sexta-feira, 21 de julho de 2023

Reinaldo Azevedo - Falso garantismo flerta com a bagunça

Folha de S. Paulo

Agressores de Moraes tentaram impedir o livre exercício de um Poder

Ainda não vencemos o "bolsonarismo", entendida a palavra como ataque às instituições e a padrões mínimos de tolerância e vida civilizada. Por que isso? A imprensa está coalhada de um falso garantismo que foi sendo gestado nos quatro anos de mandato do "não-estupraria-porque-não-merece". Para alguns sábios, pelo visto, o mandado de busca e apreensão na residência de Andreia Munarão e Roberto Mantovani, o casal que investiu contra Alexandre de Moraes e sua família em Roma, ameaça o Estado de Direito mais do que as invectivas contra o ministro e a agressão a seu filho. É uma aberração.

Há ainda quem sustente que estão em curso desmandos similares aos da Lava Jato. É uma tolice que vem em curiosa embalagem: os que apontam a suposta semelhança em tom crítico atuaram, não raro, como esbirros da força-tarefa, inclusive no jornalismo. Volto ao ponto mais tarde.

Certamente não foram os Moraes a se incomodar com a presença dos Mantovanis. Se um juiz do Supremo é chamado, aos berros, em ambiente público, de "bandido, comunista e comprado" —tais palavras, note-se, são um selo de "Denominação de Origem Controlada"; é a "DOC" bolsonariana —, tem-se um agravo bem mais sério do que "injúria, ameaça e desacato", artigos 140, 147 e 331 do Código Penal.

Fosse só isso, as penas, somadas pelo topo, renderiam três anos de reclusão. Com atenuantes, dá para tomar uma champanhota com amigos e comemorar o feito. A impunidade sairia no xixi. Numa próxima, quem sabe um outro valentão aprimorasse a intervenção e, com furor patriótico, quebrasse a cara de um magistrado. Senti vergonha alheia ao ler as opiniões. Que não a tenham experimentado ao emiti-las, fazer o quê? Essa tal vergonha pode ser solipsista; o direito não.

O também presidente do TSE não virou alvo dos ataques —sendo expostos, ele e os seus, a riscos— porque os agressores sejam entusiastas de suas decisões ou apreciem a sua notável dedicação à defesa da legalidade. Ao contrário. Demonstraram que o livre exercício do Poder Judiciário não lhes serve. Incidiram no artigo 359-L do CP: "Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais". A pena também escala: de 4 a 8 anos.

"Oh, mas quiseram mesmo algo tão grave?" Convém, adicionalmente, reler o texto à luz da gramática. Em primeiro lugar, ele pune a "tentativa", não o fato consumado —hipótese em que seria o golpista a impor a sua vontade aos golpeados. Em segundo lugar, mas não menos relevante, atentem para os gerúndios "impedindo" e "restringindo". A Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) não reconhece, e estou entre os que consideram isso um erro, a existência da "oração subordinada adverbial modal". Obviamente, a forma nominal dos verbos "impedir e restringir" expressa o modo como se busca a abolição do regime. O erro da NGB perturba alguns gramáticos; já a leniência com o golpismo esgarça a gramática institucional.

Se o sistema judicial passar a considerar crime de menor potencial ofensivo o constrangimento, com motivação escancaradamente política, de integrante de uma corte superior, então a democracia já estará no abomaso, o quarto cômodo do estômago dos ruminantes.

Afirmar que a simples injúria não enseja um mandado de busca e apreensão não traduz uma opinião sobre a razoabilidade ou não de tal instrumento, mas emite um juízo —errado!— sobre o que se deu no aeroporto. Ignorar que a intimidação de um membro do STF pertence a uma cadeia de eventos em que se inscreve a vandalização da sede do próprio tribunal corresponde a exercitar o direito com as viseiras da ideologia, do interesse ou da alienação. Irresponsável teria sido não tomar a decisão, valendo por um pré-julgamento pela via da omissão. O bem que se quer proteger, com a medida, não se limita à honra do ministro. Conhecemos o custo de subestimar riscos.

Quanto a estarmos vivendo um novo lava-jatismo, observo: a falsa simetria é uma das formas mais preguiçosas de pensamento. Ignorado o que os distingue, Schopenhauer é igual a um dragão-de-komodo. As diferenças determinam a razão de ser de cada coisa.

 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Azevedo e seu rigor com os malfeitos.