Folha de S. Paulo
À medida que o presidencialismo de coalizão
se normaliza, a malaise política poderá aumentar
Chamar a aliança que dá sustentação ao governo atual de
"coalizão Frankenstein" capta apenas sua heterogeneidade e falta de
coesão. Não se trata de gerigonça brasileira; na portuguesa, os membros
ocupavam espaços contíguos no espaço ideológico. Tampouco é frente ampla ou
governo de salvação nacional, que se caracteriza por acordos pré-eleitorais,
não pós-eleitorais, e não incluem o núcleo duro de suporte ao regime que se
vai.
"Coalizão monstro" é o termo adequado para referir-se a algo inédito nas democracias: uma coalizão assombrosa de 16 partidos (com a possível inclusão do PP e do Republicanos)! O bloco parlamentar que elegeu Arthur Lira era apenas o prenúncio: reunia 20 dos 23 partidos da Câmara (87% do total): eram 496 parlamentares ou 97% dos membros da casa. O bloco reuniu, entre outros partidos, o PT e o PL.
Alianças entre forças políticas rivais de um país não é
incomum (exemplos: Áustria, Holanda; Colômbia); embora "soe como ato sexual
pervertido", como afirmou Willy Brandt, ex-premiê alemão. Referia-se à
"Groko" (do alemão, Grosse Koalition, Grande Coalizão), o primeiro
acordo entre os social-democratas e democratas cristãos realizado em 1966.
Foram quatro Grokos no total: três das quais sob Merkel (2005-2009; 2013-2021).
As Grokos baseiam-se em acordos escritos
detalhando compromissos programáticos e políticos. Em 1969 e sob Merkel, os
acordos foram desfeitos por divergências na política econômica. Isso vale
também para as negociações com coalizões com os Liberais e Verdes.
A reação à Groko em 1968 foi feroz; houve
protestos estudantis e atos terroristas contra um "conluio da burguesia e
políticos contra a nação". Recentemente, o discurso antissistema adquiriu
enorme força, alimentado pelo mesmo sentimento de déficit de legitimidade dos
partidos e dos governos, que estariam voltando-se para si mesmos. A onda
recente do populismo nutriu-se deste estado de coisas.
Em nosso país, a formação de coalizões não
se assenta em bases programáticas; mas por uma lógica governo-oposição. Como discuti aqui. À medida que o presidencialismo de coalizão
se normaliza no país atenua-se paulatinamente a intensa polarização dos últimos
anos, mas aumenta a malaise política. Entretanto a distribuição para antigos
adversários viscerais de pastas ministeriais e cargos no primeiro escalão,
ainda que com sobre representação do partido do presidente (em um jogo no qual
o poder do Executivo diminuiu e o do Judiciário aumentou), tem consequências.
O congraçamento de rivais figadais aparece
na opinião pública como a partilha de um butim. Um conluio sistêmico,
independente de quaisquer bases programáticas.
*Professor da Universidade Federal de
Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
Um comentário:
Artigo curto e direto,sem delongas.
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