O Estado de S. Paulo
No jogo da reforma tributária, espera-se que o Senado saiba fazer as contas cabíveis
Na votação da reforma tributária na Câmara,
a tropa de choque de Arthur Lira permitiu-se fazer ampla distribuição prévia de
benesses. Assegurou alíquota zero sobre produtos da cesta básica e garantiu a
um vasto leque de setores que eles só terão de arcar com 2/5 da alíquota padrão
que vier a ser fixada.
Se a prática for replicada no Senado, há
boa chance de que as contas não fechem. A essência da reforma é extinguir cinco
tributos, hoje cobrados de forma caótica, sobre bens e serviços, e
substituí-los por uma tributação bem concebida – e viável – sobre valor
adicionado, que recaia exclusivamente sobre consumo privado.
A que alíquota o consumo terá de ser taxado para que a arrecadação da tributação do valor adicionado gere a mesma receita total que os tributos que serão extintos hoje geram? Tendo contraposto tal meta de receita ao valor potencial do consumo passível de taxação, o governo vem anunciando que, caso a nova base potencial de tributação do valor adicionado possa ser integralmente taxada, a alíquota média requerida seria da ordem de 25%.
Mas, como já ficou mais do que claro na
tramitação da PEC na Câmara, não é ajuizado supor que a nova base de tributação
do valor adicionado – o consumo – poderá ser integralmente taxada. Mais
prudente é trabalhar com a possibilidade de que, no final das contas, o
“aproveitamento” dessa base potencial seja bem inferior a 100%. Nesse caso, a
alíquota média requerida passaria a ser determinada pela relação entre a meta
de receita e a base potencial de consumo devidamente corrigida pelo coeficiente
de “aproveitamento”.
As contas são muito simples. Mas
preocupantes. Quanto menor o “aproveitamento”, maior terá de ser alíquota.
Disso, não há quem não saiba. O que é menos sabido é que a alíquota aumenta
rapidamente, em proporções cada vez maiores, quando o aproveitamento diminui.
Se somente 90% da base potencial do consumo puder ser taxada, a alíquota
requerida passará a ser 27,8%. Se a base ficar limitada a 80% do potencial, a
alíquota terá de ser 31,3%. No cenário impensável de que não mais que 70% da
base potencial do consumo possa ser efetivamente taxada, a alíquota requerida
saltará para 35,7%.
O plano inicial de deixar a discussão das
alíquotas para a tramitação de uma lei complementar, em 2024, tornou-se
inviável. Boa parte dessa discussão terá de ser antecipada e cuidadosamente
tratada já nos próximos meses, na tramitação da PEC no Senado. Sem tal
antecipação será difícil assegurar que a reforma tributária aprovada será
viável.
*ECONOMISTA, DOUTOR PELA UNIVERSIDADE
HARVARD, É PROFESSOR TITULAR DO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA PUC-RIO
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