sábado, 14 de janeiro de 2023

Carlos Góes - Os impactos econômicos da radicalização política

O Globo

A polarização impõe custos às relações econômicas e pode levar pessoas a se engajarem menos em transações comerciais

Brasília ainda não se recuperou da destruição causada por bolsonaristas radicais esta última semana. Eu, que já trabalhei em alguns dos prédios atacados, acompanhei com espanto o desenrolar da violência, como quem vê um lugar familiar ser acometido por um desastre natural. As perguntas na minha cabeça eram: quais as consequências desse tipo de radicalização e violência para nossa sociedade?

É verdade que não é a primeira vez que prédios públicos são atacados na Esplanada dos Ministérios. Mas, desta vez, há algo diferente. Parece haver uma grande legitimação da violência e radicalização política por parte significativa da sociedade.

Alguns líderes políticos de direita estão se solidarizando com os vândalos. O senador Marcos do Val, que imprimiu em seu material de campanha que “bandido bom é bandido preso”, visitou os bolsonaristas presos. Um ex-ministro de Bolsonaro disse que aqueles que atacaram os Poderes e estão presos “não são terroristas.”

As pesquisas de opinião divergiram sobre o apoio popular aos atos terroristas. Enquanto a Datafolha estima que somente 3% dos brasileiros apoiam os atos, segundo pesquisa da Atlas Intel, cerca de 1 em 5 brasileiros concorda com a ação de destruição em Brasília.

Entre eleitores de Bolsonaro, o apoio ao ato é de 38%, e seu rechaço é somente um pouco maior, de 48%. Se a realidade se aproximar mais dos resultados da Atlas Intel do que os da Datafolha, o cenário é muito preocupante.

Um risco futuro é que, se uma parte substancial da sociedade passar a aceitar a violência como um método legítimo de ação, a violência tende a ser mais frequente. E a instabilidade política por meio de ações violentas, em menor e maior grau, tem impactos de longo prazo.

Alguns anos atrás, os economistas Cristina Bodea e Ibrahim Elbadawi, do Banco Mundial, estudaram as implicações teóricas e empíricas da violência política sobre a economia. Eles concluem que há uma forte associação entre episódios de violência política e queda no crescimento econômico de longo prazo.

A lógica é que, para além do impacto imediato de destruição de capital, que limita a geração de riqueza no curto prazo, a violência política aumenta a incerteza na sociedade, reduzindo a propensão ao investimento em capital físico e humano no longo prazo.

Talvez mais preocupante seja o fato de que cerca de 2 em cada 5 brasileiros acha que as ações são “justificadas em parte” ou “justificadas no todo”, ainda segundo a pesquisa da Atlas Intel. Mais ou menos a mesma proporção de brasileiros acredita que Lula não ganhou a eleição.

Cada vez mais parece que nos dividimos em realidades paralelas, conformadas por dietas midiáticas muito específicas. No limite, os radicais cortam qualquer contato com quem pensa diferente ou são levados à exclusão.

Esses comportamentos com frequência vão além da esfera pública, transbordando para as relações privadas e afetivas. Se você já presenciou uma briga por política num grupo de mensagens eletrônicas da sua família, sabe do que estou falando.

Num trabalho recente, os cientistas políticos Christopher McConnell, Yotam Margalit, Neil Malhotra e Matthew Levendusky estudaram esse tipo de “polarização afetiva” nos Estados Unidos e concluíram que ela também tem implicações econômicas.

Eles conduziram um experimento aleatorizado, usando método similar a testes para aprovação de novos remédios. No estudo, eles alteram pequenos detalhes nas perguntas feitas aos entrevistados de forma aleatória. Como as variações são aleatórias, os efeitos medidos pelo estudo não são meras correlações, mas sim um efeito causado pelas variações.

No primeiro experimento, eles sinalizaram para determinadas pessoas que o (potencial) empregador delas compartilhava de seus valores políticos. Em outro, eles fizeram o mesmo entre vendedores e compradores. O resultado foi que (1) pessoas exigem um salário maior para trabalhar para quem pensa diferente; e (2) são menos propensas a comprar de quem discorda politicamente delas.

Ou seja, a polarização política não só transborda para além da esfera pública, como também impõe custos às relações econômicas e pode levar as pessoas a se engajarem menos em transações comerciais. É difícil não reconhecer que o ataque a Brasília se insere nesse contexto de polarização política e afetiva da sociedade e de maior aceitação do uso da violência para fins políticos.

A evidência científica disponível indica que esses fenômenos têm impactos econômicos claros. Além de diminuir nosso potencial de crescimento, pode criar uma economia segmentada em suas bolhas de crenças.

 

Um comentário:

Anônimo disse...

VOU QUERER UM SALÁRIO MAIOR.
NÃO VOU COMPRAR NADA DE QUEM APOIE QUALQUER UM DOS BOLSONAROS & SUA CORJA.