terça-feira, 5 de novembro de 2024

Colégio eleitoral multiplica incertezas - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Sistema americano visava equilibrar instituições majoritárias e contramajoritárias, mas envelheceu mal

Kamala ou Trump? Ainda que os EUA fossem uma democracia normal, em que vence o pleito presidencial o candidato que obtém o maior número de votos nacionalmente, já seria difícil cravar um palpite. A maioria das pesquisas feitas nos últimos dias dá empate técnico entre os dois postulantes.

Nos EUA, entretanto, a eleição presidencial é definida pelo colégio eleitoral, num sistema que multiplica as incertezas. Ele faz isso reduzindo drasticamente o número de eleitores "que importam". Estados com clara maioria democrata ou republicana "se cancelam", restringindo a disputa aos chamados estados-pêndulo, em que a eleição pode ir tanto para um lado como para o outro.

Em 48 dos 50 estados, o candidato vencedor leva todos os votos a que a unidade federativa tem direito no colégio eleitoral. Na prática, isso significa que a disputa será decidida por margens reduzidas de votos (milhares ou dezenas de milhares) em oito estados. Uma chuva forte numa área mais crítica, que afaste das urnas um bom número de eleitores democratas ou republicanos, poderia em tese mudar a história do mundo.

Como os EUA chegaram a essa esquisitice? Acho que eles pagam o preço de seu pioneirismo. Quando os "founding fathers" escreveram sua Constituição, procuraram equilibrar instituições majoritárias, como o voto popular, com contramajoritárias, como o colégio eleitoral e a Suprema Corte. Leitores de Platão e Aristóteles, eles cultivavam uma certa demofobia, hesitando em entregar muito poder ao que viam como a turba ignara.

A intuição dos "founding fathers" não estava errada. Uma república funcional depende de um sistema de freios e contrapesos que limite o poder não só de autoridades como também o de maiorias populares.
O problema é que o mix de instituições majoritárias e contramajoritárias escolhido envelheceu mal. As democracias modernas evoluíram para criar sistemas eleitorais tão próximos quanto possível do "um homem, um voto" e concentraram os contrapesos em declarações de direitos fundamentais e órgãos como a Justiça.

 

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