Valor Econômico
Suas características desiguais e frágeis ajudam a explicar por que tantos americanos votarão com ressentimento
Os Estados Unidos vão às urnas enquanto a
economia parece mostrar uma força incomum. A um crescimento médio de quase 3%
por nove trimestres consecutivos, o país vem atraindo enormes fluxos de
dinheiro estrangeiro, que ajudaram a elevar sua participação no mercado
acionário mundial para bem acima de 60%, um recorde. Ainda assim, os eleitores
continuam pessimistas a respeito de suas perspectivas econômicas e financeiras.
Por quê? Para a maioria dos americanos, o
crescimento dos Estados Unidos é uma miragem, puxado pelo aumento da riqueza e
dos gastos discricionários dos consumidores mais ricos e distorcido pelos
crescentes lucros das grandes empresas. Os tempos parecem ser bons, mas esse
crescimento é desigual, frágil e altamente dependente dos gastos e do
endividamento do governo, que em geral é o credor de última instância.
Embora o mundo admire o consumidor “inafundável” dos Estados Unidos, um número cada vez maior de pessoas tem ficado excluído do mercado imobiliário e acumulado dívidas no cartão de crédito. Os 40% mais pobres em renda agora representam 20% de todos os gastos, enquanto os 20% mais ricos respondem por 40%. É a maior diferença já registrada nos EUA e é provável que se amplie ainda mais, segundo a consultoria Oxford Economics. Agora, a maioria dos americanos precisa gastar uma fatia tão grande de seu dinheiro nos itens essenciais, como os alimentos, que pouco sobra para extras como viagens ou jantares fora.
Os gastos discricionários estão se tornando
um luxo possível apenas para os mais ricos, e o mesmo vale para o otimismo. A
confiança desabou durante a pandemia e, desde então, recuperou-se muito mais no
terço mais rico dos consumidores do que nos terços médio ou inferior. O efeito
do aumento da riqueza como um todo sobre os gastos também está concentrado
entre os ricos, que possuem a maioria dos ativos.
Nesta década, a alta dos mercados financeiros
adicionou US$ 51 trilhões à riqueza dos Estados Unidos e, embora a geração Y
tenha se saído especialmente bem, quase todos os seus ganhos se concentraram
nos mais ricos dentro dessa faixa etária. Agora, à já existente disparidade de
riqueza entre jovens e idosos, podemos somar essa nova fonte de divisão e de
ressentimento dentro da geração mais jovem.
Os Estados Unidos cada vez mais se parecem a
uma economia folhada a ouro, com uma camada reluzente, mas superficial. No
setor empresarial, as dez maiores empresas respondem por 36% do valor de
mercado das ações - um recorde desde que os dados começaram a ser registrados,
em 1980. A ação mais valiosa dos EUA é negociada a um valor relativo 750 vezes
maior do que qualquer ação no quartil inferior - uma diferença bem maior do que
a observada há dez anos, de apenas 200 vezes, e a maior desde o início dos anos
1930.
À medida que os já grandes vão ficando ainda
maiores, a ansiedade assombra os demais. A porcentagem das pequenas empresas
que expressam incerteza sobre a economia e o próprio futuro está atipicamente
alta, e seu grau de confiança está em níveis raramente vistos fora de
recessões.
A maioria dos analistas vê as grandes
empresas de tecnologia como um ponto positivo para a economia dos EUA, que
impulsiona o crescimento, justifica os altos preços relativos das ações e atrai
um fluxo constante de capital. Nos anos 2010, os estrangeiros investiram cerca
de US$ 30 bilhões por ano em ações dos EUA. Em 2024, o valor deve chegar a US$
350 bilhões.
Desta vez, quem está abrindo o caminho para o
boom econômico é o governo; seu déficit mais do que dobrou nos últimos dez anos
e ultrapassou 6% do PIB. A dívida pública cresceu US$ 17 trilhões neste
período, tendo igualado o aumento somado dos 240 anos anteriores
Normalmente, no entanto, booms econômicos
costumam ser financiados por aumentos do endividamento do setor privado. O
governo apenas aumenta o seu depois, para ajudar a suavizar o impacto quando o
boom perde força. Desta vez, quem está abrindo o caminho é o governo; seu
déficit mais do que dobrou nos últimos dez anos. Ultrapassou os 6% do Produto
Interno Bruto (PIB) e projeta-se que crescerá ainda mais nos próximos anos. A
dívida pública está explodindo. Aumentou em US$ 17 trilhões nos últimos dez
anos, tendo igualado nesse período o aumento dos 240 anos anteriores - quase
desde a independência dos EUA.
Pela definição contábil, o déficit
governamental é a imagem invertida no espelho da poupança privada, que inclui
os lucros das empresas. Historicamente, os lucros empresariais dos EUA aumentam
com o déficit, um vínculo detectado já em 1908 pela “equação de Kalecki-Levy”.
Desde então, isso tem se mantido, embora com ainda mais força nos tempos
recentes, uma vez que o aumento dos déficits turbina o crescimento dos lucros
empresariais.
Democratas e republicanos discordam em muitos
aspectos, mas estão unidos na indiferença ao déficit, que deverá ter forte
aumento, não importa quem vença as eleições de hoje. Com tanto dinheiro
entrando, por que não continuar a se endividar?
Há dois anos, com o fim da era de juros zero,
os chamados “vigilantes dos títulos” acordaram de um longo sono e começaram a
punir [vendendo seus papéis] a imprudência fiscal de alguns países, primeiro,
os mercados de fronteira, como Sri Lanka e Gana, depois, os emergentes como
Brasil e Turquia, e, mais recentemente, os desenvolvidos, a começar pelo Reino
Unido e, agora, a França. Graças à forte demanda pela moeda preferida no mundo,
os EUA parecem estar menos vulneráveis, mas nenhum país na história fica imune
para sempre.
Com déficits em alta, inflando artificialmente o crescimento dos Estados Unidos, já há sinais de que essas forças pressionam os juros para cima. Impérios já fracassaram muitas vezes quando não conseguiram mais cobrir as próprias dívidas, e, pelo rumo que os Estados Unidos estão tomando, o próximo presidente pode aprender essa lição da maneira mais difícil. (Tradução de Sabino Ahumada)
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