O Globo
A polarização impõe custos às relações
econômicas e pode levar pessoas a se engajarem menos em transações comerciais
Brasília ainda não se recuperou da
destruição causada por bolsonaristas radicais esta última semana. Eu, que já
trabalhei em alguns dos prédios atacados, acompanhei com espanto o desenrolar
da violência, como quem vê um lugar familiar ser acometido por um desastre
natural. As perguntas na minha cabeça eram: quais as consequências desse tipo
de radicalização e violência para nossa sociedade?
É verdade que não é a primeira vez que prédios públicos são atacados na Esplanada dos Ministérios. Mas, desta vez, há algo diferente. Parece haver uma grande legitimação da violência e radicalização política por parte significativa da sociedade.
Alguns líderes políticos de direita estão
se solidarizando com os vândalos. O senador Marcos do Val, que imprimiu em seu
material de campanha que “bandido bom é bandido preso”, visitou os
bolsonaristas presos. Um ex-ministro de Bolsonaro disse que aqueles que
atacaram os Poderes e estão presos “não são terroristas.”
As pesquisas de opinião divergiram sobre o
apoio popular aos atos terroristas. Enquanto a Datafolha estima que somente 3%
dos brasileiros apoiam os atos, segundo pesquisa da Atlas Intel, cerca de 1 em
5 brasileiros concorda com a ação de destruição em Brasília.
Entre eleitores de Bolsonaro, o apoio ao
ato é de 38%, e seu rechaço é somente um pouco maior, de 48%. Se a realidade se
aproximar mais dos resultados da Atlas Intel do que os da Datafolha, o cenário
é muito preocupante.
Um risco futuro é que, se uma parte
substancial da sociedade passar a aceitar a violência como um método legítimo
de ação, a violência tende a ser mais frequente. E a instabilidade política por
meio de ações violentas, em menor e maior grau, tem impactos de longo prazo.
Alguns anos atrás, os economistas Cristina
Bodea e Ibrahim Elbadawi, do Banco Mundial, estudaram as implicações teóricas e
empíricas da violência política sobre a economia. Eles concluem que há uma
forte associação entre episódios de violência política e queda no crescimento
econômico de longo prazo.
A lógica é que, para além do impacto
imediato de destruição de capital, que limita a geração de riqueza no curto
prazo, a violência política aumenta a incerteza na sociedade, reduzindo a
propensão ao investimento em capital físico e humano no longo prazo.
Talvez mais preocupante seja o fato de que
cerca de 2 em cada 5 brasileiros acha que as ações são “justificadas em parte”
ou “justificadas no todo”, ainda segundo a pesquisa da Atlas Intel. Mais ou
menos a mesma proporção de brasileiros acredita que Lula não ganhou a eleição.
Cada vez mais parece que nos dividimos em
realidades paralelas, conformadas por dietas midiáticas muito específicas. No
limite, os radicais cortam qualquer contato com quem pensa diferente ou são
levados à exclusão.
Esses comportamentos com frequência vão
além da esfera pública, transbordando para as relações privadas e afetivas. Se
você já presenciou uma briga por política num grupo de mensagens eletrônicas da
sua família, sabe do que estou falando.
Num trabalho recente, os cientistas
políticos Christopher McConnell, Yotam Margalit, Neil Malhotra e Matthew
Levendusky estudaram esse tipo de “polarização afetiva” nos Estados Unidos e
concluíram que ela também tem implicações econômicas.
Eles conduziram um experimento
aleatorizado, usando método similar a testes para aprovação de novos remédios.
No estudo, eles alteram pequenos detalhes nas perguntas feitas aos
entrevistados de forma aleatória. Como as variações são aleatórias, os efeitos
medidos pelo estudo não são meras correlações, mas sim um efeito causado pelas
variações.
No primeiro experimento, eles sinalizaram
para determinadas pessoas que o (potencial) empregador delas compartilhava de
seus valores políticos. Em outro, eles fizeram o mesmo entre vendedores e
compradores. O resultado foi que (1) pessoas exigem um salário maior para
trabalhar para quem pensa diferente; e (2) são menos propensas a comprar de
quem discorda politicamente delas.
Ou seja, a polarização política não só
transborda para além da esfera pública, como também impõe custos às relações
econômicas e pode levar as pessoas a se engajarem menos em transações
comerciais. É difícil não reconhecer que o ataque a Brasília se insere nesse
contexto de polarização política e afetiva da sociedade e de maior aceitação do
uso da violência para fins políticos.
A evidência científica disponível indica
que esses fenômenos têm impactos econômicos claros. Além de diminuir nosso
potencial de crescimento, pode criar uma economia segmentada em suas bolhas de
crenças.
Um comentário:
VOU QUERER UM SALÁRIO MAIOR.
NÃO VOU COMPRAR NADA DE QUEM APOIE QUALQUER UM DOS BOLSONAROS & SUA CORJA.
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