Folha de S. Paulo
Ambos são protecionistas e entendem que é
preciso conter a expansão econômica da China
Lula não
deveria ter expressado sua torcida na eleição americana. Seja quem for o
próximo presidente, é de nosso interesse ter uma boa relação. Ter chamado
Trump de contrário à democracia, fascista e até mesmo nazista
em nada nos ajudará se ele for eleito.
Dito isso, é fato que, no que diz respeito à
democracia liberal, Kamala é melhor que Trump. O
mundo vive um retrocesso democrático, que também se faz sentir no Brasil. A
eleição de Trump será um duro golpe a todo o esforço de proteger as regras do
processo democrático e as salvaguardas institucionais contra movimentos
populistas que buscam derrubá-las. Ele não só criará um momentum favorável para
o populismo de direita como também poderá criar embaraços para o STF, contra
quem Elon Musk deve
acalentar desejos de vingança.
Outra pauta em que Kamala é melhor para nós é o meio ambiente. Para Trump, restrições ambientais são um estorvo inútil. Ele deve desregulamentar a economia americana para crescer mais rápido no curto prazo e não participará de nenhuma iniciativa global contra a mudança climática.
O Brasil já paga um preço alto pelas mudanças
climáticas. Nossos esforços de preservação da Amazônia precisam ser devidamente
remunerados pelo resto do mundo, e nossa melhor chance dessa pauta progredir é
com Kamala na Presidência. Um mundo no qual o meio ambiente é
prioridade é um mundo em que o Brasil tem vantagens comparativas.
Nem Kamala, nem Trump (nem Lula) parecem
querer novos acordos comerciais, o que é uma pena. Ambos são protecionistas e
ambos entendem que é preciso conter a expansão econômica chinesa, mas não da
mesma maneira.
Para Trump, todo o resto do mundo é composto
de possíveis competidores dos EUA. Ele promete "tirar empregos" não
só da China,
como da Alemanha e do Reino Unido. Kamala deve favorecer seus aliados e
melhorar relações com o continente. Com a estabilidade democrática do México em
dúvida, o Brasil cresce como alternativa do nearshoring. Com Kamala, essa
alternativa provavelmente dependerá de cumprirmos critérios trabalhistas e
ambientais, incentivo que é bom para o nosso desenvolvimento sustentável.
Não que Trump seja inteiramente ruim para
nós. Sua maior dureza com a China cria uma oportunidade para o Brasil, já que,
se o agro americano reduz suas vendas para a China, o nosso cresce. Ao mesmo
tempo, nos deixará mais dependentes da China.
Trump enfraquecerá ainda mais os organismos
multilaterais que, em algum momento, pareciam ser o futuro da governança
global. Com ele, é cada um por si. Kamala tende a ser mais favorável (ou, ao
menos, menos nociva) a um mundo baseado em regras e diplomacia, seja para o
comércio, seja para o meio ambiente. Trump pode colocar mais medo nos inimigos
dos EUA, mas Kamala oferece mais oportunidades para seus aliados.
Trump na Presidência pode ser mais desafiador
para o Brasil, ambos terão seus riscos e suas oportunidades que caberá ao país
saber aproveitar. Como sempre, nosso desenvolvimento (ou falta dele) depende
mais de nós do que de qualquer fator externo, embora um vento a favor seja
sempre bem-vindo. Lula poderia torcer menos pela eleição dos EUA e atacar mais
os problemas do Brasil.
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