sexta-feira, 21 de julho de 2023

Vinicius Torres Freire - O semestre do imposto de Lula-Haddad

Folha de S. Paulo

Economia esfria até o fim de 23; retomada depende do plano de tapar déficit com mais tributo

As férias do Congresso esvaziam o noticiário político-econômico. Parte maior da atenção do público está ocupada por essa que se tornou uma das grandes questões do nosso tempo, por assim dizer, a Barbie. Na vida real e adulta, o assunto da hora é a tentativa de Fernando Haddad de acertar com o Congresso um calendário para a aprovação de impostos, o tema mais importante da economia nesta segunda metade do ano.

Caso Haddad tenha sucesso, haverá a perspectiva de que a meta de zerar o déficit do governo em 2024 pareça realista. A perspectiva de que as metas fiscais sejam pouco furadas deve baixar taxas de juros, manter a taxa de câmbio ("preço do dólar") comportada e contribuir para um reaquecimento da economia entre o trimestre final deste ano e o primeiro de 2024.

O aumento de imposto é essencial para o sucesso de Lula 3, para discussões mais sérias sobre o futuro, para estabilizar o país e, assim, diminuir o risco de novo ataque dos bárbaros políticos.

Haddad quer tributar os fundos de investimento de ricos, os ditos fundos exclusivos, privilégio dos mais indecentes. Quer tributar sites de apostas. Quer acabar com outras isenções tributárias e fazer com que algumas, já desautorizadas pela Justiça, acabem por render algum dinheiro para o Tesouro (ainda não estão rendendo).

Vai ter de lidar com o difícil problema do fim das desonerações (menos impostos) sobre a folha de pagamento de certos setores. Terá de evitar que vingue o aumento da faixa de isenção de IR da Pessoa Física, promessa ruinosa da campanha de Lula 3....

Terá de evitar que o governo apareça com planos de forçar a barra do crescimento por meio de subsídios, isenções de impostos do gênero "Mais Carros" ou "Mais Geladeiras, de estouro de estatais ou de bancos públicos; de evitar os tantos favores setoriais que estão na fila de votação do Congresso.

É preciso aumentar a carga tributária, não importa o nome que se dê à cobrança de mais impostos, se "reoneração", fim de "jabutis", de gasto tributário etc. A carga tributária é apenas uma proporção: o total de impostos arrecadados dividido pelo valor do PIB.

É necessário. É o que deveria ter sido feito desde 2015, quando ficou claro de vez que as contas do governo haviam ido à breca. Isto é, cobrar mais imposto em vez de pedir emprestado a fim de cobrir os déficits descabelados do governo federal.

O segundo semestre também deve ser o da aprovação final da reforma tributária, sob risco de ser desfigurada por reduções de alíquotas para setores com lobby forte. Daí não virá mais dinheiro, mas um método de tornar a economia mais eficiente. Também no segundo semestre devem aparecer os programas de "transição verde" e de política industrial.

Tudo muitíssimo importante. Mas, no curto prazo, é preciso cobrar mais imposto.

O Congresso vai deixar passar o programa de impostos de Haddad? A nova aliança com o centrão-direitão vai bancar um acordo sobre essa matéria crucial? Desde 2015, ao menos, o Congresso barra imposto.

Há sinais de melhoria no horizonte. As taxas de juros de prazo mais longo caíram de modo relevante desde abril, o que deve começar a ter efeito prático no final do ano. O mercado de capitais começa a se recuperar. O começo da queda da Selic deve ajudar, embora quase nada neste ano. Se tudo der certo, seu efeito no crédito começa a ficar visível lá pelo Carnaval de 2024. O Desenrola pode aliviar endividados e o balanço dos bancos, dando algum impulso ao crédito, minguante de modo relevante desde abril.

Nada disso vai muito longe, porém, se não houver perspectiva de que o governo vai conseguir cumprir suas metas fiscais (de reduzir o déficit). Isto é, de sucesso da contenção de gasto e do semestre do imposto de Haddad.