma indignação constante para ganhar alguns seguidores às suas custas. Deboche,
xingamento, maledicências; o ruído é constante. Linchamentos virtuais e
cancelamentos são parte do que deixa o Twitter tão inóspito à discussão de
ideias.
Dá para piorar? Sempre dá. Talvez Musk só
intensifique esses problemas, tornando
o Twitter completamente insuportável. Se sobrar apenas a briga de gangues
enraivecidas, perderá membros. É um processo já em andamento. No início de
abril, o
New York Times mudou sua política no Twitter, instruindo seus jornalistas
que fiquem menos tempo na rede, citando inclusive os frequentes ataques e
assédios.
Eu acredito que banir de uma rede opiniões extremistas e gravemente ofensivas
—como racismo e nazismo— seja uma boa política, assim como informações falsas
que coloquem a vida humana em risco.
Não sei, contudo, se as restrições atuais,
que Musk quer liberalizar, têm tido sucesso em reduzir extremismo e
negacionismo na rede. Parece-me que não. E como usuário, as interações tóxicas,
a má-fé generalizada e
os ataques pessoais são muito mais prejudiciais à livre discussão do
que erros e acertos em limitar ou não certas opiniões extremistas.
Esse problema é agravado por contas inautênticas que inflam as militâncias e
estão ali só para ofender. "Se nosso lance pelo Twitter for bem
sucedido, vamos
acabar com os spam bots [contas
automatizadas] ou morrer tentando! E autenticar todos os humanos reais."
Foi o que Musk prometeu. Saber que do outro
lado da tela há uma pessoa real e não um robô ou um militante que controla
centenas de contas espúrias seria um grande progresso.
Hoje é comum um perfil ser banido sem ter a menor ideia do porquê e sem poder
recorrer. E os algoritmos que nos oferecem conteúdos seguem uma verdadeira
caixa preta. Musk
diz que vai aumentar a transparência. Não se fará grande diferença, mas mal
não fará.
Na minha rede ideal, a limitação seria menos das opiniões e mais da conduta:
xingamentos, ataques pessoais, grosserias, tudo isso seria banido. Não tenho os
bilhões para realizar esse sonho. O que se considera aqui é uma rede com mais
liberdade de opinião, inclusive para o mal, mas também com mais transparência
na moderação e menos perfis espúrios.
Se essa for a troca, estou dentro. Não
sabemos se, com Musk, o Twitter vai melhorar ou piorar. Não custa nada
pagar para ver. Não delete sua conta ainda.
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