O Estado de S. Paulo
Flávio Dino mandou destruir livros. Mandou
destruir livros mandando avisar que não praticava censura. Não seria censura;
apenas ato estatal para “coibir abusos ocorridos no exercício indevido da
manifestação do pensamento”. Não seria censura; apenas censura sobre o que o
juiz considera uso indevido – “uso extremado”, segundo a constituição xandônica
– da liberdade de expressão.
Fez lembrar Cármen Lúcia, no TSE, que –
também operadora do direito xandônico – votou pela censura a um filme
advertindo que os efeitos da decisão deveriam cessar imediatamente caso a
censura autorizada produzisse censura.
Dino mandou destruir os livros, com uma ressalva: as obras poderiam circular novamente se removidos os trechos preconceituosos. Já fazem isso com os clássicos. Falta fazer com a Bíblia Sagrada.
O ministro mandou destruir livros –
complemente-se – com teor homofóbico e sexista. Não interessa o complemento. É
censura. Não importa quão asquerosos sejam – e são – os trechos. É censura.
Censura produz censura. Sabe-se como começa, sempre por uma boa causa.
Imprevisível até onde pode chegar. Sempre em nome da virtude.
Marcelo Crivella ordenou que a Bienal do Rio
recolhesse livro ilustrado em que dois homens se beijavam. O então prefeito
agia pelas nossas crianças. Decerto considerava aquele conteúdo “degradante”.
Por sorte não era juiz. Não faltarão juízes. Dino dá o exemplo.
Um ministro de Corte constitucional que
determina o que seja “degradante” – e que, degradante sendo, deve ser retirado
de circulação e eliminado. Um ministro de Corte constitucional que ordena, em
canetada solo, a eliminação de livros que “desbordam do exercício legítimo dos
direitos à liberdade de expressão e de livre manifestação de pensamento”.
É o mesmo juiz, definidor de desbordamentos
ilegítimos, para quem chamar outrem de nazista não seria crime. O mesmo homem
público que, desde a condição de ministro de Estado, moveu queixa-crime contra
youtuber que o xingara de gordola e filho da puta.
Dino encarna o Estado que sabe nos proteger
do perigo dos discursos, donde se outorgue poderes excepcionais. Ele tem os
critérios. Especialista em defender “o postulado da dignidade da pessoa
humana”, foi mais um ministro da Justiça e da Segurança Pública fracassado,
incapaz de enfrentar o acesso livre e opressor – matador dos mais pobres – de
armas e drogas no Brasil.
Flávio Dino manda destruir livros enquanto
Arthur Lira, destruidor do Parlamento, dirige o Congresso para atropelar o STF
e manter intacta a porção autoritária do orçamento secreto. O ministro, que não
consegue banir a apropriação imperial do Orçamento, bane livros.
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