O Estado de S. Paulo
Não é prudente, nem da tradição diplomática,
que presidentes assumam publicamente apoio a um candidato em outro país, mas as
eleições nos Estados Unidos são tão decisivas e estão tão indecisas que o
presidente Lula não tinha alternativa. Sua defesa da democrata Kamala Harris e
sua crítica aberta a Donald Trump fazem sentido, pois o que está em jogo é a
democracia, e não apenas a norte-americana.
Tecnicamente, digamos assim, a manifestação
de Lula é um erro diplomático um tanto óbvio, já que Trump tem tanta chance de
vencer quanto Kamala.
E se ele vencer? Como ficarão as relações presidenciais e comerciais, os investimentos e acordos de cooperação?
Para quem condena a fala de Lula, a situação
pode complicar. Para os que defendem, não vai fazer diferença, já que as
parcerias avançam na raia diplomática e na iniciativa privada,
independentemente de quais sejam os presidentes. E, afinal, Lula falar não muda
nada, Trump já teria má vontade com ele de qualquer jeito.
Além da defesa da democracia, dois motivos
liberaram Lula para apoiar Kamala. Jair Bolsonaro apoiava Trump
entusiasticamente e seu filho 03, o deputado Eduardo, tem acesso ao
ex-presidente quando vai aos EUA para articulações da direita internacional. De
outro lado, Joe Biden não titubeou ao apoiar a posse de Lula diante da ameaça
de golpe bolsonarista: os EUA foram o primeiro país a reconhecer, horas depois
da eleição, a vitória de Lula em 2022. Como agora, em nome da democracia.
Tradicionalmente, os democratas são mais
protecionistas e os republicanos, mais liberais – logo, mais convenientes ao
Brasil. Hoje, porém, a questão vai muito além de comércio, após a invasão
inédita do Capitólio, com estímulo ostensivo de Trump, acender o sinal amarelo
em todo o mundo democrático e, de alguma forma, ser replicada no Brasil pelos
bolsonaristas que depredaram, no 8 de janeiro, Planalto, Congresso e Supremo.
Não é mera coincidência que Trump, Bolsonaro,
o argentino Javier Milei e até o ainda inexplicável Pablo Marçal, entre tantos
outros mundo afora, tenham métodos, discursos, ameaças e alvos semelhantes e
usem a internet com a mesma volúpia e falta de pudor. Elon Musk, aliás, paira
sobre eles e despeja fortunas na compra de votos descarada para Trump.
A diferença é que, como o ridículo Nicolás Maduro ameaça só a Venezuela, também Bolsonaro é um perigo só para o Brasil e Milei, só para a Argentina. Trump, não. É um risco para o mundo. Mais do que induzir os EUA e os americanos para o terraplanismo e o desdém aos valores democráticos e aos avanços civilizatórios, Trump, se eleito, terá impacto em todos os continentes e fortalecerá os “bolsonarismos” (no plural mesmo) no Brasil. O silêncio de Lula não mudaria nada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário