sexta-feira, 21 de julho de 2023

Vera Magalhães - Todo mundo 'fazendo o L'

O Globo

De Aras a deputado do PL, passando pelo Centrão, economia impulsiona adesismo ao governo

Se o segundo turno da eleição presidencial fosse hoje, provavelmente o resultado não seria o eleitorado praticamente cindido ao meio, como aconteceu em fim de outubro de 2022. É o que apontam pesquisas diversas que mostram o aumento da popularidade de Lula e da aprovação a seu governo.

É claro que esse tipo de conjectura é furado, uma vez que as circunstâncias que levam a essa melhora do horizonte para o petista dependeram justamente de fatos posteriores ao período eleitoral, principalmente dois: a explosão do extremismo bolsonarista em 8 de janeiro e, mais recentemente, a melhora dos indicadores econômicos.

É essa segunda variável, aliada de maneira clara ao fato de que Jair Bolsonaro virou carta fora do baralho para a sucessão de 2026, que impulsiona a onda atual de adesismo ao governo, que inclui do procurador-geral da República, Augusto Aras, ao Centrão, tendo no deputado do PL que será expulso da legenda por literalmente “fazer o L” aquele exemplo que serve para ilustrar o espírito do tempo.

As piscadelas que Aras tem dado para o Planalto em nada diferem da maneira explícita com que ele flertou com Bolsonaro quando seu nome foi pinçado pelo ex-presidente para a primeira indicação para a PGR.

A requisição dos dados de todos os seguidores de Bolsonaro — lista que certamente inclui diversos procuradores da República, adversários políticos do ex-presidente, jornalistas, artistas e nada diz sobre o alcance de suas postagens de cunho golpista — dá a medida do vale-tudo que o atual chefe do Ministério Público resolveu adotar para se manter no cargo.

Mesmo a narrativa de “combatente” da Lava-Jato, que setores do petismo propagam para construir algum caminho viável para a permanência de Aras no posto, é algo bastante tardio, quando o vento no STF, no Congresso e até no entorno de Bolsonaro já tinha virado.

Assim como as dificuldades postas diante de Lula para atrair partidos como o PP e o Republicanos, que não eram satélites, mas planetas no sistema bolsonarista, são evidentes, também não é simples encontrar uma explicação que premie Aras diante dos feitos que ele dividiu com sua vice, Lindôra Araújo.

Basta lembrar as constantes recomendações de arquivamento de todo e qualquer inquérito que atingisse Bolsonaro, ministros, aliados e os filhos, sempre sob a alegação de falta de evidências.

No curso da pandemia, quando se esperava que o Ministério Público Federal fosse ser um farol da sociedade contra o negacionismo e uma política de Estado que atrasou vacinas, boicotou o isolamento sanitário e gastou dinheiro público em medicamentos sabidamente ineficazes, o que se viu foi a normalização dessas condutas, mesmo depois que a CPI da Covid já havia feito metade do trabalho de trazer os fatos à luz do dia.

Para o governo interessa aproveitar a boa maré de popularidade de Lula e de prognósticos mais positivos para a economia para atrair partidos para a base aliada, mas essa aclimatação tem de ser feita aos poucos, para que não se corra o risco de premiar aqueles que ajudaram o vale-tudo de Bolsonaro para se reeleger, com as consequências fiscais, ambientais e sociais que aparecem um pouco a cada dia.

A volta de Lula ao Brasil num momento que antecede a decisão do Copom sobre juros e a votação final do arcabouço fiscal no Congresso, além de marcar o início da reta final de campanha pela PGR, vai colocar em evidência esse afã de “fazer o L” por parte dos que esperam trocar de roupa para continuar no poder.

Eis uma equação delicada de resolver, para que o governo se beneficie da maré favorável sem chancelar tudo o que foi feito na gestão anterior e desagradar àqueles que estiveram ao lado de Lula na travessia do deserto.

 

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