Valor Econômico
Investimentos e educação são fundamentais
para o crescimento da produtividade e é por aí que passa a solução para a
expansão da economia com melhoria da distribuição de renda no futuro
Voltando ao Brasil em 1975, após meu período
de doutorado na Universidade da Califórnia, em Berkeley, pude acompanhar o
debate que ocorria por aqui sobre as causas da piora da distribuição de renda
no país.
De um lado estava o economista Carlos
Langoni, que teve acesso privilegiado aos dados individuais do Censo de 1970, e
defendia a tese de que a piora se devia principalmente a um problema de oferta
e demanda por mão de obra qualificada no país, que estava crescendo a altas
taxas e precisava desse pessoal mais qualificado. Isso teria induzido a um
aumento de seus salários com consequente piora na distribuição de renda.
Do outro lado se posicionaram vários
economistas como Maria da Conceição Tavares, Luiz Gonzaga Belluzzo, Paul
Singer, Rodolfo Hoffmann, Edmar Bacha, José Serra e outros que culpavam o
modelo econômico de “aumentar o bolo para depois distribuir”, conforme sugerido
por Delfim Neto.
Um dos livros mais importantes, publicado pela Zahar Editora em 1975, discutindo a questão da piora da distribuição de renda no período, foi “A Controvérsia sobre Distribuição de Renda e Desenvolvimento”, organizado pelo saudoso Ricardo Tolipan, ex-professor do Instituto de Economia, e Arthur Tinelli. Um dos capítulos mais interessantes do livro é “Distribuição de Renda e Desenvolvimento Econômico do Brasil”, escrito por Pedro Malan e John Wells, em que os autores praticamente destroem os argumentos de Langoni sobre as causas da piora da distribuição de renda no Brasil naquele período, atribuindo tal piora ao modelo econômico implantado pelo governo militar.
Cinquenta anos depois, ao folhear o livro,
sinto uma grande frustração. A má distribuição de renda no Brasil continua
sendo uma das características centrais de nossa sociedade. É verdade que ela se
reduziu em pouco (Gini baixou da faixa 0,6 para 0,5) no período. Houve momentos
de melhora, seguidos de piora, de nova melhora, de nova piora, dependendo da
conjuntura política e econômica. De qualquer forma, ela continua muito desigual
para o padrão internacional de modo que nunca nos livramos do problema.
No caso da alta da pobreza no Brasil, outra
característica de nossa sociedade, tem havido melhora. Mas as altas taxas de
pobreza continuam a desafiar o país. Nos últimos anos houve forte transferência
de renda aos mais pobres, de modo que tanto a pobreza extrema quanto pobreza
relativa melhoraram no longo prazo. O programa símbolo das políticas de
transferência de renda é sem dúvida o Bolsa Família, cujo volume praticamente
triplicou nos anos recentes. Com isso a pobreza tem sido reduzida, mas a
distribuição de renda no país continua perversa, colocando o Brasil entre os
campeões da má distribuição de renda no mundo.
A pergunta que surge imediatamente é: por que
o Brasil tem uma distribuição de renda tão desigual e por que temos tanta
dificuldade em melhorá-la de forma significativa? A resposta seria bastante
complexa e não é nosso objetivo neste curto artigo tentar respondê-la, mas
apenas apontar para algumas dificuldades que poderiam ser enfrentadas nessa
direção.
No passado, o crescimento econômico podia ser
obtido com a incorporação de novos/as trabalhadores/as (pessoas desempregadas
ou fora da força de trabalho) ao mercado de trabalho. Com a transição
demográfica dos últimos anos, entretanto, essa fonte tende a diminuir e
eventualmente secar definitivamente. O número de pessoas jovens vem diminuindo
ao mesmo tempo em que a população idosa aumenta. Assim, o aumento do PIB vai
depender cada vez mais do aumento da produtividade.
A produtividade do trabalho no Brasil tem
evoluído de forma bastante insatisfatória, especialmente na última década. Além
disso, a comparação internacional deixa o país numa péssima situação. Não
apenas na comparação com os países mais desenvolvidos, mas principalmente com
os menos desenvolvidos, em que também ficamos para trás, como Argentina,
México, Uruguai, Chile, Colômbia, Peru e Equador.
Temos pesquisado no Instituto de Economia da
UFRJ a questão da produtividade do trabalho no Brasil. Nosso último estudo de
longo prazo procura associar o nível educacional da população ocupada e a taxa
de investimentos à evolução da produtividade nos últimos 40 anos, deixando
clara a importância dos investimentos e da educação para o crescimento da
produtividade1.
O comportamento dos investimentos no período
analisado apresenta grande semelhança com a evolução da produtividade. Em
geral, em períodos de crescimento do investimento houve também aumento da
produtividade e vice-versa. O período 2003/2013 é bastante ilustrativo,
coincidindo com um forte aumento dos investimentos e da produtividade do
trabalho. Os períodos de queda dos investimentos estão associados à estagnação
ou queda da produtividade. A associação positiva entre investimentos e
produtividade é muito clara.
A escolaridade do país cresceu bastante ao
longo das últimas décadas, confirmando a melhora em termos de escolaridade da
população ocupada, tanto quando considerada a escolaridade média ou o
percentual de ocupados com o curso superior completo. Embora a análise visual
das séries não permita identificar claramente a relação entre escolaridade e
produtividade, os modelos utilizados estimam relações positivas e
significativas. Assim, os dados de escolaridade ao longo dos quarenta anos
analisados sugerem que a melhora na educação da população ocupada teria
contribuído para o aumento da produtividade do trabalho no país.
E como ficam as relações entre a
produtividade do trabalho e a distribuição de renda? Até que ponto o
crescimento da primeira beneficia a segunda? Nosso histórico não permite
concluir imediatamente que uma beneficia a outra (vide o período do “milagre econômico”).
Mas, por outro lado, pensando no futuro, acreditamos que o aumento da
produtividade é uma condição necessária, embora não suficiente, para a melhoria
da distribuição de renda daqui para a frente.
É claro que programas de transferência de
renda podem e devem ser utilizados, mas um verdadeiro processo de melhoria da
distribuição de renda passa obrigatoriamente pelo mercado de trabalho e o
processo fica muito mais simples se houver crescimento econômico. Como o
crescimento da economia não pode mais depender principalmente da incorporação
de novas pessoas ao mercado de trabalho por conta da transição demográfica, a
saída óbvia seria por meio do aumento da produtividade do trabalho,
preferencialmente para aqueles trabalhadores com menores níveis de
produtividade e salários.
Conforme apontado por nosso estudo,
investimentos e educação são fundamentais para o crescimento da produtividade e
é por aí que passa a solução para o crescimento da economia com melhoria da
distribuição de renda no futuro.
1) Ver João Saboia; Susan Schommer; Camilla
Oliveira, Produtividade do Trabalho, Investimentos e Educação no Brasil - dos
anos 1980 aos anos 2020, Texto para Discussão 014/2024, Instituto de Economia,
UFRJ.
*João Saboia é professor
emérito do Instituto de Economia da UFRJ.
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