O Globo
O objetivo será tumultuar a vida dos
cidadãos e aterrorizar toda a sociedade, prejudicar ainda mais a economia,
criar o caos
O governo Lula atribui
ao governo de Brasília o
ônus sobre a falha e/ou omissão na contenção dos golpistas em 8 de janeiro.
Permanece a dúvida se o governo Lula não podia ter previsto que o governo de
Brasília era cúmplice do golpe. O serviço de inteligência desde cedo no domingo
avisou que a Praça dos Três Poderes e os prédios públicos seriam atacados. E o
Planalto não checou qual defesa estava efetivamente sendo organizada. Poderia
exigir do governador uma contenção à altura. Caso contrário, por motivos
óbvios, decretaria a intervenção federal preventiva na segurança, antes da
invasão, e a teria impedido.
Hábito de psicanalista é notar incoerências
em narrativas, mesmo fora do divã (psicanálise aplicada). Com efeito,
perguntado se “o governo federal não confiou demais nas informações do governo
do DF”, o interventor federal em Brasília — aliás um sujeito sério e competente
—, Ricardo Capelli, respondeu:
— Você desconfia quando te dão motivos para desconfiar... As relações interfederativas se pautam pela confiança. A gente jamais imaginou que haveria uma operação desmonte da Secretaria de Segurança Pública. O que nos chegava eram informações dizendo que estava tudo bem, tudo certo, que a manifestação seria tranquila, que as tropas iriam garantir.
Ok. Mas isso em condições normais de
temperatura e pressão, pois não? Sua explicação entra em contradição com o que
o ministro Flávio Dino vem afirmando: que estamos vivendo um período
excepcional, no qual as próprias instituições, inclusive militares, estão
divididas e atravessadas por ideologias pessoais interferindo na atuação
profissional dos funcionários públicos e militares.
Em tempo, nada contra Capelli, que está
fazendo um excelente trabalho. E nada especificamente contra o governo
recém-empossado, que ainda luta para se organizar. Aliás, o PT, por motivos
políticos, é ruim de autocrítica, e ainda não fez um cálculo correto sobre o que
lhe é mais danoso: reconhecer erros ou negá-los. O partido ainda deve à
sociedade a diminuição de sua taxa de paranoia. Mas o governo não pode se
permitir ter o mesmo sintoma, convém aceitar críticas — e aprender com a
experiência, sem se sentir atacado e ameaçado por elas.
Não é preciso listar exemplos da guerrilha
de extrema direita que atuou durante a ditadura militar, com uma série de
violentos atentados, especialmente contra a cultura, cometidos por integrantes
das próprias Forças Armadas. Deste subterrâneo emergiu o capitão Bolsonaro —ele
próprio suspeito de planejar um atentado terrorista nos idos da década de 1980
— a pretexto de defender aumento dos soldos militares — e que veio a se eleger
presidente da República, responsável por intimidações e ataques à democracia, e
por milhares de mortes ao se omitir no combate à pandemia.
A sociedade brasileira permanece gravemente
dividida após as eleições nas quais as forças democráticas venceram o
obscurantismo. Dessa divisão, entre os inconformados do lado perdedor, há um
braço estratégico e armado — civil e militar — disposto a prejudicar e derrubar
o governo Lula e a democracia. Sua tática não será a guerra convencional,
linear, anunciada. Nada de tanques ou sublevação de quartéis, mas uma guerra
assimétrica. O elemento surpresa, como vimos no desmonte da defesa de Brasília,
usará a tática de guerrilha, com cúmplices ocultos nas instituições oficiais e
ataques inesperados e sorrateiros de toda espécie. O objetivo será tumultuar a
vida dos cidadãos e aterrorizar toda a sociedade, prejudicar ainda mais a
economia, criar o caos, para ensejar, agora sim, no fim da linha, uma
intervenção militar.
O cenário descrito acima faz parte de
conjeturas que usam elementos presentes em nossa História recente e calcula
probabilidades lógicas. É suficiente para alertar as forças democráticas e
advertir o governo para se preparar para uma guerra não convencional, assimétrica
— uma guerra de guerrilha de extrema direita.
*Paulo Sternick é psicanalista
3 comentários:
Só faltou nomear o anão
Muito boa a análise.
Não vejo possibilidade desse cenário elucubrado pelo psicanalista. Especialmente agora com a experiência acumulada pela polícia do governo da frente democrática. Já são conhecidos os financiadores, os influenciadores, os agitadores e até os profissionais da guerrilha e até os generalecos. É suficiente a ação da Justiça, que todos sejam fichados e os perigosos dotados de tornozeleiras eletrônicas ou presos. Importante também são as multas de Alexandre de Moraes. O lugar de golpistas e terroristas é no SPC e no Serasa.
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